Qual a real letalidade da Covid-19?

Nunca saberemos com certeza o real grau de letalidade do Covid-19. Por um motivo simples: esse grau de letalidade depende da eficiência do atendimento hospitalar.

Em países como Itália e Espanha, graus de letalidade acima de 10% não indicam uma predileção do vírus por matar espanhóis ou italianos, ou não somente uma subnotificação absurda. Indica o colapso do sistema hospitalar, que não conseguiu dar conta adequada do número de doentes.

Chamo a atenção para este ponto porque precisamos ter em mente para que serve a política de distanciamento social. Essa política não serve para evitar a todo custo que a doença se propague, mas que se propague a uma velocidade que permita ao sistema de saúde lidar com a situação. Por isso, tem limitada utilidade essas estatísticas diárias de casos/mortes se não forem acompanhadas do grau de utilização dos leitos no sistema hospitalar. Se houvesse testagem em massa, o número de casos até serviria como um indicador antecedente da ocupação hospitalar, o que permitiria um planejamento melhor. Mas nem isso, os casos testados normalmente são daqueles que já procuraram o hospital.

O número de casos/mortes é uma grandeza etérea, que significa muito pouco para a maioria das pessoas. Que me desculpem os parentes dos falecidos, mas o que são 1.500 mortes em uma população de 200 milhões? Enquanto não acontecer uma morte de alguém próximo, essa estatística não passará de… uma estatística.

Já a ocupação dos leitos hospitalares é um dado bem concreto. Se houvesse diariamente a divulgação do número de leitos disponíveis por Estado da federação, este número seria muito mais impactante, pois não são muitos. E a evolução desse número ao longo do tempo seria uma forma de alertar a população para o problema. Além, claro, de servir como parâmetro para o planejamento de ações.

Por isso, causa-me espécie que somente agora, meados de abril, mais de um mês depois do início da transmissão comunitária, o Ministério da Saúde vai começar a exigir dados frequentes de ocupação de leitos de UTI de Estados e municípios. Enfim, antes tarde do que nunca. Mas dá medo o amadorismo da coisa.

Verifique as premissas. Sempre.

Matéria do Globo de ontem repercute nota de um grupo de pesquisadores que estimaram o número de casos de Covid-19 no Brasil, que seria de 313 mil no dia 11/04, contra um número notificado de 21 mil no mesmo dia. Ou seja, uma subnotificação de mais de 90%.

Fui pesquisar a metodologia (a reportagem está bem confusa a respeito) no próprio site. A coisa é relativamente simples: considera-se a taxa de mortalidade da Coreia como sendo a “verdadeira” para a doença e, considerando o número de mortes no Brasil, se faz uma conta inversa: quantos casos deveria haver para justificar aquele número de mortes com a taxa de mortalidade da Coreia? Apenas para informação, essa taxa é de 1,65% na Coreia, contra 5,4% no Brasil. A conta foi ajustada pela diferença de pirâmide etária entre os dois países, chegando a uma taxa para o Brasil de 1,08%. Mas o pulo do gato é outro.

Para estimar o número de casos HOJE, é preciso saber quantos vão morrer daqui a N dias. Porque as mortes de hoje representam casos do passado. Os casos de hoje gerarão as mortes no futuro. A estimativa considera uma distância de 10 dias entre a contaminação e a morte. E aí é que mora o problema: como estimar o número de mortes daqui a 10 dias? Qualquer que seja a premissa adotada, será um chute bem dado. Seria mais honesto dizer que no dia 01/04 (10 dias antes da data-base 11/04), considerando o número de mortes em 11/04, o número de casos era de 112 mil, contra notificação de 7 mil casos. Continua sendo uma diferença abissal, indica uma subnotificação muito grande, mas é diferente dizer que havia 112 mil casos no dia 01/04 do que mais de 300 mil casos no dia 11/04. Não sabemos quantos casos há hoje, simplesmente porque não sabemos quantas mortes haverá daqui a 10 dias. Aliás, pode ser até maior, mas não sabemos.

Dizem que os números não mentem jamais. É verdade. O mentiroso pode ser a premissa adotada. Sempre procure conhecê-la.

O título do Paulistão em boas mãos

Quis Deus, e o bom futebol jogado pelo Santo André, que o time do ABC paulista terminasse a fase pré-coronavírus do campeonato paulista em primeiro lugar, o que dá de bandeja a solução para o imbróglio: encerrar o campeonato e conceder o título ao líder. Fosse um dos quatro grandes o líder, essa solução seria muito mais difícil.

O Santo André já bateu na trave em 2010, quando enfrentou de igual para igual o Santos de Neymar e Ganso, o mesmo esquadrão que venceria a Libertadores no ano ano seguinte. Nada mais justo do que dar a esse time o título que só foi ganho uma vez por um time do ABC, o São Caetano, em 2004.

Clubes de São Paulo: vamos virar a página e partir para a próxima.

Síndrome Respiratória Aguda Grave

O site Info Gripe, mantido pela Fiocruz, apresenta estatísticas bastante completas de hospitalizações por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave). Isso inclui todas as doenças respiratórias, incluindo a Covid-19, mesmo que não notificada. Coloquei aqui 3 gráficos retirados do site, dos anos de 2009, 2016 e 2020.

Em primeiro lugar, observe como, em cada gráfico, há um “monte” no meio, com camadas verde, amarela e laranja. Esse “monte” representa os casos sazonais de gripe, com o pico no meio do ano. As cores representam a severidade crescente do surto. Este nível de severidade é a média dos anos “normais”: 2010, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2017. Em 2009 e 2016 tivemos picos anormais, enquanto em 2011, 2018 e 2019 tivemos números bem abaixo da média.

Cada número no eixo x representa uma semana epidemiológica. Por isso, o gráfico vai até o número 52.Comecemos pelo gráfico de 2009. Este é o surto de H1N1. Observe que ele começa a acelerar na 28a semana epidemiológica, fazendo o seu pico 3 semanas depois. O pico da gripe sazonal é na 27a semana epidemiológica. ou um mês antes. Portanto, a H1N1 não respeitou a sazonalidade.

Em 2016, novo surto de H1N1, desta vez começando a acelerar na 9a semana e atingindo o pico 4 semanas depois. Bem distante, portanto, do “pico sazonal”. Observe também a escala: enquanto em 2009 o pico foi em 5,75 hospitalizações para cada 100 mil habitantes, em 2016 o pico foi 1,5. Portanto, em 2016 foi um “mini-surto”, comparado com 2009.Vamos para 2020. Em primeiro lugar, observe que a linha é vermelha, ladeada por duas linhas pontilhadas pretas. Isso acontece porque se trata de uma estimativa estatística, que depois se confirmará com os dados reais. Nos gráficos dos outros anos, já se trata de dados reais. Observe que a aceleração começou na 11a semana (08/03 a 15/03). Os dados vão até a 14a semana (27/03 a 04/04). Portanto, temos uma defasagem de uma semana nos dados, pois a 15a semana terminou ontem.

E o que podemos observar nos dados de 2020? Algumas coisas:

1) Se tivéssemos a mesma tendência de 2009, teríamos atingido o pico na 14a semana (27/03 a 04/04), com 5,75 hospitalizações/cem mil habitantes. No entanto, na 13a semana estávamos com uma estimativa de hospitalizações entre 2,75 e 6,25, com valor esperado de 4,25. Ou seja, houve claramente um achatamento da curva de hospitalizações. Tivemos 1,5 hospitalizações a menos do que a crise de H1N1 de 2009, na mesma época. Cabe ressaltar, no entanto, que esta estimativa é ainda bastante preliminar.

2) O surto não tem nada a ver com sazonalidade. Observe como a gripe sazonal provoca um número muito pequeno de hospitalizações se comparado com os surtos de 2009 e agora o de 2020. São 0,75 para cada cem mil habitantes no nível laranja, que é de atenção. Portanto, não cabe o receio de segurar o surto agora para deixá-lo crescer depois, coincidindo com a gripe sazonal. Os números da epidemia são tão maiores do que os da gripe sazonal, que este tipo de cálculo perde o sentido.

3) Se não houvesse “achatamento”, onde estaríamos agora? Se a regra fosse a mesma da H1N1, provavelmente estaríamos hoje (14a semana) em 7,5 hospitalizações/milhão de habitantes, ultrapassando o pico da H1N1. Mas o problema não é esse. O problema é onde iríamos parar. O pico da H1N1 ocorreu três semanas depois de iniciada a aceleração, pois se tratava de uma variante da influenza, que começou a ser tratada com tamiflu, remédio já conhecido. No caso do coronavírus, estamos tateando ainda, pois não é um tipo de influenza. Provavelmente, o pico não teria chegado ainda, não fossem as medidas de contingenciamento.

Em um post anterior, eu havia afirmado que acompanhar o número de hospitalizações poderia dar uma noção melhor do andamento da epidemia. Estas informações podem ajudar a entender o problema, ainda que sejam estimativas defasadas.

Testes vs Casos

Atualizei estudo que publiquei há 8 dias. Os números não mudaram muito desde então.

Só relembrando: este gráfico mostra a relação entre total de casos e total de testes em cada país (fonte: worldometer), para países com mais de 5 mil casos confirmados.

A média desses países é de 11 casos confirmados para cada 100 testes feitos. Mas há discrepâncias imensas. Por exemplo, na Espanha, são 47 casos confirmados para cada 100 testes. Já na Coreia, são apenas 2, enquanto na Noruega são 5. O que pode explicar tamanha diferença?

Entendo que sejam duas coisas: o número de contaminados e a aleatoriedade da amostra. Na Espanha e França, onde essa relação é alta, deve haver mesmo mais gente contaminada, e devem estar testando mais as pessoas doentes. Já onde a relação é baixa, estão testando todos, doentes e não doentes, além de haver menos pessoas contaminadas.

Esta aleatoriedade é até mais importante do que o número em si de testes. Na Coreia, testaram 10 mil pessoas para cada milhão de habitantes. Na Itália, foram 15 mil. Mas o índice de contaminação na Itália é de 16% do número total de testes, contra 2% da Coreia. A Itália está testando mais simplesmente porque tem mais doentes, não é completamente aleatório.

Obviamente, quanto mais testes, mais tende a ser aleatório. Vamos pegar um caso extremo, a Islândia (que não está no gráfico). Neste pequeno país, foram testados nada menos que 103 mil pessoas para cada milhão de habitantes, ou mais de 10% da população! O número de contaminados é de 5 mil por milhão, ou 5% da amostra. Com uma amostra desse tamanho, já dá para tirar uma conclusão estatística robusta: 5% da população foi contaminada. Luxemburgo é outro exemplo: eles testaram quase 5% da população, e 11% está contaminada. Ou seja, com este tamanho de amostra, é provável que este número de contaminados se aproxime da realidade do país.

Outra comparação interessante é entre a Suécia e os outros países nórdicos. Na Suécia, até o momento, foram 5 mil testes/milhão, sendo que 19% deu positivo. Na Noruega foram 23 mil, na Dinamarca foram 12 mil e na Finlândia foram 8 mil testes por milhão, com proporção de contaminados de 5%, 9% e 7% respectivamente. Ou seja, fica claro que a Suécia escolheu outro caminho em relação aos seus vizinhos.

E no Brasil? Até agora, testamos míseros 300 para cada milhão, e 33% (100 para cada milhão) deram positivo para o Covid-19. Ou seja, estamos testando somente os doentes (ou muito doentes). A triste realidade é que não temos a mínima ideia do que está acontecendo.

Extensão da quarentena?

Vou dizer uma coisa: se a curva paulista continuar nessa mixórdia, vai ser difícil justificar politicamente uma extensão da quarentena após o o dia 22 em São Paulo.

PS: note que eu disse “politicamente”. Tecnicamente pode até ter justificativa, mas, como tudo que envolve interação entre as pessoas, é a política que decide no final.

PS2: não se trata de torcida nem contra nem a favor. Essa observação pretende ser apenas uma constatação da realidade.

Cadê o número de hospitalizações?

Diz o secretário municipal de saúde da cidade de São Paulo que já foram criados 1.662 leitos exclusivamente para pacientes com coronavírus. A reportagem não diz, mas estes não devem ser todos leitos novos, como os criados nos hospitais de campanha. Muitos hospitais foram reorganizados com alas exclusivas para o corona, e esses leitos devem estar sendo contabilizados nesse total.

O secretário afirma que 60% desses leitos já foram ocupados. Isso significa aproximadamente 1.000 pacientes. Como, até ontem, tínhamos 5.000 casos notificados na cidade, isso representa 20% do total.

As estatísticas de Wuhan (não sei se foram confirmadas em outras localidades) indicaram que 15% dos contaminados precisaram de alguma internação hospitalar. Este número pode estar superdimensionado, pois nem todos os contaminados foram testados.

Para que o índice de hospitalização da cidade de São Paulo igualasse o de Wuhan, seria necessário que houvesse 6.666 casos na cidade, ou 33% a mais. Em outras palavras, se a subnotificação em São Paulo fosse a mesma de Wuhan, teríamos 33% casos a mais neste momento.

O interessante é que o Ministério da Saúde, em seu boletim de ontem, afirmou que 4.436 pessoas estão hospitalizadas no país inteiro, o que representa 21% do total de casos. Vale aqui, portanto, o mesmo raciocínio.

O número de hospitalizações seria uma boa medida do avanço da epidemia. Pena que este número não seja divulgado de maneira recorrente.

Estatísticas da Covid-19

Trago hoje seis gráficos.

Três gráficos mostram a evolução do número de casos/capita (média móvel de 3 dias), considerando o início de cada série quando ocorre 1 caso/milhão de habitantes.

Três gráficos mostram a evolução do número de mortes/capita (média móvel de 3 dias), considerando o início de cada série quanto ocorre o caso #150.

Nos gráficos que mostram o Brasil contra Europa e EUA, tanto em número de casos quanto de mortes, a curva brasileira mostra-se bem mais suave, quase estável. Os números divulgados assustam (ultrapassamos mil mortes!), mas o fato é que o ritmo de crescimento tem sido bem contido.

Para aqueles que acham que as medidas de distanciamento social não têm nada a ver com esse resultado, trago também a comparação dos números da Suécia com os seus pares nórdicos. Os governantes suecos resolveram, voluntariamente, brindar a humanidade com um experimento que, de outra forma, teria sido impossível: manter uma população exposta à epidemia com medidas brandas de distanciamento social, confiando nos hábitos de higiene do povo. Com esse experimento, podemos constatar que o número de mortes/capita é bem mais elevado na Suécia do que nos seus pares nórdicos. A única diferença relevante entre esses países foram as medidas de contenção social. Obrigado, governantes suecos, por usarem a população do seu país como cobaia. A humanidade agradece!

A natureza do perigo

Alguns dias atrás, Osmar Terra afirmou que haveria menos mortes no Brasil de Coronavírus do que de pessoas que morreriam no Rio Grande do Sul de gripe sazonal (950, segundo ele). Bem, não tenho a fonte que ele usou para esse número, se foi no ano passado ou é uma média de vários anos. O fato é que estamos ainda longe do pico, e o número de mortes já ultrapassou 1.000 no país.

Mas isso tudo (a previsão do deputado e o fato dessa previsão já estar velha) é irrelevante. O problema é conceitual.

Como o próprio deputado diz, os casos e mortes de gripe são sazonais. Ou seja, acontece todo ano, com um pouco mais ou um pouco menos de virulência. Por isso, o sistema de saúde já está preparado e dimensionado para isso. E, não menos importante, há vacina para gripe sazonal. Ou seja, o número de casos e mortes é bem menor do que seria sem a vacina.

O coronavírus, por outro lado, é algo novo. Portanto, não é sazonal, e o sistema de saúde não está devidamente preparado. Às doenças normais, se ADICIONAM os casos de coronavírus. E o pior, não há vacina, a coisa pega a população sem nenhuma proteção.

Pode ser até que o deputado esteja certo, e haja menos casos e mortes de coronavírus do que as provocadas pela gripe sazonal. Mas não é este o ponto. A questão é que, em um balde cheio de água, um copo a mais o fará transbordar. E, com o sistema de saúde transbordando, haverá não somente mais mortes por coronavírus, mas também por outras doenças ou acidentes que não poderão ser tratados adequadamente. Mais uma vez: os casos de coronavírus serão ADICIONADOS às outras doenças que já abarrotam o nosso sistema hospitalar. O problema não é o número em si de casos e mortes, o problema é adiciona-los ao sistema.

Causa-me espécie que um suposto especialista em saúde pública cometa um erro tão básico. A não ser que não seja um erro.

A fé na ciência

Fé e ciência trabalham com verdades. A primeira, com a verdade revelada. A segunda, com a verdade provada cientificamente.

Essa divisão, que parece, em princípio, clara e cristalina, só funciona até a página 2.

Ao que parece, Leonardo da Vinci foi um gênio universal, que dominava todos os campos do conhecimento humano. Foi o último, pois o campo do conhecimento humano se multiplicou de tal forma desde então, que é impossível a um ser humano dominar todo o conhecimento adquirido e acumulado durante séculos.

Esse enorme acúmulo de conhecimentos fez entrar no campo da ciência algo característico do campo da fé: a fé em uma verdade revelada. Os cientistas passam a ser os “sacerdotes” dessa nova crença, que nós, leigos, acolhemos com fervor religioso. Desconhecendo o método científico, acolhemos a palavra dos cientistas como “a revelação”.

E quando os cientistas não concordam entre si?

Aí se formam as igrejas dentro da ciência, cada uma com seu rebanho. Cada pessoa escolhe a “sua” igreja de acordo com suas convicções pessoais e ideológicas, mandando às favas o método científico, que poucos sabem do que se trata.

Esse debate sobre o uso da cloroquina é exatamente isso. Há profissionais de saúde que advogam seu uso porque teriam tido efeitos bastante positivos no tratamento de doentes da Covid-19. E há outros que afirmam que nada pode ser afirmado. Em quem acreditar?

A ciência, assim como a fé, tem seus cânones. E o artigo de fé máximo da ciência é o método científico. O que não segue o método científico é charlatanismo. Ou, para usar o léxico da fé, heresia.

Voltemos ao caso da cloroquina. Qualquer remédio, desses que se vendem em farmácia ou são administrados em hospitais, passou por 3 fases de testes: a primeira, preliminar, mede a segurança de sua administração em seres humanos. A segunda faz testes em pequenos grupos para verificar se vale a pena o investimento em testes mais amplos e, por isso, mais caros. E a terceira fase são testes controlados estatisticamente, feitos com grupos maiores, e que levam meses para chegar a conclusões que permitem aos órgãos de saúde aprová-los para uso da população. Os testes com a cloroquina, assim como com outras substâncias, estão no início na fase 3 em várias partes do mundo. Não há testes estatisticamente controlados que comprovem a sua eficácia.

Tenho lido e ouvido muito por aí que os médicos da Prevent Senior vêm aplicando a cloroquina com sucesso. No entanto, não vi os números em lugar algum. Quantos pacientes foram tratados? Quantos não foram? Qual o percentual de recuperação em cada grupo? Qual foi o contra factual usado? Qual o papel da interação de outras drogas?

A Bíblia dos cientistas é o artigo científico. Nele, o cientista coloca no papel o método que usou para chegar aos resultados a que diz ter chegado. Este artigo, então, fica sob o escrutínio de outros “sacerdotes”, de modo a garantir a robustez dos resultados. Onde está o artigo dos médicos da Prevent? Como podemos verificar a robustez dos resultados? Por enquanto, só ouvi coisas do tipo “diminuiu o número de mortes”. Isso não é lá muito científico. Claro que mesmo remédios experimentais podem ser administrados em pacientes que já não têm outra esperança. Isso acontece no mundo inteiro e nos melhores hospitais. Isso é uma coisa. Outra coisa é o órgão estatal que regula esses assuntos dar o seu carimbo em um remédio que ainda não passou por todas as fases de testes, para uso generalizado da população.

Os médicos podem prescrever (e estão prescrevendo) a cloroquina para os seus pacientes. Mas é por sua conta e risco. Tanto é assim que os pacientes precisam assinar um termo de ciência e responsabilidade antes de receber o remédio. Os pacientes são avisados de que são cobaias. O que querem os médicos que estão pressionando o governo é se livrar dessa responsabilidade, pedindo que o ministério da saúde diga que a coisa é segura e funciona, mesmo sem ter passado pelos testes científicos de praxe.

Fé e ciência se baseiam em verdades. E a verdade, no caso da cloroquina, é que o debate já há muito deixou de ser científico.