A diferença? Vacina.

Número de pessoas que morreram de doenças contagiosas no Brasil em todo o ano de 2018 (fonte: Datasus):

  • Tuberculose: 4.081
  • Meningite: 961
  • Sarampo: 8
  • Influenza: 1.215

Número de pessoas que morreram de Covid-19 somente no mês de abril/2020: 5.700.

A diferença? Vacina.

Roleta russa

Essa pequena matéria do New York Times demonstra a inutilidade de se apegar a casos particulares para generalizar regras. Há exemplos de sucesso e fracasso no combate ao Covid para todos os gostos. E, claro, sempre com a ressalva de que a história ainda não chegou ao fim para se cantar vitória ou derrota. O que me parece evidente é que ainda conhecemos muito pouco sobre o vírus.

Isso tudo me parece um jogo de roleta russa. A maioria dos governos decidiu não tentar a sorte.

Todas as vidas importam

A maior parte dos que morrem por Covid-19 já era de idade avançada.

A maior parte dos que morrem por Covid-19 já tinha alguma comorbidade.

Essas duas sentenças (verdadeiras, diga-se de passagem) sempre me causaram um incômodo que eu não sabia de onde vinha. Mas acho que consegui elaborar.

Dizem que há somente duas certezas na vida de um homem (e de uma mulher): a morte e os impostos.

Todos vamos morrer um dia. É da vida, como disse, em sua sapiência presidencial, o nosso comandante-em-chefe.

No entanto, a morte como destino não justifica, de maneira nenhuma, a antecipação desse destino. Não faz sentido, por exemplo, dizer a um filho que teve a sua mãe idosa assassinada, que “é da vida”, “um dia todos vamos morrer”.

Sim, é verdade que um dia todos vamos morrer. Procurar postergar esse dia é a função da medicina (no caso das doenças), das forças de segurança (no caso das mortes violentas) e das várias normas que regem atividades arriscadas (no caso dos acidentes).

O fato de uma pessoa ser idosa, ou sofrer de uma doença crônica, não justifica a sua morte. A medicina está aí justamente para procurar postergar esse dia.

Sim, o coronavírus é mais letal em pessoas idosas e com comorbidades. Assim como a grande maioria das doenças. Parece incrível, mas dentre as pessoas que morrem, a maioria é idosa. Com corona ou sem coronavírus.

Assim, dizer que o Covid-19 mata mais idosos não passa de uma obviedade. Isso não é exclusividade do Covid-19. Grande parte das doenças será mais fatal para os idosos e para quem tem outras doenças.

Duas coisas estão por trás dessa afirmação (só mata idosos e pessoas já doentes): 1) a tentativa de diminuir a importância do problema. Afinal, se mata somente idosos e pessoas com comorbidades, então não é tão perigoso assim e 2) um certo desprezo pela vida de pessoas idosas e com comorbidades, como se a vida dessas pessoas fosse menos importante do que a dos jovens e saudáveis.

A diminuição da importância do Covid-19, na verdade, significa dizer que nenhuma doença é realmente importante. Pois grande parte das doenças mata preferencialmente idosos e pessoas com outras doenças. Nem por isso se deixa de colocar os meios para mitigá-las. Ocorre que, como já escrevi aqui algumas vezes, o único meio para mitigar uma doença que não tem vacina nem remédio, e que se espalha como fogo em mato seco, é o distanciamento social. Não há outro meio conhecido. E não é dizendo que a doença “só mata velho” que se vai mudar a natureza do problema.

Com relação à vida dos idosos e pessoas com comorbidades, quem vai dizer quantos anos de vida ainda teriam aqueles que morreram por causa do Covid-19? Poderia ser um minuto, poderiam ser 10 ou 20 anos. Quem sabe? O fato de ser idoso ou de ter comorbidades não torna menos importante a vida dessas pessoas. No limite, toda a medicina seria um desperdício, pois a morte não passa de um “fato da vida”.

Afirmar que “um dia todos vamos morrer” pode ser uma obviedade. Mas está longe de consolar quem perdeu seus entes queridos.

Estatísticas da Covid-19

Plotei um gráfico com o número de óbitos por milhão (média móvel de 3 dias) do Brasil, Europa e EUA. Acho que é a comparação mais adequada, dado que são três “continentes”, com populações muito grandes e desiguais, tanto de ponto de vista de renda quanto de distribuição geográfica. Acho melhor do que comparar com países menores e mais homogêneos.

O gráfico mostra a evolução do número de óbitos nos EUA e Europa como uma tendência quase ininterrupta de subida, fazendo um pico intermediário (ponto 1) antes de fazer o pico definitivo (ponto 2). Este comportamento se deu pelo reconhecimento de óbitos não contabilizados na França (no caso da Europa) e em NY (no caso dos EUA). O pico dos casos (ponto 2) se deu no dia 49 na Europa e no dia 44 nos EUA, sempre contados após o caso #150.Após o pico, tanto no caso da Europa quanto dos EUA, o número de óbitos começou uma lenta descida, com vários altos e baixos. Ou seja, ao contrário da subida, que foi quase em um fôlego só, a descida se dá em ondas. No caso dos EUA, nem sequer estamos certos de que de fato o número está caindo.

Gastei um pouco de tempo descrevendo as curvas de Europa e EUA porque normalmente nos apegamos a certos parâmetros para prever como será a nossa própria curva. No entanto, a curva do Brasil tem características distintas.

A primeira e mais saliente é o número em si de óbitos, muito menor aqui do que lá fora. A nossa “subida” foi muito mais lenta. Isso é bom. Mas é preciso ponderar que 1) a nossa testagem tem sido bem mais problemática, o que pode estar mascarando parcialmente esse número e 2) a nossa capacidade de tratar os doentes é mais limitada, então números menores precisam ser ponderados pela capacidade de tratamento.

Uma segunda característica é o “formato” da subida. Ao invés de subir “de um fôlego só”, a curva brasileira sobe em ondas. Já fizemos 4 picos até o momento, e nada garante que não façamos outros até chegar no pico dos picos. Ou seja, o uso das curvas lá de fora como uma proxy do que vai acontecer aqui tem limitações.

Vamos assumir que este ponto 4 seja o maior pico. Ele coincide com o pico 2 da Europa. Se for isso, e seguir o mesmo desenho da Europa, atingiríamos metade dos óbitos diários daqui a 22 dias. Só para colocar números, o pico foi anteontem, quando a média móvel de 3 dias foi de 453 óbitos.

Mas nada garante que este seja o “pico dos picos”. Como eu disse, não estamos seguindo o padrão Europa/EUA. Então, pode ser qualquer coisa. Pode ser que atinjamos o pico daqui a duas semanas ou dois meses. Ninguém realmente sabe.

Coloquei também o gráfico do Estado de SP contra NY e Lombardia. Podemos observar que SP não parece estar seguindo o padrão brasileiro: houve um pico duplo, a curva não está ascendente. O que pode estar mostrando algum controle no Estado e aumento maior de óbitos proporcionalmente em outros Estados do país. Mas ainda é cedo para dizer, precisaria engatar uma tendência descendente.

Por fim, deixo aqui só um número para meditação: o número de casos novos por milhão no Brasil já está igual à Europa hoje (30). O pico na Europa foi 60, então estamos na metade do pico da Europa em número de casos/dia. Mas, como eu disse, testamos bem menos, então esta comparação pode não ser acurada.

A saúde tem preço?

Essa é uma discussão ética muito complicada: a saúde tem preço? Quanto vale uma vida humana? Seria ético deixar uma pessoa morrer pelo simples fato de não poder pagar por um leito de UTI? Questões, no mínimo, embaraçosas.

A saúde não tem preço. Mas custa muito caro.

No limite, a lógica da fila única não deveria valer apenas para o Covid-19. Afinal, doença é doença, independentemente do nome. A discussão se dá agora porque há possibilidade real de faltarem leitos no SUS. Mas, conceitualmente, deveria valer para tudo.

Não vou entrar na discussão ética, vou abordar o problema do ponto de vista estritamente econômico.

O que aconteceria se houvesse fila única nos hospitais? Ou seja, se todos os leitos estivessem à disposição de um sistema estatal de saúde? O resultado seria óbvio: não valeria mais a pena pagar por um serviço privado e seria o fim dos hospitais privados e dos convênios e seguros-saúde. Toda a saúde seria fornecida pelo Estado.

Há quem goste dessa solução. Afinal, a saúde não tem preço, e não é justo que o dinheiro determine quem vai ter mais ou menos saúde. Deveria ser tudo igual.

Sim, verdade. Mas não se iluda. Em sociedades onde o dinheiro não manda, manda quem está mais próximo do poder político. A nomenklatura se trata bem, e não tenha dúvida de que, na “fila única” da saúde, alguns teriam um fast pass, como naquelas filas da Disney. O dinheiro pode não ser o critério mais justo para se escolher quem vive ou quem morre. Mas pelo menos é mais transparente.

O sonso do ano

FHC é realmente inacreditável.

Gravar um vídeo para as Centrais Sindicais, em “evento” que contaria com a presença do condenado solto, é realmente do balacobaco.

Mereceu a notinha, que informa que ele só teve permissão para aparecer porque Lula deixou. Rindo litros.

Maia e Alcolumbre também foram convidados, mas gentilmente declinaram do convite, deixando FHC sozinho no pódio de sonso do ano.

Depois a popularidade de Bolsonaro não cai e não sabem porquê.