Quem é o patrão?

Greve é um direito inalienável de qualquer trabalhador. Mas, antes de tudo, trata-se de um fenômeno econômico. E, como qualquer fenômeno econômico, obedece a certas leis. O que nos permite, com algum grau de precisão, prever o seu resultado.

Qualquer greve envolve risco para ambas as partes do conflito: os patrões podem perder produção e faturamento, os empregados podem perder salário e até o emprego. A deflagração de uma greve ocorre quando os trabalhadores avaliam que o patrão tem mais a perder do que eles próprios.

O risco do patrão é tanto maior quanto mais difícil for a reposição desses trabalhadores em greve. Greves no setor metalúrgico, por exemplo, são uma dor de cabeça para os patrões, pois é difícil repor funcionários treinados durante anos em suas funções. Além disso, custa muito caro demitir um funcionário desses. Por isso, quanto mais especializado for o empregado, maior o risco do patrão durante uma greve. Dizemos, neste caso, que a barreira de entrada nesse mercado de trabalho é muito alta.

Com todo respeito aos motoboys, em uma atividade econômica em que qualquer um pode atuar alugando uma bicicleta, a barreira de entrada é muito baixa. O que significa que o risco da greve é muito maior para o empregado do que para o patrão. (Aqui estou usando a terminologia empregado-patrão em uma relação muito mais difusa do que a relação trabalhista clássica. Mas serve para o raciocínio). Em outras palavras: quanto tempo os motoboys podem ficar sem receber? Qual a chance de que outros motoboys se aproveitem da paralisação para entrar no mercado?

Uma greve explicita um conflito distributivo: o capital humano disputa com o capitalista, dono do capital físico, a renda gerada pela produção. Este conflito tem três possíveis resoluções: i) o capitalista mantém a sua renda, ii) o capitalista cede parte de sua renda para os empregados ou iii) a renda aumenta por meio do aumento do preço do produto. Neste caso, o consumidor é que transfere a sua renda para os empregados. A resolução desse conflito distributivo não depende da boa ou da má vontade dos agentes envolvidos. A realidade econômica se impõe. Se o patrão considerar que a renda que está auferindo é insuficiente para remunerar o risco do seu capital, ele fecha o negócio. Se os empregados considerarem que a renda que estão recebendo é insuficiente e conseguirem se colocar em outras empresas, o negócio fecha. Se o consumidor deixar de comprar o produto pelo novo preço, é o fim do negócio. Qualquer empreendimento de sucesso é o resultado de um tênue equilíbrio entre esses três agentes.

No caso dos motoboys, estes claramente estão de olho na renda do patrão. No caso, os aplicativos. A julgar pelos resultados da única companhia de capital aberto do ramo, o Uber, o capitalista ainda está fazendo prejuízo com o negócio. De modo que a margem para aumentar a renda dos empregados parece baixa. Poderia se tentar o aumento do preço do produto. Resta saber se o consumidor concorda com isso.

Aliás, por falar em consumidor, há muitos que se condoem das condições de trabalho dos motoboys e concordam com suas reivindicações. Neste caso, é fácil resolver: basta abrir mão individualmente de sua renda e pagar uma gorda caixinha para os motoboys que entregam os produtos em sua casa. Aliás, nessa relação, o verdadeiro patrão é o consumidor. O aplicativo é apenas uma tecnologia que une patrões e empregados.

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