A nave Mars 2020 apresentou problemas técnicos.
Não precisava ser numerólogo para saber que esse nome não era apropriado.
Apenas um repositório de ideias aleatórias
A nave Mars 2020 apresentou problemas técnicos.
Não precisava ser numerólogo para saber que esse nome não era apropriado.
Os mais antigos vão lembrar: nos anos 90, a Microsoft foi acusada de “práticas monopolistas” por entregar o seu navegador Explorer junto com o Windows. Na época, Yahoo e Netscape brigavam com o Explorer palmo a palmo por esse mercado. Hoje, mais de 20 anos depois, o Chrome, que nem sequer existia na época, domina esse mercado. Yahoo e Netscape são sombras do passado e o Explorer foi substituído pelo Edge na 342a tentativa da Microsoft de destronar o navegador do Google.
Curiosamente, a Microsoft não estava entre os depoentes do “depoimento histórico”, na chamada grandiloquente do jornal. E é curioso porque o seu sistema operacional Windows e seu pacote Office detém uma considerável fatia dos seus respectivos mercados. O que nos faz concluir que a preocupação dos nobres parlamentares não está em supostas práticas monopolistas, mas em algum outro lugar. Mas não é esse o objetivo deste post.
O ponto que quero fazer é que não há setor econômico mais aberto à competição do que o de tecnologia. Claro, isso não significa que qualquer Zé Mané pode competir com o Google desde a garagem da sua casa. São precisos milhões, ou até bilhões de dólares de investimentos até chegar lá. Meu ponto é que qualquer um com uma boa ideia e capacidade de convencimento tem à sua disposição bilhões de dólares para alavancar a sua ideia, em um mercado de capitais ávido por encontrar o próximo Facebook ou o próximo Google. Todos esses gigantes nasceram na garagem de casa ou no dormitório da universidade, e desafiaram outros gigantes da tecnologia.
Este mercado é absolutamente aberto porque está ao alcance dos dedos dos usuários. Ninguém, absolutamente ninguém, impede que você teste outros navegadores, outras redes sociais, outros serviços de entrega. Os atuais líderes de mercado precisam suar continuamente a camisa para manter a experiência do usuário em alto nível, pois sabem que um competidor pode rouba-lo a qualquer momento. Eles próprios fizeram isso.
Lembro como se fosse hoje. Era 1999, estava eu trabalhando no escritório, quando veio um colega e digitou no meu computador “Google.com”. Apareceu uma tela branca, com apenas uma linha no meio para digitar a busca (basicamente o que se tem ainda hoje). Um choque para quem, como eu, estava acostumado com a aparência carnavalesca da página do Yahoo. Aquilo me cativou imediatamente. Meu amigo falou: “preste atenção, esse é o futuro”. Profético.
O Google conquistou o mercado com um produto melhor. Assim como o Facebook desbancou o Orkut. E, daqui a 20 anos, outras empresas estarão no lugar dessas. No final do dia, é o consumidor que decide quem vive e quem morre, como em uma arena romana.
O tal do “depoimento histórico” nada mais foi do que o tributo que a genialidade precisa pagar para a mediocridade. Um dia de trabalho perdido na vida desses empresários, que poderia ter sido empregado para agregar valor aos consumidores. Ayn Rand na veia.
“O lavajatismo há de ser superado pelo natural, bom e antigo enfrentamento à corrupção”.
Fala de Augusto Aras, PGR escolhido a dedo por Bolsonaro, em live de um grupo de advogados criminalistas que ganham a vida explorando os meandros e chicanas do “natural, bom e antigo enfrentamento à corrupção”.
“Lavajatismo” é o termo cunhado por estes mesmos advogados e seus clientes para alcunhar a “sanha persecutória” de procuradores e juízes contra a classe política. A atividade política teria se tornado sinônimo de bandidagem pela ação de procuradores e juízes, e não pela ação dos próprios políticos.
Todos são muito ciosos em louvar as conquistas da operação Lava-Jato. Procuram separar a Lava-Jato do “lavajatismo”. Aras faz coro aos que afirmam que houve abusos e desobediência a princípios fundamentais da Constituição. Imagine só você: condenações que passaram incólumes por 3, e às vezes 4 instâncias do judiciário brasileiro, teriam vício de origem. Talvez precisássemos de uma quinta instância para resolver o problema. Ah sim, já criaram, é o juiz de garantias.
A outros, incomoda o protagonismo político que alguns membros da operação alcançaram, e o uso desse protagonismo para fins judiciais. Queriam o quê? Condenar o político mais popular do Brasil e mais dezenas de políticos e empresários de primeira grandeza sem ter protagonismo político? Como? É a típica ideia que flana suave em saraus de bem-pensantes, mas que, no mundo bruto da política, não faz o mínimo sentido.
A Lava-Jato foi uma excrecência em um país onde o Estado Democrático de Direito está construído de modo a proteger quem tem poder ou dinheiro para contratar advogados criminalistas a peso de ouro. Finalmente temos ninguém menos que o PGR para acabar com essa excrecência, e voltarmos ao “natural, bom e antigo enfrentamento à corrupção”. Tão natural, bom e antigo quanto a própria corrupção.
Esta reportagem é uma pérola de rara beleza. São tantas as facetas, tantas as nuances, tantas as bobagens, que poderíamos discutir durante dias a fio e não esgotaríamos toda a riqueza que a reportagem encerra.
Como vocês já devem ter notado, gosto particularmente desse assunto. A economia das plataformas é um dos campos onde o capitalismo está se fazendo, agora, diante dos nossos olhos. A possibilidade de unir oferta e demanda através de um aplicativo na palma da mão, envolvendo também publicidade de massa, isso sim é inovação e ganho de produtividade na veia. E essa reportagem só vem chamar a atenção para esses pontos.
Do que se trata? Os entregadores não querem mais “patrão”. Por patrão, entende-se as empresas responsáveis pelos aplicativos. Para tanto, estão se reunindo em cooperativas. Só falta um detalhe para dar certo: fazer o aplicativo!
O repórter fez o seu dever de casa. Foi buscar a opinião de uma empresa de software, para saber quanto custaria o desenvolvimento de um aplicativo “enxuto”. 500 mil reales, pra começar a conversa. Bem, eu acho que este valor está beeeem subestimado. Pra fazer algo decente, precisa muito mais. Cheguei a comentar aqui sobre o SPTaxi, o aplicativo oficial da prefeitura de SP para “concorrer” com o Uber. A experiência do usuário é sofrível, para dizer o mínimo. Não encontrei em lugar nenhum quanto a prefeitura gastou para desenvolver aquilo, mas não tenho dúvida de que foi mais de meio milhão.
E o desenvolvimento inicial nem é o principal custo. A manutenção de qualquer sistema é um nightmare, como pode atestar qualquer profissional de TI. A Rappi tem 5 mil funcionários no mundo inteiro, o iFood tem 2,5 mil funcionários no Brasil. Grande parte está lá só para manter o sistema funcionando.
Já vimos então que a coisa não é simples. Isso não significa que precisa dar errado. Pode dar certo. Todas essas gigantes de tecnologia começaram na garagem de um cara que tinha uma boa ideia e lábia para vender essa ideia para financiadores. Esse cara chama-se EMPRESÁRIO.
Quando os entregadores se unem para não ter patrão, estão eliminando a figura do empresário, que é o único que consegue fazer a coisa acontecer. Chance de dar certo? Zero. Mas, se existir um empresário entre eles, alguém que consiga mobilizar capital humano e financeiro para levar adiante a ideia, então esse cara vai, mais cedo ou mais tarde, reivindicar o fruto do seu trabalho. Pode até continuar com o discurso da “justiça social”, afinal, tem muito empresário que defende a tal justiça social.
O problema mesmo, como sempre, é combinar com os russos. No caso, os consumidores. Em determinado ponto da reportagem, alguns mais realistas admitem que essas cooperativas poderiam funcionar para nichos de pessoas dispostas a pagar mais por uma entrega “sem patrão”. O nome de um desses grupos, “Entregadores Antifascistas”, entrega o objetivo ideológico da iniciativa, e poderia ter algum apelo em nichos bem-pensantes com dinheiro no bolso. Mas, para a grande massa de consumidores, que querem entrega rápida e barata, através de um aplicativo fácil de usar, esses rótulos têm pouco ou nenhum interesse.
No final do dia, quem vai decidir se as cooperativas de entregadores vão dar certo ou não são os consumidores. As usual.
Hoje, Celso Furtado completaria 100 anos de idade. O Valor Econômico fez uma reportagem especial a respeito, da qual destaquei dois trechos e uma foto.
Celso Furtado, como sabemos, representa para a economia brasileira o que Paulo Freire representa para a educação brasileira. É o seu Norte, a água de onde todos os estudantes brasileiros vão beber.
Uma inteligência brilhante, respeitadíssimo em certos círculos no exterior, desenvolveu a teoria-mãe das causas do subdesenvolvimento brasileiro. O remédio? Intervenção forte do Estado, para dirigir os esforços do mercado em direção ao desenvolvimento. Foi o primeiro Ministro do Planejamento do Brasil (quer coisa mais intervencionista do que “planejamento estatal”?) É o patrono dos chamados economistas desenvolvimentistas.
Nos dois trechos destacados, dois economistas desta escola colocam suas ideias, em sintonia com as de Celso Furtado. Infelizmente, o repórter não fez algumas perguntas que eu gostaria de ter feito. Faço-as aqui, e espero sinceramente que tenham uma boa resposta.
No primeiro trecho, Luciano Coutinho lamenta que o “grande impulso” entre as décadas de 30 e 80 tenha sido perdido, quando a industrialização do país foi impulsionada pela intervenção estatal. Além disso, sente falta de um “projeto de país”.
Minhas perguntas para Luciano Coutinho seriam as seguintes:
No segundo trecho, Bresser-Pereira, outro expoente da escola desenvolvimentista, defende a intervenção do Estado para regular os “preços básicos” da economia, assim como a China faz.
Minhas perguntas seriam as seguintes:
Por fim, a foto. Trata-se de Celso Furtado ladeado por Maria da Conceição Tavares (a mãe dos desenvolvimentistas) e o então candidato Lula, na campanha de 2002. Não tem imagem que melhor sintetize a nossa sina.
A verdade é que nunca deixamos de ser desenvolvimentistas. Celso Furtado não é o culpado por isso. Ele apenas foi o tradutor mais competente de uma mentalidade enraizada no ethos brasileiro.
O “jurista” Eugênio Aragão está redigindo uma nova Lei de Segurança Nacional.
Eugênio Aragão foi o mesmo que, em entrevista à Carta Capital, defendeu a corrupção como uma “graxa” para tornar os processos burocráticos mais azeitados. “No mundo inteiro é assim”, diz o “jurista”. Só se for no mundo-pária dominado por gangues.
Vai vendo o que vai sair disso aí.
Bater no Boulos não tem graça, eu sei. O marxismo do sujeito é tão de almanaque, que qualquer coisa que ele diz parece vindo de um viajante do tempo que acaba de chegar do fim do século XIX.
Mas não pude resistir a comentar a sua fala em apoio aos entregadores de aplicativos. Boulos descobriu um filão, a luta dos moto e cicloboys por remuneração maior. Sua forma de entender o problema, porem, é típica de quem não entendeu como se cria riqueza ao longo do tempo. Note que não falei “de quem não entendeu o capitalismo”, mas sim algo mais amplo, que supera uma determinada forma de organizar a produção.
Boulos não se conforma com o fato de que as empresas de tecnologia fiquem com a parte do leão “só por oferecerem uma tecnologia”, enquanto os donos dos braços, pernas, motos, bikes e carros fiquem com as migalhas do negócio de entregas.
Ocorre que essa é a regra, não a exceção. A tecnologia, em qualquer lugar e tempo, é o que mais agrega valor, é o que mais gera riqueza. Quem domina a tecnologia, é mais rico. Simples assim.
Sempre uso esse exemplo, mas como tem muita gente nova por aqui, vou usar de novo, com a licença dos leitores mais antigos. Somos um dos maiores produtores de café do mundo, com muito orgulho. No entanto, quem fica com a parte do leão dos lucros dessa indústria? A Nestlé, com o seu Nespresso e outras tecnologias. A Suíça não produz um grãozinho de café sequer, mas fica com o grosso dos lucros da indústria. Faz sentido? Todo sentido. Ou alguém toma café diretamente do grão?
Ao desenvolver uma tecnologia que agrega valor para o usuário, a Nestlé multiplica em dezenas de vezes o potencial do grão do café. E se apropria dessas dezenas de vezes, sobrando as migalhas para os produtores de café.
É sempre assim. E como se cria alta tecnologia comercializável? Porque também tem isso: não basta ser um professor Pardal supercriativo, inventor de mil e uma tecnologias inovadoras. É necessário criar uma empresa que faça essa tecnologia chegar aos usuários por um preço razoável. Isso requer não só o gênio criativo, mas também, e principalmente, a capacidade de captar o capital necessário para o desenvolvimento de uma forma de fazer chegar a tecnologia para os consumidores. Que são, afinal, os que darão o veredito final sobre o valor agregado daquela tecnologia.
A nova fronteira tecnológica está na Internet móvel. Ao conectar tudo e todos em qualquer lugar, a Internet móvel abre campos insuspeitados de ganhos de produtividade. E agregar valor nada mais é do que fazer mais com menos, entregando o mesmo produto por preços menores ou produtos novos por preços acessíveis. Não é à toa que as empresas mais valiosas do mundo hoje são as que exploram essa tecnologia.
Só que, para chegar lá, existe um caminho tortuoso e incerto de erros e acertos. Para cada Facebook que dá certo, milhares de outras empresas que tentaram caminhos alternativos fracassaram. E é preciso capital intensivo para testar todos esses caminhos. O caminho até o Santo Graal da tecnologia é coalhada de cadáveres.
Voltemos à questão das plataformas de entrega. Imaginemos o mundo antes dessa tecnologia. Cada entregador deveria procurar um emprego em milhares de pequenos comércios que tivessem tomado a decisão de manter frota própria, ou em centenas de pequenas empresas de entregas. Os comércios tinham que manter frotas próprias ou contar com as pequenas empresas de entrega. E os usuários deveriam contratar essas pequenas empresas de entrega ou comprar de pequenos comércios com frotas próprias. Um esquema claramente improdutivo, se comparado aos aplicativos.
Hoje o usuário tem, na palma da mão, acesso a milhares de comércios e milhares de entregadores. E os comércios não estão mais na mão das pequenas e ineficientes pequenas empresas de entregas. E, mais importante que isso, têm condições de atingir públicos muito maiores, que saberão sobre a existência de seu pequeno comércio através do aplicativo. Aliás, esse é o grande pulo do gato: publicidade. A entrega é quase mero detalhe.
Ter braços, pernas, carros, bikes e motos é como ter o grão do café. O valor agregado é muito baixo, perto do que fazem os aplicativos de entrega. Por isso, moto e cicloboys recebem as migalhas, assim como os plantadores de café. Boulos nunca vai entender isso.
A Reforma Tributária ainda vai ocupar muito espaço por aqui.
Não é de hoje que o setor de serviços está chiando com a proposta de reforma que está sendo discutida no Congresso. Há algum tempo, cheguei a comentar um artigo do ex-secretário da Receita, Everardo Maciel, que foi um dos primeiros a erguer o tacape.
Sim, a exemplo da Confederação Nacional dos Serviços, que defendeu a CPMF para fugir da reforma, também a OAB está pintada para a guerra.
Não é à toa: como diz Pedro Fernando Nery em seu tuíte, os advogados pagam pouco imposto, assim como médicos e outros prestadores de serviços. A reação do presidente da OAB só corrobora o tuíte.
O presidente da OAB sabe do que está falando: a carga tributária sobre os advogados e profissionais liberais em geral vai aumentar com a reforma. Como a carga tributária geral deve continuar onde está, outros agentes vão pagar menos impostos. Estes outros agentes são a indústria e, em menor medida, o comércio. E adivinha quem consome os serviços de advogados e quem consome os produtos da indústria e comércio? Pois é.
Estamos novamente falando de distribuição de renda. O presidente da OAB é o primeiro a se alinhar a causas nobres e populares, sempre defendendo os fracos e oprimidos da sociedade. Desde que não mexam com o dele.
Para você, que lamenta e não consegue entender porque o Brasil é um país tão desigual, preste atenção porque a história está se desenrolando diante dos seus olhos. Seus filhos e netos se farão a mesma pergunta, e você poderá contar um pequeno capítulo.
Estamos em meio às discussões sobre a Reforma Tributária, um dos dois palcos onde se define o papel do Estado na distribuição de renda do país (o outro é a discussão do orçamento).
Pois bem. O setor de serviços, por meio do seu lobby, se pintou para a guerra e afirmou que vai brigar pela nova CPMF para desonerar a folha.
Desonerar a folha parece algo nobre porque, em tese, fomenta empregos. Mas este é somente o lado bonito da história.
A CPMF é um imposto que “pega todo mundo”. E quando eu digo todo mundo, é todo mundo mesmo. Por ser um imposto em cascata, que incide em cada transação financeira, onera tanto mais os produtos produzidos quanto mais longa for a cadeia de produção/distribuição. Trata-se de um imposto concentrador de renda, e eu vou explicar porque.
Eu trabalho no setor de serviços. Minha alíquota de contribuição ao INSS vai diminuir, assim como a de meu empregador. Nem por isso vou deixar de receber a minha aposentadoria oficial. Quem vai financia-la?
Na outra ponta, temos os compradores de produtos onerados pela CPMF. Como cidadão da classe média, minha cesta de consumo é dominada por serviços. Quem compra preponderantemente produtos são os mais pobres. Produtos onerados pela CPMF. Estes, mais uma vez, pela zilionesima vez desde que Cabral aportou em nossas praias, estarão subsidiando os mais ricos. No caso, quem tem carteira assinada.
A desigualdade social não é um imperativo do capitalismo. É, antes de tudo, fruto do crony capitalism (capitalismo de compadres), onde governo e elites empresariais se unem para arrancar benefícios dos mais pobres, enquanto, com a outra mão, distribuem migalhas em forma de “bolsas” para tranquilizar suas consciências.
O Teto de Gastos virou o novo vilão dos defensores dos fracos e oprimidos. Há alguns anos era o superávit primário. Como este não passa hoje de uma miragem, o Teto de Gastos passou a ser o inimigo a ser combatido.
Neste artigo, Luís Eduardo Assis, ex-diretor do BC e ex-executivo do mercado financeiro, coloca-se no lado escuro da força, e une-se às vozes, entre as quais a mais estridente é a de Mônica de Bolle, que defendem o fim do Teto de Gastos como política fiscal.
Os defensores do fim do Teto de Gastos se dividem basicamente em dois grupos: o primeiro afirma que não é preciso colocar nada no lugar, enquanto o segundo admite que alguma coisa precisa substituir o Teto.
O primeiro grupo acredita que não há limite para o endividamento de um país que emite a sua própria moeda. Afinal, os agentes pagam seus impostos nesta moeda, retornando para o governo aquilo que foi emitido.
Para o segundo grupo, há algum limite para o endividamento e, portanto, o Teto de Gastos precisa ser substituído por alguma outra regra ou dinâmica que limite esse endividamento.
Assis não se decidiu bem em que grupo está. Primeiro fala que o orçamento de um país não é comparável ao orçamento de uma família, pois o país emite a sua própria moeda. Está implícita nessa afirmação a não limitação para o endividamento. Mas depois, o autor do artigo diz que há um limite. Fiquei confuso.
De qualquer maneira, não vou perder tempo discutindo com o primeiro grupo. Se não há limite, a própria Economia, que é o estudo da aplicação de recursos escassos, perde o seu sentido. Afinal, basta imprimir dinheiro suficiente para que todos fiquem felizes neste mundo sem restrição orçamentária.
Vamos para o mundo real, em que existem limites. Para tanto, vamos fazer uma pequena digressão.
O Plano Real foi o único plano bem-sucedido de estabilização monetária da história do Brasil. O seu sucesso veio não tanto do truque da URV, que superindexou a economia para depois transformar o próprio indexador em moeda, mas principalmente da disciplina fiscal que se seguiu. Inúmeros esqueletos fiscais, principalmente nos Estados, foram tirados dos armários, e a carga tributária foi aumentada de maneira significativa para bancar os gastos do Estado. Ou seja, houve uma formalização da carga tributária, que estava escondida sob a forma de inflação.
Já na década dos 2000, a política de superávits primários foi mantida graças não mais ao aumento da carga tributária, mas pelo aumento das receitas proporcionado pelo grande ciclo das commodities, que surfamos durante vários anos. As despesas aumentaram no mesmo passo, mas como era a época das vacas gordas, a conta fechava.
Veio o início dos anos 2010, e o grande ciclo das commodities perdeu a sua força. Continuamos a pedalar a bike por um algum tempo, primeiro queimando a gordura e, depois, como sabemos, fazendo fraude contábil, que acabou sendo o detalhe técnico para o impeachment. A partir de 2015, começamos a fazer déficits primários, o que significa que gastamos mais do arrecadamos antes mesmo de pagar os juros da dívida. O resultado é o aumento da dívida pública.
Alguma coisa precisava ser feita para dar a sinalização para os credores (aqueles seres que insistem em ter alguma garantia de que terão o seu dinheiro de volta em algum momento no futuro) de que a dívida estava sob controle. Daí nasce o Teto de Gastos.
Abre parênteses: vou falar aqui com aqueles que concordam que há restrições orçamentárias tanto para famílias quanto para países, ok? Aliás, quanto mais pobre for um país, quanto mais a sua história for de calotes e volatilidade, mais essas restrições se aplicam. Os EUA, o Japão, a Alemanha têm menos restrição orçamentária que países como o Brasil, pois são mais estáveis e confiáveis. Aliás, isso vale também para famílias, não é mesmo? Fecha parênteses.
Existem quatro maneiras de um país estabilizar a sua dívida. Duas são virtuosas, duas são viciosas.
As virtuosas são aumentando receitas e/ou diminuindo despesas. As viciosas são inflação e calote. Nós estamos discutindo as formas virtuosas porque não queremos chegar nas formas viciosas. A Argentina, por exemplo, tem uma inflação de 50% ao ano mesmo com uma recessão tão profunda quanto a nossa, e está, neste momento, “renegociando” a dívida com seus credores. Ou seja, dando calote.
Nas décadas de 90 e 2000 nós aumentamos receitas, seja através do aumento de impostos, seja através de crescimento econômico. Na década de 2010, as receitas pararam de aumentar, pois não havia mais espaço para o aumento da carga tributária e crescimento econômico é apenas uma miragem. Resta apenas o controle dos gastos. Essa é a lógica do Teto de Gastos.
Assis, assim como De Bolle e outros que defendem o fim do Teto, quando confrontados com a pergunta sobre a alternativa, apenas balbuciam platitudes que servem para qualquer ocasião. É o que vemos no último parágrafo do artigo, onde o colunista diz que o país deveria acabar com o corporativismo e ser mais justo na distribuição dos impostos. Sim, e eu sugiro também a paz e a harmonia entre os povos. Também sugere aumento da carga tributária, uma das maiores do mundo e a maior dentre os emergentes, mas isso não vou nem comentar.
Que há problemas de corporativismo e de distribuição dos benefícios sociais não há dúvida. Mas o Teto de Gastos não se propõe a resolver isso. Seu objetivo é simplesmente controlar a trajetória da dívida pública. Dizer que existem outros problemas que o Teto não resolve e, por isso, deveria ser eliminado, não é uma solução, é só um sofisma.
O Brasil é um alcoólatra, e o álcool são os gastos públicos. Tirar o Teto de Gastos significa deixar a garrafa ao alcance. Se não houver outro mecanismo de controle, precisaríamos confiar na palavra do governo e do Congresso de que não tocariam mais na garrafa. Acredite se quiser.