Quando esse assunto da CPMF veio a público há alguns meses, Bolsonaro não titubeou: disse que o novo imposto não era pauta do governo, e pediu a cabeça do pai da ideia, o secretário Marcos Cintra. A repercussão havia sido péssima, pois a não criação de novos impostos era uma das pedras angulares da campanha do candidato do PSL, e a recriação da CPMF era o símbolo máximo de um novo imposto. Na época, bolsonaristas saíram correndo para dizer que era tudo intriga da imprensa, que o governo jamais patrocinaria uma coisa dessas. A demissão de Marcos Cintra foi a comprovação dessa posição.
Aos poucos, no entanto, foi ficando claro que o pai da ideia não era Cintra, mas o próprio Guedes. Ele insiste na criação do novo imposto para “desonerar a folha de pagamentos”. Como diz o presidente do BC na matéria abaixo, “o imposto não é um sonho, mas precisa ver para o quê está sendo criado”. Lembra a pregação de Adib Jatene pela criação do primeiro IPMF (Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras) para financiar a saúde. O fim era muito nobre, e justificava a criação do imposto. O presidente do BC certamente teria outra opinião se ainda fosse um executivo do mercado financeiro. Mas resolveu tocar o samba de uma CPMF só em que se transformou a reforma tributária defendida pelo governo Bolsonaro.
Ok, desta vez não se trata de criar novos gastos, mas de substituir um imposto por outro, subsidiando a criação de empregos. Menos mal. Mas só existe a CPMF como solução para isso? Não seria possível aumentar alíquotas de impostos já existentes? Além disso, a folha de pagamentos das empresas é onerada porque são muitos os “direitos” dos trabalhadores. Ao criar a CPMF, o governo estará subsidiando esses direitos (ou os lucros dos empresários, pois nada garante que mais empregos serão criados) através da oneração de indivíduos que não receberão esses benefícios. Trata-se de um imposto, além de tudo, perverso do ponto de vista distributivo. Os desdentados do Brasil, mais uma vez, estarão subsidiando quem tem carteira assinada e/ou seus patrões. E para quem pensa que a CPMF afeta só quem tem conta bancária, pense de novo.
A CPMF é aquele imposto que parece inocente, não dói quase nada se comparado a outros impostos com alíquotas muito maiores. Mas é exatamente este o problema. Assim como a gordura vai obstruindo silenciosamente os vasos sanguíneos, a CPMF vai obstruindo a livre circulação do dinheiro pelo sistema financeiro, que é o sistema circulatório da atividade econômica. Com a liquidez do sistema comprometida, a atividade vai perdendo o seu vigor, pois a mobilização de capitais para financiar a atividade fica mais difícil. Não à toa, a Comissão Europeia estudou esse assunto durante vários anos após a crise de 2008, como uma forma de fazer o sistema financeiro financiar uma rede de proteção contra crises daquele tipo, e não chegou em um desenho que não fizesse a emenda pior que o soneto. A CPMF seria uma (mais uma!) jabuticaba bem brasileira.
Há dois projetos de reforma tributária no Congresso, uma na Câmara e outra no Senado. E há a CPMF do Paulo Guedes, contra promessa de campanha de seu chefe. Vamos ver qual delas a sociedade brasileira quer.