O Brazil Journal postou um texto que teve grande repercussão nos EUA (NYC is dead forever. Here is why). O autor defende a tese de que a cidade de Nova York está morta para sempre.
Trata-se de um texto bem longo, em que o autor analisa várias dimensões do fenômeno do abandono da cidade, por parte de seus moradores, para outros lugares do país. O vetor que proporciona esta oportunidade de mudança é a banda larga de internet.
Segundo o autor, as pessoas não precisam mais morar em grandes cidades para terem grandes oportunidades. Você, vivendo em uma cidade pequena, sem as dores de cabeça da grande metrópole e com um custo de vida muito mais baixo, pode hoje ter as mesmas oportunidades. Pode trabalhar em uma grande empresa, ter acesso a grandes universidades, fazer grandes negócios, tudo isso sentado na varanda de sua casa no meio do nowhere. O social distancing teria levado as pessoas a descobrirem que podem viver muito bem sem contato humano, pelo menos no que se refere a negócios.
Vou aqui colocar a minha opinião, certamente influenciada pela visão de minha geração. Talvez os mais jovens tenham uma visão diferente. E o mundo, afinal, será deles.
Minha opinião tem origem em duas experiências bem concretas. A primeira é o home office e a segunda é a aula remota.
Trabalho em uma empresa de médio porte. Estamos todos em home office desde março. É horroroso. Quer dizer, no início foi até interessante: não perder tempo no trânsito, não ter a sua atenção desviada por papos paralelos, minha produtividade até subiu. Mas, com o tempo, quatro coisas foram ficando claras:
1) A interação presencial com os colegas é fundamental. Sentar ao lado de um colega para discutir uma ideia ou tratar de um problema é insubstituível. Claro, você sempre pode resolver as coisas por telefone, mas não é a mesma coisa. A sensação é que se está em uma camisa de força, não se tem a mesma agilidade. Discutir uma planilha pelo telefone é um inferno, não funciona direito. Além disso, o ambiente de camaradagem vai se perdendo aos poucos, ficamos cada um em sua própria ilha particular. Isso é tudo, menos uma empresa.
2) A interação remota com clientes pode até funcionar, mas nada substitui uma reunião presencial. O body language faz mais de 50% da comunicação. Estar em contato com clientes remotamente serve como um substituto pobre para o verdadeiro relacionamento.
3) A formação dos mais novos perde muito com a falta de contato. Muito da cultura de uma empresa é adquirido no contato do dia-a-dia, nos almoços, na copa. Ficar em casa realizando tarefas não é exatamente o que vai formar um novo profissional. Há pessoas que foram contratadas que não conheço pessoalmente. Muito triste isso.
4) Trabalhar no mesmo lugar em que você dorme não é exatamente algo que chamo de saudável. No início tudo bem, mas depois aquilo vai embotando a sua mente. Se esta fosse uma situação permanente, eu já estaria procurando um escritório para alugar.
Com relação à minha segunda experiência, dou aulas em um curso preparatório para um teste no mercado financeiro. Neste mês comecei a dar aula remota. Horrível. A interação pessoal é praticamente nula, parece que você está falando com ninguém. Alguns alunos até interagem, mas é muito, mas muito diferente da aula presencial. Até um aluno dormindo em aula é mais interativo do que aula remota. Sem condições. O home office é até uma experiência que pode ser adotada parcialmente. O ensino à distância nem isso.
Bem, tudo isso para dizer que acho que o autor do artigo dizendo que Nova York morreu está errado. O ser humano é um animal gregário. A banda pode ser larga até o ponto de colocar um holograma perfeito na nossa frente. Nada vai substituir o contato humano. Nunca.
Os seres humanos vivem em cidades não porque não possam fazer as mesmas coisas à distância. Os seres humanos vivem em cidades porque precisamos uns dos outros por perto. Nos odiamos mas não podemos viver uns sem os outros. Por isso Nova York e São Paulo vão continuar aí, com suas mazelas e suas promessas. Porque assim é o ser humano.