Sim, os governos estaduais e municipais são todos caloteiros.
Mais alguma pergunta?
Agora sério. Digamos que, amanhã, o governo anuncie que não conseguirá pagar os títulos públicos que vencem em 2021, e postergue o vencimento para 2031. No entendimento do senador, não há que se falar em calote, pois o governo estaria apenas “renegociando” suas dívidas.
Quando Collor confiscou a poupança dos brasileiros, ele não chamou de confisco. Chamou de “congelamento”, que seria devolvido depois de 18 meses em 12 suaves prestações. E de fato o foi.
Sim, o papel aceita todas as palavras, inclusive as mais desaforadas. Quem não aceita desaforo é o dinheiro.
Márcio Bittar, o senador que pariu a jenial ideia de usar precatórios para bancar o Renda Brasil, pergunta onde estava o mercado nos governos do PT.
Eu respondo: estava no mesmo lugar em que esteve no final de 2018. Ou seja, acreditando nas promessas do governo. Até o momento em que deixou de acreditar.
O mercado não é um Deus. O mercado somos todos nós. O mercado não é onisciente, ele acredita em promessas, até o momento em que deixa de acreditar. Não adianta criticar o mercado, pedir patriotismo, essas coisas. O dinheiro é covarde, vai buscar o primeiro abrigo que encontrar ao menor sinal de fumaça. Mulheres e crianças ficam por último. É assim.
O governo pode ouvir o que “o mercado” está tentando dizer, ou pode continuar em sua desabalada carreira rumo a lugar nenhum. O mercado é apenas o termômetro que mede a febre. A infecção está em outro lugar.
O track record de Bolsonaro na indicação de magistrados é ruim. Na única oportunidade que teve, indicou um PGR que está enterrando o combate à corrupção de alto coturno.
Vamos ver se a indicação para o STF será melhor nesse sentido. Além de “terrivelmente evangélico”, precisa ser também “terrivelmente anti-corrupção”. Tenho maus pressentimentos.
O STF já definiu que subsidiárias de estatais não precisam de autorização do Congresso para serem vendidas. Por exemplo, a Petrobras alienou o controle da BR Distribuidora e não houve nenhum questionamento a este respeito.
A BR Distribuidora já era uma subsidiária quando se decidiu abrir o seu capital. Pergunto: qual seria a diferença entre vender a subsidiária e transformar uma unidade de custo em uma subsidiária para vendê-la? Por que, em um caso, o STF permite a venda e, no outro, não permite? Não há lógica nenhuma nisso.
Quando uma empresa vende um negócio, esse negócio precisa estar debaixo de um CNPJ, para a segurança jurídica da transação. O CNPJ controla todos os ativos e passivos que estão sendo vendidos, além dos empregados, marcas, etc. O cerne da venda é a operação em si. Caso contrário, a Petrobras estaria vendendo a refinaria como ferro velho e o terreno para a construção de outra coisa. A lógica é exatamente a mesma da venda da BR Distribuidora.
Não no entendimento de, até agora, 3 ministros do STF e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que liderou o questionamento da operação. Para eles, a Petrobras estaria usando de “chicanas” para burlar o crivo que o Congresso tem sobre a venda de estatais. Como se uma refinaria fosse a própria estatal!
De chicanas o presidente do Senado entende bem, pois está, nesse exato momento, procurando uma para justificar sua reeleição. O STF, que também entende de chicanas, vai dar a palavra final para a pretensão da otoridade. Se for aprovada, as definições de chicana precisarão ser atualizadas.
A atleta Carol Solberg resolveu lacrar em entrevista à Sport TV, e soltou um “Fora Bolsonaro!” ao vivo e em cores. A Confederação Brasileira de Vôlei soltou nota de repúdio e estuda punição. A atleta e seus apoiadores defendem a “liberdade de expressão”, e acusam a CBV de usar dois pesos e duas medidas, na medida em que teriam permitido que os atletas Wallace e Mauricio fizessem propaganda para o então candidato Bolsonaro em uma foto da seleção brasileira de vôlei em 2018. Reproduzo abaixo a foto, a nota da CBV à época e a nota da CBV a respeito da manifestação da atleta Carol.
O que dizer?
Pra começo de conversa, liberdade de expressão é inegociável. Todo ser humano tem liberdade para expressar suas opiniões, desde que não seja apologia a crime. Não posso, por exemplo, defender o assassinato do Lula ou do Bolsonaro, isso está fora da esfera de “liberdade de expressão”.
Pois bem, tendo pacificado este ponto, resta saber se há outras limitações à liberdade de expressão. Sim, há. A palavra “expressão” tem como pressuposto alguém falar e alguém ouvir. Robinson Crusoé tinha uma liberdade de expressão absoluta, mas era inútil, pois não havia ninguém que o escutasse. Exercer a liberdade de expressão só faz sentido se há outras pessoas que escutem a sua opinião.
Esta é a chave para entender a limitação intrínseca da liberdade de expressão: a expressão de sua opinião tem efeitos diferentes a depender do palanque de que você dispõe.
Um exemplo: eu tenho uns 2 mil seguidores nessa página do Facebook. O que eu falo aqui atinge essas duas mil pessoas e talvez um pouco mais, a depender de quantos compartilhamentos são feitos. Esse é o meu palanque, eu falo o que eu quero. Ao mesmo tempo, trabalho em uma empresa de investimentos, onde escrevo os relatórios para os clientes. A empresa tem milhares de clientes. Posso escrever o que eu quero? Obviamente não. O palanque não é meu, é da empresa. Foi ela que construiu essa audiência. A minha expressão, ao me comunicar com essas pessoas, é a expressão da empresa. Os clientes são dela, não meus.
Portanto, a liberdade de expressão é limitada pelo palanque que cada pessoa conseguiu construir. Felipe Neto, por exemplo, fala todas as bobagens do mundo para os seus milhões de seguidores, e a ninguém ocorre limitar a sua liberdade de expressão. Afinal, esse palanque é dele, ele é que decide o que vai e o que não vai falar.
Vamos ao caso da moça do vôlei e a nota da CBV. Atletas, de maneira geral, só estão lá porque existe toda uma estrutura montada na base de patrocínios. Se a Carol gritasse “Fora Bolsonaro!” em sua página no Instagram, a polêmica seria zero. Mesmo porque, poucos teriam ouvido. O palanque construído pela atleta é muito pequeno. O que ela fez? Usou a audiência construída pela CBV para expressar a sua opinião. É óbvio que não dá. A CBV pode sim puni-la, pois é ela que manda no seu palanque.
O paralelo com o caso Wallace/Maurício é adequado, ainda que tenha sido distorcido pela atleta. A CBV não “defendeu a liberdade de expressão” dos dois atletas e ficou por isso mesmo. O que a CBV fez, à época, foi dizer que os atletas podem falar o que quiserem em suas redes sociais, mas não usar o palanque da seleção brasileira para fazer política. Ambos foram punidos com advertência, provavelmente o que vai acontecer com Carol Solberg.
Entidades esportivas não costumam gostar de ceder o seu palanque para manifestações políticas. Por sua própria natureza, a política separa em campos opostos, e a última coisa que essas entidades querem é divisão e boicote de patrocinadores e espectadores. Por isso, senhores atletas, usem seus perfis pessoais para manifestações políticas e evitem usar os campeonatos organizados pelas entidades esportivas. Esses palanques não lhes pertencem.
Quando Eugênio Bucci fala, eu paro para ouvir. Normalmente, sua argumentação me convence do ponto exatamente oposto. Mais uma vez, não saí decepcionado.
Como era de se esperar, Bucci amou o documentário O Dilema das Redes (eu ia usar outra palavra para descrever a reação do colunista, mas há crianças na sala). O curioso em sua crítica é o foco nas consequências políticas e não de consumo. Digo curioso porque, sendo professor da área de comunicação, esperaria uma análise sobre a manipulação do consumo. Nem uma linha a respeito, o que já nos diz muita coisa.
O colunista envereda pelas “ameaças à democracia” representadas pelas redes sociais (destaco os dois principais trechos abaixo). Infelizmente, o raciocínio do colunista sofre de três falhas lógicas graves.
A primeira é assumir que as redes são as responsáveis pela ascensão de líderes populistas que destroem a democracia por dentro. Na medida em que eu ia lendo, vozes na minha cabeça iam soprando: “Hitler, Mussolini, Chavez”. Líderes que foram eleitos sem as redes e destruíram as democracias de seus países por dentro. Isso sem contar outros golpes na democracia que não passaram por eleições mas que, mesmo assim, tiveram apoio popular (todo golpe tem apoio popular, não sai do nada): Getúlio, Fidel, os militares de 64. Enfim, atribuir às redes um fenômeno generalizado no tempo e no espaço é, para dizer o mínimo, uma falha lógica.
A segunda falha decorre da primeira: se as redes serviram para “um lado”, porque não serviriam para o “outro lado”? As redes são território neutro, a não ser que se acuse Zuckerberg de fazer campanha para Bolsonaro, mas a esse ponto (ainda) não chegou o colunista. Sendo território neutro, podem ser usadas pelo “lado do bem” igualmente. Bucci contrapõe a mídia tradicional, que estaria ao lado do “bem racional” às redes, que estariam a serviço do “mal irracional”. Ora, isso parece-me mais desculpa de perdedor. Primeiro, porque o monopólio da mídia tradicional não impediu a ascensão de líderes populistas e ditadores ao longo de décadas e no mundo inteiro. E, segundo, as redes estão à disposição de todos, inclusive dos monopolistas do bem, entre os quais se auto-alinha o articulista. Isso nos leva à terceira falha do raciocínio.
A terceira falha lógica da argumentação é óbvia: e se o vencedor da próxima eleição for o Luciano Huck? Ou o Felipe Neto? (Desculpem-me, estou só estressando o argumento). Neste caso, pessoas que sabem usar as redes a seu favor. Bucci virá a público para denunciar a manipulação das redes sociais? Ou comemorará o fato de as redes sociais terem ajudado a eleger candidatos fofos?
No fundo, todo esse barulho em torno das redes sociais se dá por conta das eleições de Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil. Se Clinton e Haddad fossem os presidentes hoje, esse assunto teria atenção mínima, se tivesse alguma. Esse artigo de Eugênio Bucci é prova cabal desse ponto. Afinal, ninguém está nem aí para a manipulação do consumo. Mas a coisa foi para o lado político, que desperta paixões. Esse é o problema.