A verdade da verdade de Lula

Publiquei o texto abaixo no dia 13/01/2018, em resposta a um vídeo da defesa de Lula, chamado “A verdade de Lula“. Trata-se da minha convicção a respeito da robustez das provas que levaram Lula à condenação em duas instâncias por unanimidade (as instâncias superiores apenas confirmaram a lisura do processo, não a adequação das provas).

Republico aqui porque são cada vez mais fortes os indícios de que a sentença do triplex será anulada por “parcialidade” do juiz Sergio Moro. Lula já apareceu ontem colocando sua candidatura para 2022, tão certo está de que a sentença será anulada.

O texto é longo, muito longo. Esse tipo de discussão não cabe em dois parágrafos. Não sou jurista, apenas procuro analisar textos e ligar fatos através de raciocínio lógico. É isso o que faço a seguir. Repito: a questão técnica já foi definida por um juiz e 3 desembargadores por unanimidade. Aliás, este texto foi escrito antes do julgamento do recurso da defesa no TRF-4.

O tempo é um agente corrosivo da História. As coisas vão ficando longe, indefinidas. Para mim, este texto serve como uma forma de manter a memória viva.


Textão para rebater a “falta de provas” no caso triplex.

Lula e o PT estão usando de todos os meios para constranger os juízes do TRF-4 e jogar a opinião pública, local e internacional, contra a justiça. Faz parte desse processo a produção de, digamos, “vídeos educativos”, inclusive em inglês, para jogar no nome do País ainda mais na lama. O mais longo e que lista os argumentos da defesa está no link abaixo. É útil assistir, pois Lula e o PT estão martelando, dia e noite, que “não há provas”. Então, ao assistir o vídeo, você poderá entender a fragilidade dos “argumentos” da defesa. Fiz aqui uma análise desses argumentos, até para que eu mesmo tivesse certeza de que não estou condenando um inocente. Afinal, uma mentira martelada mil vezes se transforma em verdade.

Argumento 1: competência. A defesa insiste em que Lula deveria ser julgado por um juiz de Brasília ou do Guarujá. O MP incluiu a ação de Lula no âmbito da operação Lava-Jato, pois ligou a propina distribuída pela OAS a 3 contratos com a estatal. A defesa usa em sua argumentação uma frase usada pelo juiz Sergio Moro na sentença dos embargos de declaração (íntegra aqui): “Este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobrás foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente.”

Análise do argumento 1: ora, a frase foi retirada do seu contexto. Na sentença aos embargos de declaração, o juiz complementa a frase acima com o seguinte: “Nem a corrupção, nem a lavagem, tendo por crime antecedente a corrupção, exigem ou exigiriam que os valores pagos ou ocultados fossem originários especificamente dos contratos da Petrobrás.” Vamos entender uma coisa de uma vez por todas nesse processo: está mais que provado que a OAS pagou propina para vencer a licitação das 3 obras citadas na ação. Isto é pacífico. Na outra ponta, resta provar duas coisas: 1) que o presidente Lula tinha ascendência sobre os operadores da Petrobras que receberam a propina e 2) que a OAS concedeu benefícios ao ex-presidente Lula. Ou seja, não se faz necessário que haja um “caminho do dinheiro” entre a contabilidade da Petrobras referente a estes 3 contratos e os gastos específicos com o triplex. O juiz deixa isso claro no item 199 da sentença: “dinheiro é fungível e a denúncia não afirma que há um rastro financeiro entre os cofres da Petrobrás e os cofres do ex-Presidente, mas sim que as benesses recebidas pelo ex-Presidente fariam parte de um acerto de propinas do Grupo OAS com dirigentes da Petrobrás e que também beneficiaria o ex-Presidente. Logo, a perícia seria inócua pois a acusação não se baseia em um rastreamento específico”.

Argumento 2: cerceamento de defesa. A defesa alega que o juiz negou a perícia judicial para 1) provar a propriedade do triplex e 2) se o mesmo estaria vinculado em garantia a operações financeiras de um fundo gerido pela Caixa. Neste segundo caso, esta vinculação provaria a propriedade do imóvel por parte da OAS, pois não se pode dar em garantia algo que não é seu.

Análise do argumento 2: na sentença (veja a íntegra neste link), o juiz Sergio Moro estabelece o raciocínio que irá derrubar a tese de que o apartamento não pertence ao ex-presidente. Vale a pena transcrevê-lo todo, pois é de uma clareza meridiana (itens 304 a 308): “Na resolução desta questão, não é suficiente um exame meramente formal da titularidade ou da transferência da propriedade. É que, segundo a Acusação, a concessão do apartamento ao ex-Presidente teria ocorrido de maneira sub-reptícia, com a manutenção da titularidade formal do bem com o Grupo OAS, também com o objetivo de ocultar e dissimular o ilícito. Então, embora não haja dúvida de que o registro da matrícula do imóvel, […] aponte que o imóvel permanece registrado em nome da OAS Empreendimentos S/A, empresa do Grupo OAS, isso não é suficiente para a solução do caso. Afinal, nem a configuração do crime de corrupção, que se satisfaz com a solicitação ou a aceitação da vantagem indevida pelo agente público, nem a caracterização do crime de lavagem, que pressupõe estratagemas de ocultação e dissimulação, exigiriam para sua consumação a transferência formal da propriedade do Grupo OAS para o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não se está, enfim, discutindo questões de Direito Civil, ou seja, a titularidade formal do imóvel, mas questão criminal, a caracterização ou não de crimes de corrupção e lavagem. Não se deve nunca esquecer que é de corrupção e lavagem de dinheiro do que se trata.” Por isso, o juiz não perdeu tempo com perícias inúteis: a titularidade é, sempre foi e sempre haveria de ser da OAS.

Com relação ao tal “fundo da Caixa Econômica”, o juiz, na sentença, também aborda este assunto, nos itens 813 a 818. Na verdade, o que ocorreu foi uma operação de crédito imobiliário comum na fase de construção de empreendimentos: a OAS hipotecou todos os imóveis do empreendimento (incluindo o triplex) para obter o financiamento para construir o prédio. Uma vez construído e vendidos os apartamentos, cancelou a hipoteca. No caso do triplex, a OAS bancou o valor do imóvel para levantar a hipoteca. Cai no mesmo caso anterior: a propriedade formal é da OAS, mas isso pouco importa para o crime de lavagem de dinheiro.

Argumento 3: o juiz teria condenado por crime diverso daquele pelo qual Lula foi acusado pelo MP. Ou seja, Moro teria “inventado” um crime. Este argumento se divide em duas partes: 1) o MP acusou Lula de receber benefícios em função de 3 contratos da Petrobras. Ou seja, um fato determinado. No entanto, o juiz teria admitido que “este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobrás foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente.” Portanto, como não há dinheiro da Petrobras envolvido, não haveria como incriminar Lula nesta acusação. 2) Além disso, o MP, na acusação, teria afirmado que a OAS transferiu a PROPRIEDADE (grifo meu) do triplex para Lula. No entanto, como não se conseguiu provar esta transferência, o juiz usou o verbo “atribuir” o triplex a Lula, o que não consta, de maneira alguma, da acusação.

Análise do argumento 3: com relação ao item 1), é o mesmo que vimos no argumento 1 acima. Portanto, não vamos nos repetir como fez o advogado de defesa. O item 2) é mais capcioso. De fato, esta frase consta do número 180 da denúncia do MP (link aqui). No entanto, como sempre feito pela defesa, foi retirada do contexto. A denúncia continua: “Todavia, o apartamento não foi formalmente transferido para LULA e MARISA LETÍCIA porque tal estratagema foi arquitetado com a finalidade de ocultar e dissimular a origem, a movimentação, a disposição e a PROPRIEDADE (grifo meu) dos recursos utilizados para a aquisição da cobertura em favor de LULA e MARISA LETÍCIA, haja vista serem valores ilícitos oriundos de crimes de cartel, fraude a licitação e corrupção praticados pelos executivos da CONSTRUTORA OAS contra a Administração Pública Federal, notadamente a PETROBRAS. Tal estratagema também decorreu do fato de que LULA ainda estava por demais exposto como Presidente da República e, na medida em que o empreendimento ainda não estava concluído, não poderia ocorrer a transferência formal da propriedade da cobertura 164-A do Condomínio Solaris para o casal. Materialmente, contudo, a cobertura passou a ser de propriedade de LULA e MARISA LETÍCIA.” Por isso, o juiz usou o verbo “atribuir” na sentença, para significar a propriedade material (não formal) do apartamento por Lula. Aliás, no item 850 da sentença, o juíz diz: “Considerando então que o o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua esposa eram proprietários de fato do apartamento 164-A”. Portanto, Moro também usa o termo “propriedade” na sentença, o que torna o argumento da defesa sem fundamento.

Argumento 4: não há “ato de ofício” específico praticado pelo ex-presidente e nem prova de que Lula tenha pedido especificamente o triplex como propina.

Análise do argumento 4: este é o argumento mais delicado. De fato, o grande problema da acusação é ligar Lula ao esquema de corrupção. Na minha opinião, o recebimento do triplex, mais do que provado, seria o suficiente. Afinal, porque receber um apartamento se não houve corrupção? No entanto, o MP e o juiz Sergio Moro são diligentes e não deixaram este item sem resposta. Para começar, no item 863 da sentença, o juiz Sergio Moro lembra que, de acordo com os artigos 317 e 333 do Código Penal, a existência de “ato de ofício” aumenta a pena, mas não é necessária para tipificar o crime de corrupção. De fato, diz o art. 333: “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.” Portanto, o ato de ofício pode nem existir. No entanto, e isso é o principal, conforme o item 890 da sentença, a ligação de Lula com a corrupção da Petrobras está na nomeação e manutenção dos operadores da corrupção na empresa, conforme inclusive depoimento do próprio Lula, transcrito no item 838 da sentença. Este é o “ato de ofício” que liga Lula à corrupção. Fecha-se o círculo.

Quanto a ter pedido especificamente o triplex como propina, fica provado pelas reformas personalíssimas feitas no imóvel.

Argumento 5: a sentença diz que Lula teria praticado “atos de ofício indeterminados”. Pergunta o valente defensor: como pode alguém ser condenado por “atos indeterminados”???

Análise do argumento 5: a única menção da sentença a “atos de ofício indeterminados” ocorre no item 865. Transcrevo: “Basta para a configuração que os pagamentos sejam realizadas em razão do cargo ainda que em troca de atos de ofício indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades apareçam.” Moro não afirma que os atos foram indeterminados. O que ele afirma é que, mesmo que fossem indeterminados, servem como contrapartida de pagamento de propina. Não há nada mais determinado do que a nomeação de diretores da Petrobras para facilitar a vida da OAS na empresa.

Argumento 6: a sentença tomou como base fundamental para condenar Lula o depoimento de Léo Pinheiro, que, sendo corréu da ação, prestou o depoimento sem o compromisso de dizer a verdade. Inclusive, Rodrigo Janot teria rejeitado o acordo de delação de Léo Pinheiro porque este não teria apresentado provas de suas acusações.

Análise do argumento 6: como diria Jack o estripador, vamos por partes. O argumento 6 se divide em 3 partes: 1) o depoimento de Léo Pinheiro foi base fundamental da sentença; 2) Léo Pinheiro não tinha compromisso de dizer a verdade e 3) Léo Pinheiro não apresentou provas de suas acusações. Vejamos.

1) A delação de Léo Pinheiro não foi base fundamental da sentença. O juiz Sergio Moro gasta praticamente metade da sentença (até o item 515) montando o arranjo de provas documentais e testemunhais (incluindo do próprio ex-presidente), antes de introduzir o testemunho de Léo Pinheiro. E este testemunho apenas corrobora o conjunto de provas.

2) O juiz alertou Léo Pinheiro de que, por ser acusado, não estava sujeito ao art. 342 do Código Penal (falso testemunho), mas responderia por “denunciação caluniosa” (art. 339 do CP) se prestasse informações inverídicas sobre terceiros. Ou seja, haveria um custo para o réu se este mentisse em relação ao papel de Lula.

3) Rodrigo Janot suspendeu o acordo de delação de Léo Pinheiro em agosto/2016 porque parte vazou para a imprensa, inclusive com a citação do nome do ministro Toffoli. Isto está amplamente noticiado, basta dar um Google. Não tem nada a ver com “falta de provas”. Aliás, provas do que Leo Pinheiro disse foram apresentadas. Por exemplo, a troca de mensagens nos celulares dos principais executivos da OAS sobre a reforma no triplex. Ou o fato do triplex ter sido a única unidade do edifício a nunca ter sido colocada à venda.

Argumento 7: “lawfare”. Este argumento não está no vídeo, mas incluí aqui porque é bastante comum ouvir os petistas falando em “perseguição política usando a justiça”. Então resolvi rebater este argumento também.

Análise do argumento 7: “lawfare” é a submissão do Poder Judiciário ao ditador de plantão, que o usa para perseguir seus opositores. Basicamente o que está acontecendo na Venezuela. No Brasil, os poderes são independentes, e o Presidente da República está longe de dominar o Judiciário. Muito pelo contrário, como pudemos ver nas duas denúncias de Rodrigo Janot. Então, não tem o mínimo cabimento falar em “lawfare”. A não ser para aqueles que insistem em culpar “a zelite” por tudo. As tais “zelite” e “setores reacionários da imprensa” estariam manipulando a justiça para perseguir Lula. Acho que não precisa responder a esta patacoada, né?

Enfim, pode ser que o TRF-4 absolva Lula. Afinal, os juízes podem ter outra interpretação sobre a culpabilidade do ex-presidente. Isto não mudará a minha convicção, amparada nas provas apresentadas pelo MP e acolhidas por Moro. Mas, ao contrário de Lula e dos petistas, respeitarei a decisão da justiça.”

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