Estelionato eleitoral

Entre o final de setembro e o início de outubro de 2018, na reta final da campanha eleitoral, o Posto Ipiranga deu com a língua nos dentes e avisou que estava pensando em um imposto com rabo de CPMF, focinho de CPMF e boca de CPMF, mas não era a CPMF, taokey?

Como o então candidato do PSL sabia do teor tóxico da proposta, a negou veementemente. Lembro que todas as páginas bolsonaristas saíram em defesa do candidato, classificando a notícia como “fake news”. No máximo, havia sido uma “trapalhada” do Posto Ipiranga, que confundira IVA com CPMF. Muito compreensível.

Obviamente, olhando em perspectiva, fica claro que a única proposta tributária do Posto Ipiranga sempre foi a CPMF. É o samba de um imposto só. Marcos Cintra foi convidado para ser o secretário da Receita com um único objetivo: a implantação do seu projeto de vida, o imposto único.

Não consigo dizer se isto estava claro para Bolsonaro desde o início, ou se o Posto Ipiranga contava com o tempo para convencê-lo do seu projeto. O fato é que, hoje, Bolsonaro quer emplacar a CPMF, mesmo sendo um claro estelionato eleitoral.

Em sua mensagem na abertura dos trabalhos do Congresso em 2016, a então presidente Dilma Rousseff defendeu a aprovação da CPMF. Foi o único momento durante aquele discurso em que foi vaiada. Certamente o então deputado Jair Bolsonaro engrossou o coro.

Diz o governo que não vai aumentar a carga tributária, vai apenas substituir os impostos sobre a folha de pagamentos pela CPMF. Bem, o mesmo efeito poderia ser atingido pelo aumento da alíquota do futuro IVA, que vai substituir outros impostos. Por que não o faz? Ora, porque a alíquota do IVA já é grotescamente alta, e aumentá-la ainda mais é inviável. Então, vamos inventar um novo imposto com alíquota pequena pra fazer de conta que não estamos cobrando nada. É a confissão de que é preciso continuar escondendo a derrama a que é submetido o cidadão brasileiro.

E qual teria que ser o tamanho da alíquota? Vamos lá. Em 2007, último ano de cobrança da CPMF, a arrecadação foi de R$ 37 bilhões, o que daria, a valor corrigidos, R$ 73 bilhões. Isso com uma alíquota de 0,38%. O orçamento recém-enviado pelo governo prevê uma arrecadação de INSS (principal imposto sobre a folha) de R$ 417 bilhões, grande parte paga pelo empregador. Só para compensar este imposto, a alíquota teria que ser de 2,17%. Isso com uma taxa de juros de 2%. Uma alíquota de 0,38% pagaria cerca de 1/5 das despesas com INSS. Faltariam o FGTS e o PIS/PASEP. Dá para perceber que a coisa não é tão simples.

Na época da eleição, escrevi aqui um post em que lembrava que eu havia testemunhado o nascimento de muitos impostos e contribuições, mas a morte de somente dois: a CPMF em 2007 e o imposto sindical em 2017. Os dois são, para mim, linhas vermelhas. Voto no Cabo Daciolo, mas não voto no cidadão que recriar um desses dois impostos. Está avisado.

O PT não é um partido democrático

Poucos ficaram sabendo, mas o PT lançou um programa de governo . Chama-se nada menos que “Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil”. A pretensão não é modesta, como se vê.

Destaco abaixo um trecho do preâmbulo que, para mim, deslegitima o PT como uma força a mais no jogo democrático.

O PT não é um partido democrático. Pelo menos, não no sentido em que entendemos esse regime nas democracias ocidentais. Lembremos, por exemplo, que o nome da Alemanha Oriental era República Democrática Alemã, mesmo sendo uma ditadura feroz.

O trecho diz o seguinte: “A reconstrução do Brasil exige fortalecer a democracia, traumatizada pelos processos do golpe de 2016 e da cassação da candidatura Lula em 2018,…”Em qualquer democracia, um processo de impeachment faz parte do jogo. Richard Nixon seria impichado se não renunciasse, e Bill Clinton escapou por um triz de ser impichado. Aqui no Brasil, Fernando Collor foi impichado. A nenhum deles lhes ocorreu chamar o processo de golpe. Ao desqualificar como golpista um processo conduzido, do início ao fim, dentro das regras estabelecidas no jogo democrático, o PT coloca-se fora do jogo. Simples assim.

O mesmo ocorre com a dita “cassação” do direito de Lula se candidatar em 2018. Lula estava PRESO. Havia sido condenado em duas instâncias da justiça (não somente por Sergio Moro) por corrupção passiva e outros crimes. Pode-se discutir a sentença, a suspeição do juiz, o que for. O que não se pode é chamar isso de “cassação”. Isto está fora do jogo democrático. O PT exclui-se do jogo ao desqualificar um instituto absolutamente de acordo com o que vai na Constituição.

Outro dia, teve início um movimento que perguntava se já não estava na hora de “perdoar o PT”. Ora, só se perdoa quem pede perdão, quem está arrependido do que fez. Este documento deixa claro que o PT não está pedindo perdão. Pelo contrário.

Em qualquer democracia avançada, como Alemanha ou Japão, se o partido no poder fosse pego em um centésimo do que foi feito na Petrobrás, seus dirigentes teriam caído no ostracismo há muito tempo, quando não estariam enjaulados. No caso do Japão, talvez até rolasse um harakiri em rede nacional. Aqui, o partido se acha no direito de dizer que é o único realmente democrático. O documento em si pouco importa. Trata-se de um amontoado de baboseiras escritas como se o PT nunca tivesse sido governo, como se o desastre Dilma nunca tivesse existido. Até combater a corrupção eles prometem, vejam só! Bater no conteúdo de um documento que parece ter saído de debates de centros acadêmicos é perda de tempo.

O PT, hoje, é um morto-vivo que vive à sombra de dois políticos: Lula e Bolsonaro. Lula é o salvador, enquanto Bolsonaro é a encarnação do mal. Deus e o diabo na terra do sol, em uma dança que somente interessa aos dois. O PT, ao lançar este documento, dá sobrevida a Bolsonaro, lembra a todos porque, afinal, Bolsonaro está no poder.

Ciro Gomes hoje, em entrevista ao Valor Econômico, resumiu o ponto: “não é mais possível disfarçar que o bolsonarismo boçal é consequência do colapso moral e econômico da governança do PT.” Óbvio que Ciro tem interesse em herdar o espólio do PT, mas seu diagnóstico não deixa de ser verdadeiro.

Bolsonaro tem uma retórica muitas vezes incendiária, que beira o golpismo. Mas, pelo menos por enquanto, está a anos-luz de distância do que o PT fez para solapar a democracia, enquanto fazia um discurso “fofo”. Não, o PT não faz parte do jogo democrático. Nunca fez. E não vai ser diferente agora.

Negros na Magazine Luiza: marketing ou preocupação social?

Resolvi escrever esse artigo não porque tenha uma ideia clara sobre o assunto, mas justamente porque não a tenho. Às vezes faço isso: escrevo artigos para ordenar minhas ideias sobre um determinado assunto. Escrever me ajuda a pensar.

A Magazine Luiza decidiu restringir seu próximo programa de trainees somente a candidatos negros. Cota de 100%.

Uma primeira observação: vou fazer referência aos negros e pardos simplesmente como negros, para a simplificação do texto e seguindo a tradição norte-americana. Nos EUA, basta ter um pingo de sangue negro para ser considerado negro. Não existem mulatos. Kamala Harris tem a mesma cor de pele de Joe Biden, mas é considerada negra por ter ascendência negra.

Vamos começar descartando algumas ideias, pelo bem do debate. A primeira é que a empresa está querendo somente se autopromover. Sim, trata-se do suprassumo do politicamente correto, causa repercussão positiva, mas podemos conceder que a sua direção esteja genuinamente preocupada com o destino da população negra e, por outro lado, a diversidade é um bem em si e também para os resultados da empresa.

Outra ideia que vamos descartar de cara é o problema da seleção em si. Quem é negro e quem não é? Trata-se de uma empresa privada e, como tal, tem total liberdade de adotar os critérios que melhor se adequam ao seu objetivo. Se será pela cor da pele ou autodeclaração ou descendência, isso é com a empresa. Não cabe falar em “injustiça” porque se adotou critério A, B ou C. A empresa emprega quem ela quiser, com os critérios que achar melhor.

Uma terceira ideia que vamos descartar é a questão socioeconômica. Sabemos que não somente negros têm dificuldade em chegar aos programas de trainee das grandes empresas, muitos brancos também estão à margem desses processos de seleção. Mas não há como negar que há uma grande intersecção entre descendência negra e situação socioeconômica. A intersecção não é 100%, mas é suficientemente grande. Ao privilegiar a população negra, se está também atendendo à questão socioeconômica. Não é 100% justo, mas, novamente, a empresa não está buscando 100% de justiça, está buscando diversidade racial. Tenhamos sempre este objetivo em mente.

Existe uma quarta objeção, esta mais difícil de descartar, que se refere ao racismo reverso. Estaria a empresa fazendo discriminação contra brancos somente por conta da cor de sua pele? Esta discussão é mais difícil do que parece à primeira vista. Sim, diria o raciocínio lógico: afinal, se estou barrando pessoas por causa da cor de sua pele, estou praticando racismo. Mas a coisa não é assim tão simples. Os negros, no Brasil, ganharam a sua alforria no final do século XIX e foram competir em um mercado de trabalho dominado por brancos muito melhor preparados e capitalizados. Esse, digamos, vício de origem, perpetua uma condição inicial muito pouco favorável. Desta forma, barrar brancos não seria racismo, mas compensação histórica. Afinal, os negros é que foram escravizados, não os brancos. O Brasil sofreria do chamado “racismo estrutural”, onde as únicas vítimas do racismo seriam os negros, não os brancos. Portanto, não haveria racismo contra brancos.

Trata-se de um bom argumento, ainda que, como disse, de mais difícil aceitação. Afinal, seleção feita a partir da cor da pele é a própria definição de discriminação. Mas como, no Brasil, a única cor de pele que vem sendo discriminada há mais de 100 anos é a negra, vamos, no mínimo, acatar o argumento de que, se há discriminação reversa, ela é aceitável. Sigamos.

Vencendo esses argumentos iniciais, quero focar agora na efetividade da ação da empresa. Tendo como premissa de que se trata de uma boa ação, nada mais natural do que pensar em sua extensão. Para tanto, vamos imaginar dois cenários: o primeiro é a extensão espacial desse movimento e o segundo a sua extensão temporal.

No primeiro cenário, imagine por um momento que todas as grandes empresas do Brasil adotassem o mesmo procedimento. Universitários brancos não teriam espaço para trabalhar nessas empresas neste ano. Qual seria a reação? Provavelmente, esperariam o ano seguinte para se inscrever. Afinal, são essas empresas que pagam os melhores salários, e programas de trainee formam os dirigentes de amanhã. Nesse meio tempo, fariam bicos e estudariam mais. Perderiam um ano em suas carreiras, mas não seria um desastre.

O segundo cenário é mais interessante. Na extensão temporal, a Magazine Luíza tornaria permanente este critério. Aliás, por que somente por um ano? Um processo seletivo apenas está longe, muito longe, de resolver o problema da diversidade racial na empresa. Tornar este processo permanente garantiria este objetivo ao longo do tempo. A empresa o fará? Provavelmente não. E é com honesta tristeza que digo isso. A Luíza iria descobrir (se é que já não sabe) que restringir o processo a determinados grupos indefinidamente deteriorará a qualidade de seus quadros. E isso não por falta de capacidade dos negros, mas por falta de formação ao longo de uma vida. Não por outro motivo, este processo de seleção não considerará o domínio do inglês como fator de seleção. A dura realidade é que o problema vem lááááá de trás, da formação básica, e vai se acumulando com o tempo. Não se trata de dar uma chance que o negro vai mostrar o seu valor. A chance foi perdida na primeira infância, e recuperar depois disso é praticamente impossível. Em um mercado competitivo, esse gap de formação acaba pesando. Cotas em universidades e, agora, na admissão de empresas, são bandeides em uma fratura exposta. Ajudar sempre ajuda, mas está longe de resolver.

Parece que há estudos demonstrando que os estudantes admitidos por cotas têm performance semelhante aos que foram admitidos fora das cotas. É possível. A interação com pessoas de fora das cotas, que tiveram melhor formação ao longo da vida, certamente ajuda a desenvolver uma potencialidade que, de outra maneira, ficaria hibernando. Talvez um sistema de cotas na admissão das empresas funcionasse. Mas cota de 100% é outra coisa. Aliás, será interessante observar o que empresa fará no ano que vem. Se diminuir a cota, a mensagem que passará é de que não funcionou, ou que a política não é realmente sustentável. Acho que se colocou em uma armadilha.

Um terceiro cenário hipotético seria a adoção de cota de 100% todos os anos por todas as empresas. Seria o lógico a se fazer, considerando o problema a ser resolvido. É factível? Tem candidato para todo mundo? Receio que não. Como disse, o problema é muito anterior, e as empresas acabam sofrendo com o gap de formação que a população negra sofre desde os seus primeiros anos de vida. Além disso, e aí sim, a população branca estaria sendo alijada do processo para sempre, ou até que as “diferenças estruturais” desaparecessem, o que pode bem durar mais de uma geração. O que aconteceria com essa parcela da população? Certamente perderia o incentivo pela sua própria formação, uma vez que, por construção, a recompensa dos melhores empregos não estaria ao seu alcance. Teríamos uma deterioração generalizada da qualidade da mão de obra, pois a melhora da qualidade da mão de obra negra precisa vir da base, dos primeiros anos de vida, o que está longe de ser uma certeza.

Entendo que a iniciativa da Magazine Luíza é meritória em dois sentidos. No primeiro, coloca no horizonte da população negra a possibilidade de concorrer a uma vaga disputadíssima no mercado de trabalho. Normalmente, pessoas com baixo nível socioeconômico, negros incluídos, nem aventam essa possibilidade. “Não vou nem tentar, pois sei que não vou conseguir”, pensam. Um processo especificamente para negros abre uma janela de oportunidade na mente das pessoas-alvo que, de outra forma, não existiria.

O segundo mérito da iniciativa da empresa é chamar a atenção, de uma maneira bastante enfática, para um problema crônico brasileiro, a falta de diversidade em seus quadros diretivos. Um problema que não foi ela, nem nenhuma das grandes empresas, que criou. Na verdade, um problema estrutural de difícil solução.

Corro o risco de cair no lugar comum, mas enquanto não encararmos de frente o problema da formação das crianças independentemente da sua origem, estaremos enxugando gelo. Sim, ações afirmativas são excelentes, e devem ser feitas. Mas receio que o efeito para o marketing seja muito maior do que para a causa em si. Chama a atenção para o problema, mas está longe de o resolver. Melhor que nada. Mas precisamos de muito mais do que isso.

Conhecimento vs intenção de voto

A manchete é: “Russomano lidera pesquisa de intenção de voto em São Paulo.

A manchete deveria ser: “Russomano e Covas são bem mais conhecidos do que os outros candidatos”.

A última pergunta do questionário é a mais importante: apenas 15% e 18% dos eleitores não ouviram falar do candidato, nos casos de Russomano e Covas. Em relação aos outros, esse número é perto de 50% ou mais.

Eleição funciona como a compra de um produto. Se alguém lhe parasse na rua e perguntasse qual margarina você compraria da seguinte lista:

  • a) Doriana
  • b) Becel
  • c) Overztol
  • d) Botteram

O que você responderia? O que você acha que a maioria das pessoas responderia? Pois é.

Nessa fase, em que a campanha eleitoral ainda não começou, a intenção de voto não passa de medida de conhecimento da marca. Não é à toa que Russomano sai na frente todo ano. Não estou dizendo que ele não vai ganhar este ano, estou apenas afirmando que ele precisa passar pelo teste da campanha eleitoral, onde derrapou nas últimas eleições.

Cabe notar que no pelotão seguinte de desconhecimento por parte do distinto público estão Boulos, França, Fidelix e Joice. A má notícia para Fidelix e Joice é que, mesmo com um nível de conhecimento intermediário, sua intenção de voto é baixa e sua rejeição é alta, desproporcionalmente alta. Fidelix está lá por folclore, mas Joice está para valer. Vai ter muito trabalho.

Ainda nesse sentido, eu não descartaria de cara Jimar Tatto. Ele é pouco conhecido e conta com a ainda formidável máquina do PT na cidade. Tem capacidade de embolar o meio de campo da esquerda com Boulos e França em busca de uma vaga para o 2o turno. Correm o risco de, se não houver voto útil, ficarem os 3 de fora.

A briga em São Paulo será difícil. Não será um passeio no parque como em 2016, quando Doria venceu no 1o turno pela primeira vez na história da cidade em que não houve 2o turno, na onda do anti-petismo. As forças estão dispersas, o eleitor está desconfiado de todo mundo. Como dizem os antigos, vai ser no fotochart.

Que tal confiscar toda a fortuna dos muito ricos?

Bolsonaro já avisou que não vai tirar dos pobres pra dar pros paupérrimos.

Muito bem. Então vamos tirar dos ricos. Está aí a lista dos brasileiros mais ricos, segundo a última edição da Forbes.

Na linha do “imposto sobre fortunas”, minha ideia é não ficar no meio termo. Vamos parar de fingir que estamos resolvendo o problema e vamos resolvê-lo de fato. Minha ideia é taxar os “brasileiros mais ricos” em 100% de sua fortuna. Confisco mesmo. Nada de soluções meia-boca, vamos partir para a ignorância.

Não se atenha a detalhes sem importância, como o fato de grande parte dessas fortunas serem representadas por ações das empresas dos quais esses brasileiros são sócios, o que significaria a venda dessas empresas supostamente para estrangeiros, pois brasileiros com bolso para comprar essas ações também seriam confiscados.Tendo feito o confisco, teríamos aproximadamente R$ 500 bilhões (faça a soma você mesmo). Com R$ 500 bilhões na mão, o que o governo poderia fazer? Eu lhe digo.

Com R$ 500 bilhões, o governo poderia pagar mais 10 meses de auxílio emergencial. Ou 1,5 mês de suas despesas totais, que somam R$4 trilhões por ano. E depois? Ah, depois vamos pra cima dos próximos 10 da lista.

Obviamente a fortuna dos próximos 10 brasileiros mais ricos soma muito menos que R$500 bilhões. Acredite, há concentração de renda no topo da pirâmide também. Talvez tivéssemos que pegar os próximos 20 ou 25 para somar R$ 500 bilhões. Daria pra pagar mais 1,5 mês de despesas. E depois?Pois é, dá pra perceber que logo chegaríamos nos milionários, o que inclui boa parte da classe média, pequenos empresários, profissionais liberais, executivos de empresas e funcionários públicos de alta patente. Se você tem um apartamento quitado em um bairro de classe média, você já é um milionário, taokey?

Ok, confisco foi só uma forma de estressar o argumento. Mesmo com 100% de imposto sobre fortunas, estaríamos longe, muito longe, de resolver os problemas do país. Sem contar que, ao taxar fortunas de empresários, provavelmente se estará inibindo a formação de novas empresas no país. Mas isso é discussão para outro post.

O ponto é que o número de muito ricos é proporcionalmente baixo. Para fazer face a despesas de R$4 trilhões por ano, o governo precisa ir pra cima dos pobres e remediados. E aí é que está a perversidade da coisa: o governo está continuamente tirando dos pobres para dar para os paupérrimos, não sem antes separar a sua parte. Só que este imposto é camuflado, ninguém vê, está embutido nas mercadorias compradas pelos mais pobres. Na verdade, a coisa é ainda mais perversa, pois existem vários mecanismos de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos, mas isso também é assunto para outro post.

Falar em imposto sobre fortunas é uma forma de fugir do problema. O ponto é que o governo gasta R$4 trilhões por ano, e todo mundo sabe o que acontece quando precisa de um serviço público. Não há imposto sobre fortunas que dê jeito nisso. Continuaremos a tirar dos pobres para dar para os paupérrimos, para desgosto do presidente.

Matemágica

Esta é um pouco mais difícil do que aquela do inverno começar em agosto na Europa, mas sinceramente esperava um pouco mais do Átila.

O gráfico que ele mostra relaciona número de óbitos diários com número de óbitos totais. Do jeito que está desenhado, Brasil e EUA estão em um horror sem fim, enquanto outros países aparentam ter sido muito mais eficientes no combate à epidemia.

Só tem um probleminha: o gráfico está em números absolutos. Brasil e EUA têm populações várias vezes maiores do que os outros países do gráfico. Obviamente, o número total de mortos é maior, o que produz essa “reta que não termina nunca” quando comparado aos outros países.

Fiz o mesmo gráfico, mas agora adotando a óbvia métrica dos óbitos por habitante. Voi lá! Os gráficos de Brasil, Espanha e Reino Unido, os três países que peguei de exemplo, têm gráficos muito semelhantes. Qualquer outro país (como é o caso dos EUA e de vários outros países da Europa) que tem hoje um total acumulado de óbitos/milhão entre 600 e 700 apresentará mais ou menos o mesmo gráfico.

Coloquei também o gráfico de Brasil, Espanha e Reino Unido, somente do número de óbitos/milhão ao longo do tempo (este é o gráfico mais comum). O número total de óbitos/milhão desses 3 países é mais ou menos ou mesmo, mas na Europa este número fica concentrado no início, enquanto no Brasil “achatamos” a curva de óbitos. Em linguagem matemática, a integral das três curvas (a área debaixo das curvas) é a mesma para os três países, apesar do formato das curvas ser bem diferente. Achatar a curva não era o objetivo? Nesse sentido, fomos melhor sucedidos do que esses países.

Enfim, cada um mostra o gráfico que quer para contar a história como lhe interessa. Por isso matemática é tão importante. Estude matemática e não se deixe enganar com qualquer matemágica.

Inverno antecipado

Podemos discutir os dados, possíveis relações de causalidade, hipóteses, teses e tudo o mais. Afinal, sabemos pouco sobre a doença e estamos sempre aprendendo mais.

Mas se tem uma coisa que eu sei com certeza absoluta é que o inverno na Europa NÃO COMEÇA EM AGOSTO. Daí eu pergunto: se algo tão obviamente errado é afirmado com uma convicção de fazer inveja, o que podemos inferir do resto que não está tão na cara assim?

O falso dilema das redes

Está bombando nas redes o documentário da Netflix “O dilema das redes”, onde ex-empregados de empresas de tecnologia (Google, Facebook e Twitter) atacam o modelo de negócios dessas empresas.

Em resumo, é o seguinte: essas empresas usam ferramentas de inteligência artificial para maximizar o efeito da publicidade. São empresas que vivem da publicidade e, portanto, ganham mais quanto mais cliques seus anúncios recebem.

O número de cliques é diretamente proporcional a dois fatores: tempo de exposição e segmentação precisa. Quanto mais longo for o tempo em que o indivíduo fica exposto ao software, e quanto mais certeira for a segmentação, maior a chance de um determinado anúncio ganhar um clique.

Qual a novidade? Por que o buzz a respeito do assunto?

A publicidade sempre existiu, desde que o capitalismo de consumo de massa se estabeleceu entre nós. As técnicas de publicidade evoluíram com o tempo, basta comparar anúncios de algumas décadas atrás com os atuais.

Também a segmentação evoluiu. Revistas e jornais são oferecidos para os anunciantes com a definição de seus público-alvo. Malas-diretas chegam (chegavam) nas casas das pessoas com determinado perfil. Lojas fazem promoções entre seus clientes de acordo com aquilo que compraram.

As redes sociais (vamos chamar assim, embora o Google e a Amazon não o sejam) levaram a segmentação ao estado da arte, ao usar Big Data para identificar os seus usuários. O que você escreve em um e-mail, as páginas que você visita, o que você comprou um dia, tudo alimenta algoritmos de inteligência artificial, procurando adivinhar a sua próxima necessidade. Isso é bom ou ruim?

Isso não é bom nem ruim. Isso é técnica de publicidade, como sempre foi. Claro, há os que acham a publicidade um instrumento do demônio, por incitar o consumismo. Se você é uma dessas pessoas, então o problema não são as redes sociais, o problema é a publicidade em si. Se você, por outro lado, entende que a publicidade é a alma do capitalismo, então deveria aceitar numa boa a sua evolução em direção a uma maior efetividade.

Mas há a questão da privacidade. Uma coisa é você assinar um jornal ou uma revista com anúncios. Outra bem diferente é um software de inteligência artificial “roubar” os seus dados e comercializá-los.

Aí que está o ponto. Acho que hoje nem o mais ingênuo dos usuários pensa que o seu uso das redes sociais não gera dados que serão usados para caçar cliques. As pessoas usam as redes sociais “sem pagar nada”. Mas, como já dizia Milton Friedman, não existe almoço de graça. Portanto, o uso dos dados pessoais é o preço cobrado para usar as redes sociais. Se a pessoa não está disposta a pagar este preço, não deveria usar. Ponto. Revoltar-se contra o modelo de negócios das redes sociais é inútil. Esperar por uma regulamentação governamental, também. No limite, se a regulamentação realmente coibir o uso de dados pessoais para segmentação da publicidade, o negócio das redes sociais acaba. E aqueles que não se importam de receber publicidade segmentada ficarão sem o serviço.

Pergunta: quanto você pagaria por uma assinatura mensal do Google ou do Facebook para não ter seus dados comercializados? Haveria assinantes suficientes para pagar a conta? Jornais e revistas cobram assinatura e nem por isso deixam de ter anúncios. Qual teria que ser o valor da assinatura para evitar a necessidade de anúncios?

O último ponto, e que reputo o mais importante, é o vício. Acho que este é o ponto nevrálgico da questão, mais ainda do que a privacidade dos dados. Mas este não é um problema apenas das redes sociais. Todos os veículos de comunicação trabalham arduamente para manter a audiência. Procuram usar técnicas para prender o usuário o maior tempo possível diante da tela ou do papel. Não é diferente com as redes sociais. Isso é inerente a qualquer mídia que trabalha com anunciantes.

A diferença, neste caso, está na acessibilidade. O problema é que as redes sociais estão disponíveis nos celulares. E o celular está perto de você 100% do seu tempo. Este é o real problema. Na verdade, se precisássemos sentar na frente do computador para navegar, a coisa não seria muito diferente da TV, ainda que existam pessoas viciadas em TV. Mas o fato de carregar o celular conosco o tempo inteiro faz com que o vício se torne muito mais fácil. É como deixar um copo de pinga 100% do tempo ao alcance de um alcoólatra.

Este é um problema sério e que merece a nossa atenção. Não tem muito o que se possa fazer aqui, a não ser apelar para o autocontrole. Alguns truques ajudam, como, por exemplo, desligar as notificações. De vez em quando também é útil adotar períodos sabáticos, em que nos afastamos completamente das redes. Na verdade, do celular. Refeições em família sem os respectivos celulares também ajudam muito. Tudo isso é tanto mais difícil quanto mais estivermos viciados. O que torna a coisa ainda mais importante.

Note que o problema não são as “redes sociais”. Assim como o álcool, as redes sociais são bem úteis quando usadas com moderação. A comparação com cocaína é algo completamente desproporcional e inadequado. Não há reações químicas no cérebro que nos tornam escravos físicos do “vício em redes sociais”. Acredite, não temos “síndrome de abstinência” quando deixamos de usar as redes sociais. A comparação com o álcool ou com o cigarro é um pouco mais próximo da realidade. É possível usar com moderação.

Por fim, considerações sobre “ameaças à democracia” e “discursos de ódio” supostamente facilitadas pelas redes sociais são apenas mais uma forma de discurso político. Vivemos, no século XX, muitas “ameaças à democracia” e “discursos de ódio” sem o auxílio das redes sociais. Trata-se de uma confusão, proposital ou não, entre meio e mensagem. Acabar com as redes sociais não acabará com as mensagens de ódio. Elas apenas mudarão de meio. Culpar as redes sociais por supostos ataques à democracia é um meio fácil de deslocar a culpa da própria incompetência em transmitir uma mensagem alternativa que ganhe mentes e corações. Afinal, as redes sociais estão aí para todos, basta usar.

PS.: não é à toa que a Netflix tenha produzido este documentário. Ela também está na briga pela sua audiência, não se esqueça. E cada minuto a menos no Facebook significará potencialmente um minuto a mais na Netflix. Não tem santo nessa história. Todos estão em busca do seu olhar.

Fica, Petrobrás!

“Fica, Petrobras!”

Essa é a campanha que alguns Estados estão patrocinando junto ao Congresso, com o objetivo de forçar a Petrobras a manter ativos nesses Estados, com vistas a manter empregos e arrecadação.

O diretor de Relações Institucionais da empresa, por outro lado, afirma que a “lógica econômica” impõe a venda desses ativos.

Desculpe-me o diretor de RI da Petrobras, mas ele está errado. A única ação que verdadeiramente obedeceria a lógica econômica seria a privatização da Petrobras. Qualquer outra ação da empresa sofre desse vício de origem.

Qual a lógica econômica de o Estado assumir risco empresarial? Aplicar o dinheiro do contribuinte em bolsa? Uma estatal só justifica a sua existência por motivos estratégicos do Estado e para servir de “orçamento paralelo” ao do governo. A Petrobras nasceu da campanha “O Petróleo é Nosso”, uma razão estratégica muito importante há 70 anos. Ainda vale hoje? Isso mereceria um outro post.

Mas é como “orçamento paralelo” que a “nossa Petrobras” é defendida hoje. A empresa fornece investimentos, empregos, arrecadação. Esses objetivos são muito mais relevantes que a lógica de mercado. Se o governo tiver que capitalizar a Petrobras que o faça. Essa é a “lógica econômica” de uma estatal.

Em resumo: se não for para privatizar a empresa, qualquer outra discussão é ociosa.

Porque 1% deve ser muito mais rico que o restante 99%

Olhe o mundo ao seu redor. Olhe com atenção. Enumere as coisas que você vê. Enumere as coisas que você usa no seu dia-a-dia. Responda:

  1. Quantas dessas coisas você fez com as suas próprias mãos?
  2. Quantas dessas coisas foram feitas por indivíduos solitários (artesãos)?
  3. Quantas dessas coisas foram feitas por pequenos grupos de indivíduos, organizados em pequenas empresas?

Sou capaz de apostar que a sua resposta seja zero, ou algo muito próximo, para estas três perguntas. O mundo ao nosso redor é produzido por grandes empresas. Grandes empresas são organizações que congregam muitas pessoas, cada uma realizando um trabalho muito específico.

Adam Smith, no início do seu “A Riqueza das Nações”, destaca a diferença entre o que ele chama de “nações selvagens” (o que hoje chamaríamos de subdesenvolvidas) e “nações civilizadas” (as que hoje seriam as economias desenvolvidas):

“Entre as nações selvagens de caçadores e pescadores, todo indivíduo que está apto para trabalhar está mais ou menos empregado em algum trabalho útil, e procura prover, tão bem quanto possa, as necessidades e conveniências da vida, para si próprio, para sua família ou tribo, seja ele muito velho, ou muito novo para caçar ou pescar. Estas nações, entretanto, são tão miseravelmente pobres que, às vezes, são reduzidas à necessidade de eliminar ou, pelo menos, abandonar suas crianças, seus idosos e aqueles afetados por doenças, a perecer pela fome, ou serem devorados por bestas selvagens.

Entre as nações civilizadas, ao contrário, apesar de um grande número de pessoas não trabalhar de maneira alguma, muitas dessas pessoas consomem a produção equivalente a dez vezes, frequentemente a cem vezes o trabalho daqueles que produzem; mas a produção do trabalho de toda a sociedade é tão grande, que todos são abundantemente atendidos; e um trabalhador, mesmo o mais baixo e mais pobre, se ele é frugal e trabalhador, pode aproveitar uma parcela muito maior das necessidades e conveniências da vida que seria possível para qualquer selvagem obter.”

Tenha em mente que Adam Smith escreve este texto no final do século XVIII. Portanto, suas categorias e linguajar podem causar um pouco de estranheza, como quando, por exemplo, ele chama as nações mais atrasadas de “selvagens”. É a forma da época. Mas o centro da ideia de Adam Smith é que as nações desenvolvidas conseguem, de alguma forma, ser mais produtivas que as nações menos desenvolvidas. Nas nações menos desenvolvidas, apesar de todos trabalharem mais, a produtividade é muito baixa, e a produção não é suficiente para todos. Já nas nações desenvolvidas, mesmo que nem todos trabalhem, a produção é tão abundante, que sobra conforto até para os trabalhadores mais pobres.

Ao longo do livro, Adam Smith vai desenvolvendo esta ideia, começando justamente pelo conceito de empresa: várias pessoas trabalhando em conjunto, com a especialização de tarefas. Smith demonstra que a produtividade aumenta exponencialmente quando existe organização do trabalho.

Olhe novamente à sua volta. Praticamente tudo o que você vê e usa no dia-a-dia é fruto do trabalho de uma extensa cadeia de produção, formada por trabalhadores organizados em torno de grandes empresas. Graças a isso, podemos usufruir de um nível de conforto simplesmente inimaginável para nossos ancestrais de, digamos, 200 anos atrás.

Para que tudo isso seja possível, são necessárias ao menos duas coisas:

  1. A genialidade do indivíduo que inventa novas coisas ou novas formas de fazer as mesmas coisas e
  2. A genialidade do indivíduo que consegue organizar o trabalho de outros indivíduos da forma mais produtiva possível.

Uma coisa não existe sem a outra. Quantas pessoas geniais não existem no mundo, e que morrem anônimas com suas geniais invenções nas gavetas de suas casas? E, claro, o contrário também é verdadeiro: não existe empresa que fabrique algo que antes não tenha sido inventado.

Se o papel do inventor parece indubitavelmente muito precioso, o papel do CEO de uma empresa já é um pouco mais polêmico. Esta é uma percepção comum: por que o salário do manda-chuva tem que ser 20, 50 ou até 100 vezes maior do que o salário de quem realmente põe a mão na massa e produz?

Vou fazer uma outra pergunta antes de responder a esta: quando a Wal Mart começou suas atividades (e o mesmo vale para McDonalds, Magazine Luiza, Microsoft, e todas as outras grandes empresas em que você possa pensar), havia milhares de outras lojinhas no mundo. Por que a Wal Mart se tornou a Wal Mart e outras lojinhas permaneceram outras lojinhas, ou morreram e deram lugar a outras lojinhas? Será porque os trabalhadores da Wal Mart, aqueles que põem a mão na massa, trabalhavam mais duro do que a média? Ou será porque o CEO da Wal Mart estava disposto a apostar em sua visão, e tinha liderança para fazer com que outros o seguissem em sua visão?

Jogadores de futebol, há milhares no mundo inteiro. Mas Messi, há um só. As pessoas vão ao estádio não para ver o Barcelona jogar. As pessoas vão ao estádio para ver Messi jogar. Os outros jogadores se esforçam, e suam a camisa durante os mesmos 90 minutos. O treinador, o massagista, o roupeiro, todos trabalham muito, até mais do que Messi. Aliás, Messi não jogaria sozinho, ele precisa dos seus companheiros e de toda a infra-estrutura do clube. Mas as pessoas vão ao estádio para ver Messi.

A GM não inventou o automóvel, mas Alfred Sloan fez da GM a maior fabricante de automóveis do mundo durante muitos anos. O Facebook não inventou as redes sociais, mas Mike Zuckerberg fez do Facebook a maior rede social do mundo. O Google não inventou os mecanismos de busca na Internet, mas Larry Page e Sergei Brin fizeram do Google o maior mecanismo de busca na Internet do mundo. Não foram os trabalhadores mais capacitados da GM, do Facebook ou do Google que fizeram dessas empresas as líderes de seus setores. Foram Sloan, Zuckerberg e Page/Brin. Se dependessem dos trabalhadores, todas essas empresas seriam do tamanho de seus talentos: lojinhas de esquina.

Assim como as “nações civilizadas” se diferenciam das “nações selvagens” pela forma como organizam a sua produção, as empresas de sucesso se diferenciam das lojinhas da esquina pela forma como organizam a sua produção. No caso dos países, entenda-se por “organizar a produção” todas as instituições que permitem o livre empreendimento e a acumulação de capital físico e humano ao longo do tempo. No caso das empresas, entenda-se por “organizar a produção” desde ter uma estratégia de longo prazo, até a habilidade de atrair e reter os melhores talentos.

– Mas Guterman, há muito CEO incompetente que ganha rios de dinheiro!

Sem dúvida. Assim como há muitos trabalhadores incompetentes que continuam ganhando os seus salários regularmente. Mas não confunda a fotografia com o filme. Ninguém consegue se segurar eternamente em uma determinada posição se não tiver o talento necessário. Isso vale tanto para CEOs quanto para trabalhadores. Quando se está iniciando na carreira, esta afirmação parece um pouco forçada. Depois que se vai ganhando experiência, vamos percebendo que as pessoas, cedo ou tarde, são “marcadas a mercado”.

Assim, chegamos ao cerne da questão: são poucas, muito poucas pessoas mesmo, que fazem a diferença no mundo. 1% é muito generoso. Provavelmente, estamos falando de 0,001%. Estes 0,001% agregam mais valor ao mundo do que os restantes 99,999%. Valor aqui, bem entendido, material. Não me ocupo aqui de outras dimensões, tão ou mais importantes. Para um filho, a mãe agrega muito mais valor do que qualquer outra pessoa no mundo. Para um aluno, o professor certamente agrega mais valor. Acho que já me fiz entender.

Sendo assim, parece ser natural que existam bilionários no mundo. E, em um segundo escalão, milionários. Estas pessoas, ou seus ascendentes, agregaram valor equivalente. E, na medida em que os benefícios criados por estas pessoas atingem cada vez mais pessoas em um mundo globalizado, não é de se estranhar que as fortunas sejam maiores do que no passado.

A concentração de renda, preocupação de 10 em cada 10 governantes na atualidade, não deveria causar espanto: é o resultado natural da lógica capitalista. Os governantes, com seu viés populista, querem vender a ideia de que todos podem ser iguais. E não podem. Nem em países comunistas isso aconteceu: a Nomenklatura contava com privilégios vetados ao povo em geral.

A única forma de diminuir a concentração de renda é diminuir a o gap entre a capacidade das pessoas. Programas sociais desacompanhados de melhoras substantivas na educação e saúde do povo somente diminuem o crescimento potencial do país (via aumento de impostos), sem melhorar em uma vírgula a concentração de renda. Programas como o Bolsa Família são meritórios na medida em que exigem uma contrapartida (manter os filhos na escola), diminuindo o gap educacional. O benefício em si pode ter efeitos conjunturais, passageiros, mas não estruturais.

Mas por mais que se diminua a diferença de capacidade produtiva entre as pessoas, o 0,001% sempre existirá. E é essencial que exista e seja muitíssimo bem remunerado. Caso contrário, a civilização, tal qual a conhecemos, não existiria.