Cegueira institucional

A quase unanimidade dos funcionários públicos se mostraram contra a reforma administrativa enviada para o Congresso. E não foram meia dúzia de gatos pingados: mais de 100 mil votos foram computados! E olha que estamos falando de uma reforma que não mexe com os privilégios adquiridos dos atuais funcionários.

Se era para não ter apoio dos funcionários públicos, teria sido melhor mandar uma reforma de verdade, que resolvesse o problema fiscal gigante que temos hoje, não daqui a 20 anos. Pelo menos valeria a briga no Congresso. Pelo visto, teremos a mesma briga por muito menos. O projeto é bom em linhas gerais. Mas, como dizem, é “muito pouco, muito tarde”.

PS: esta não é uma crítica a funcionários públicos em particular. Portanto, poupem-me da ladainha do mérito por ter passado em concurso público, por não ter FGTS, por não se poder mudar as regras no meio do jogo etc. Tudo isso eu já sei. O fato, no entanto, é que seu empregador está quebrado. Na iniciativa privada, quando um empregador está quebrado, manda seus funcionários embora. No Estado, o governo quebra o restante da economia para manter seus empregados. Esta é uma lógica que não tem como dar certo. Para ninguém. Esta é a hora de deixar os anéis para preservar os dedos. 94% dos funcionários públicos ainda não entenderam isso.

Onde estão os ‘partidos verdes’?

Existe uma “demanda” pela preservação ambiental. Mas, pasmem, essa demanda não se traduz na eleição de deputados ligados à “pauta verde”.

Bem, talvez a tal “demanda” só exista, de fato, na imaginação daqueles que tentam pautar o país.

Não vou aqui entrar no mérito da discussão, se é ou não importante cuidar do meio-ambiente, da floresta, da água, do ar, etc etc etc. Isso parece meio óbvio. Afinal, ninguém em sã consciência quer viver em um planeta inabitável. Meu ponto é outro: em um país pobre e desigual como o nosso, falar de preservação do meio-ambiente é quase como recomendar alimentação orgânica pra morador de rua. A mensagem simplesmente não faz sentido.

A imensa maioria da população brasileira tem problemas mais urgentes para resolver, tipo comer três refeições por dia, beber água potável e dormir sob um teto. Cuidar da Amazônia e desenvolver fontes limpas de energia certamente estão distantes de serem prioridades. E isso se traduz na hora do voto. Aliás, a coisa é ainda pior: o nó górdio de toda essa questão é que preservar o meio-ambiente custa dinheiro. Energias renováveis são mais caras no curto prazo (se fossem mais baratas não precisariam de incentivos governamentais), ainda que possam ser mais baratas em uma análise de custo-benefício de longo prazo. Para um país pobre e endividado, que vive da mão para a boca, investir na preservação do meio-ambiente é um luxo.

Além disso, a pauta ecologista muitas vezes se confunde com uma pauta anticapitalista. A busca pelo lucro seria incompatível com a preservação do meio-ambiente, o que cria um ranço contra esses movimentos. Fica, assim, difícil a eleição de representantes políticos identificados com a causa, a não ser com votos de nichos específicos. O atual movimento do mercado financeiro de privilegiar investimentos ESG (socialmente responsáveis) pode quebrar um pouco essa identificação. Mas, no final do dia, o que vai mandar é a lógica capitalista, aquela que ergue e destrói coisas belas: se esses investimentos “socialmente responsáveis” não gerarem lucros, serão abandonados pelos investidores, assim como os deputados verdes foram abandonados pelos eleitores.

A “pauta verde” é importante, não se discute isso. O que talvez falte é um pouco de sensibilidade para sacar as reais necessidades do povo que vota. A discussão precisa sair do Leblon e da Vila Madalena e ganhar o país. Mas, para isso, a estratégia precisa ser outra. Esse discurso do “fim do mundo” pode ganhar manchetes, mas pouco toca quem precisa batalhar pelo sustento cotidiano. Fica o desafio.

Uma reação sem graça

Essa reação da Secretaria de Comunicação do governo ao quadro do Adnet parodiando o secretário da Cultura, Mário Frias, está errada de diversas e combinadas formas:

1) O quadro não faz paródia dos “heróis brasileiros”. Faz paródia de Mário Frias.

2) Ao dizer que a paródia ofende o povo brasileiro de bem, o secretário da cultura usa da mesmíssima mistificação que Lula e os petistas usaram até enjoar. Qualquer ataque ao partido ou a seus próceres era narrada como um ataque ao povo.

3) O secretário da cultura usa uma estrutura de governo, paga com nossos impostos, para atacar alguém que o ofendeu pessoalmente. O discurso “em defesa do povo brasileiro” apenas serve como escudo para tentar camuflar o uso de um bem público para fins particulares.

4) Qualquer figura pública deve estar preparada para ser criticada ou, como é o caso, parodiada. Tem que ter casca grossa, senão melhor nem descer para o play. Aliás, Bolsonaro também aparece no quadro do Adnet, contracenando com ninguém menos que o Queiroz. Quer coisa pior? Bolsonaro nem piscou.

5) Adnet é um humorista mediano (minha opinião). Admiro sua capacidade de imitação, mas as piadas são, em geral, fracas. Não é diferente com o quadro em foco. A reação do secretário da cultura, colocando para girar a máquina do governo para criticar o humorista, só vai fazer que um quadro meio sem graça tenha multiplicado sua audiência em várias vezes.

6) Um órgão oficial do governo criticar um trabalho artístico é meio, assim, como dizer, autoritário. Lembra outros regimes em que o humor é, digamos, regulado.

Sinceramente, Mário Frias passou um recibo desnecessário. Além disso, mostrou que tem uma compreensão peculiar do que seja liberdade de expressão. O que não deixa de ser curioso para alguém que vive da arte.

Ainda sobre o VAR

Existe um conceito em contabilidade chamado “materialidade”. Contabilidade é conta de mais e menos. É matemática, não tem como ir um pouco pra cá ou pra lá.

Mas tem. Este é o conceito de materialidade. Às vezes a diferença é tão pequena, que não vale o trabalho de encontrá-la. Arredonda-se e pronto, vida que segue.

O conceito de materialidade deveria ser aplicado ao VAR. O lance do impedimento do atacante do São Paulo é simplesmente bizarro. Mesmo com o lance parado, na foto, não se consegue ver que o jogador esteja adiantado. Foi preciso que o computador desenhasse a tal “paralaxe” para se concluir que o jogador estava em impedimento. Mas, para efeito desse esporte que se chama futebol, ele estava na mesma linha. Materialmente na mesma linha.

Como o artigo no início deste post afirma, o VAR deveria servir para corrigir erros grosseiros do árbitro. Por exemplo (e pra não dizerem que elogio o VAR só quando ajuda o meu time), a mão do meio-campista do Santos contra o Vasco dentro da grande área, lance que o juiz não percebeu e o VAR corrigiu. Ficou claro, no VAR, que a bola pegou na mão. Erro grosseiro.

E quem vai decidir se o erro é material ou não? Ora, o próprio juiz. É para isso que ele é pago. Como diz o articulista, o VAR não pode servir de muleta para juízes inseguros.

O VAR é uma inovação tecnológica bem-vinda. O problema está na materialidade dos erros cometidos. Quando paralaxe passa a ser um termo futebolístico, é sinal de que aquele antigo esporte bretão acabou.

Fatos, não opiniões

Este é Albert Sabin, em campanha de vacinação contra a pólio no Brasil, em 1970. A pólio, como sabemos, foi erradicada do Brasil.

1) Vacinas e remédios colocaram a civilização humana em outro patamar. Não só aumentaram a expectativa de vida como melhoraram a sua qualidade em várias vezes.

2) Agências governamentais aprovam o uso de vacinas e remédios quando estes se mostram seguros para consumo humano, considerando-se padrões universais de segurança. A aprovação de uma vacina, especificamente, passa por 3 etapas, todas elas estritamente controladas. A vacina contra o novo coronavírus, quando vier a ser distribuída ao público, terá passado por essas 3 etapas antes de ser aprovada.

3) As campanhas de vacinação têm o objetivo de imunizar a população contra doenças evitáveis. A não imunização pode causar o sofrimento individual e a sobrecarga do sistema público de saúde.

Estes são fatos simples e verdadeiros. Outros fatos ou não são simples, ou não são verdadeiros, ou não são simples e verdadeiros em conjunto.

Não se trata de opinião, mas de fatos. Portanto, não estão em debate.

Narrativas

Bolsonaro culpa o ex-ministro Sérgio Moro pelo desfecho da investigação sobre a tentativa de assassinato a faca durante a campanha.

Bem, há 4 meses temos outro ministro da justiça e chefe da PF. Por que o inquérito não foi reaberto? Ou seria essa mais uma afirmação sob medida para os que não podem viver sem uma teoria da conspiração? Daqui a uma semana completar-se-ão 6 meses desde que Bolsonaro prometeu “para amanhã” mostrar provas de fraudes nas urnas eletrônicas. Ficou o dito pelo não dito.

Talk is cheap, como dizem os americanos. Bolsonaro joga no ar afirmações ilógicas mas que apelam para os que têm resposta para tudo, pois tudo é sempre explicado a partir de uma grande conspiração contra o paladino da justiça.

Fica difícil entender como Bolsonaro ganhou eleições fraudadas, ou que interesse teria Moro em abafar investigações. Mas esses são detalhes menores. O que importa, no final, é manter a narrativa do herói contra tudo e contra todos, para consumo de sua grei.

Assim é se assim lhe parece.

Boicote oficial

Acho que é a primeira vez na vida que vejo uma campanha oficial de governo DESESTIMULANDO o uso de vacina. Não, acho não, tenho certeza.

Dizem que existe uma lei que permite ao governo obrigar os cidadãos a tomarem vacina. Desconheço. Mas, mesmo que tivesse, acho que nunca foi utilizada. O que ocorre normalmente são as chamadas Campanhas de Vacinação.

Nessas campanhas, o governo estimula a população a tomar vacinas, de modo a evitar a sobrecarga do sistema público de saúde com doenças evitáveis. Sem contar, é claro, com a desgraça pessoal que é sofrer de poliomielite, meningite, tuberculose etc.

Sim, é verdade, ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina. Nem por isso o governo deveria usar o seu poder de comunicação para vender a ideia de que se trata de uma opção como outra qualquer. Não é. Trata-se de saúde pública. A sua doença vai me afetar, pois será um a mais ocupando um leito hospitalar e alguém a menos para produzir para o país. O governo não precisa obrigar, mas tem o dever de estimular. Mensagens como essa têm o efeito contrário.

Até entendo que essa mensagem vem em resposta a uma pressão para tornar a vacina obrigatória. Mas, com o objetivo de rechaçar uma indevida intromissão nas liberdades individuais, o governo joga o seu peso institucional na direção inversa, quase uma mensagem de boicote. E isso é grave quando parte da autoridade constituída.