A Petrobrás foi oficialmente fundada em 03/10/1953 pelo então presidente Getúlio Vargas, coroando uma campanha que durou sete anos, “O Petróleo é Nosso!”. Como o nome diz, a ideia era manter em mãos de brasileiros a exploração do ouro negro, setor econômico estratégico para o crescimento do país.
Bem, qual o setor mais estratégico hoje no mundo?
Em 1953, ano da criação da Petrobrás, dentre as 15 maiores empresas dos EUA, tínhamos 3 montadoras de automóveis, duas siderúrgicas e nada menos que 6 petroleiras. E hoje? Adivinhou: das 15 maiores, 6 são de tecnologia. E não, não há nenhuma petroleira.
Por isso, lanço oficialmente aqui a campanha “A Internet é nossa!” Afinal, não podemos deixar nas mãos de estrangeiros um setor tão estratégico para o nosso crescimento.
Essa foi sempre a nossa resposta até a década de 70: criamos siderúrgicas, empresas de telecomunicações, empresa para construção de aviões, empresas de energia elétrica, mineradora, bancos e uma longa lista de eteceteras. Estivéssemos na década de 70, certamente estaríamos já pensando no nome da nova estatal: Internetbrás!
Por que ninguém está pensando nisso hoje? Não vou aqui entrar na discussão sobre “capitalismo tardio” e outras teorias que supostamente justificariam a existência de estatais. Isso demandaria um desenvolvimento muito mais longo do que se pretende com este despretensioso artigo. Meu ponto é muito mais simples: por que, HOJE, não pensamos em fundar uma estatal da Internet?
A resposta é simples: acabou o dinheiro. FHC, o presidente que mais privatizou na história, o fez por precisão, não por boniteza. A última grande capitalização de estatal que fizemos foi da própria Petrobrás, em 2010. Para fazê-la, o governo teve que pagar a sua parte com barris de petróleo que ainda seriam explorados. Dinheiro mesmo, aquele que foi usado para os investimentos no pré-sal, veio dos acionistas minoritários e do BNDES.
Agora, vem a questão central, aquela que não quer calar: se não fazemos a Internetbrás, por que ainda temos a Petrobrás? O petróleo é ainda importante, sem dúvida, mas temos outras coisas igualmente importantes, ou até mais, nas mãos da iniciativa privada. E, pecado dos pecados, nas mãos de estrangeiros! Por exemplo… Internet!
A existência de uma empresa estatal somente se justifica pela sua importância estratégica. E, debaixo do guarda-chuva “importância estratégica”, abrigam-se quatro coisas: fomento do desenvolvimento econômico, segurança de fornecimento, geração de empregos e geração de tributos.
O fomento do desenvolvimento econômico é aquilo que os economistas chamam de “externalidade positiva”. Uma empresa estatal cirurgicamente colocada na cadeia de produção permitiria o desenvolvimento de outras atividades econômicas, em um círculo virtuoso. Claro que, neste caso, a empresa estatal se justifica pelo fato de que não haveria interesse e/ou capital por parte da iniciativa privada. O capital privado não se interessa pela “externalidade positiva”, só quer saber do lucro. E uma empresa que “fomente o desenvolvimento” não necessariamente dá lucro. Se desse, poderia ser substituída pelo capital privado.
A segurança no fornecimento, por sua vez, depende da competência da empresa. A “nossa” Telebrás, por exemplo, entregava uma linha de telefone fixo para você depois de vários anos de espera, sendo que você era obrigado a comprar ações da empresa.
Os dois últimos “objetivos estratégicos”, geração de empregos e de tributos é, normalmente, o que mais interessa do ponto de vista populista. Afinal, as decisões da empresa, lembre-se, não são guiadas pelo lucro, mas pela “importância estratégica”. Assim, as decisões têm o viés dos arranjos políticos. E olhe que nem estou falando de corrupção.
Na verdade, para uma empresa estatal, pouco importa a lógica econômica. Ela não existe para dar lucro. Ela existe para cumprir o seu “papel estratégico”. Se o papel estratégico puder conviver com a geração de lucros, tanto melhor. Senão, o governo que capitalize a estatal para que esta continue com o seu “papel estratégico”. O acionista minoritário deve ter isso em mente quando investe em uma empresa estatal.
A maior crítica que as esquerdas fazem ao processo de privatização é justamente essa: está se vendendo patrimônio nacional a preço de banana, “só” porque precisa do dinheiro. Pois é justamente isso o que está acontecendo: estamos precisando de dinheiro. Muito dinheiro.
O mindset nacional seria pela preservação do “patrimônio do povo”. Como acabou o dinheiro, precisamos vender. Não que vá se arrecadar muita coisa, não é este o ponto. A questão é que, para continuar cumprindo o seu “papel estratégico”, uma estatal precisa continuamente de novos investimentos. Se esses novos investimentos não forem feitos, aos poucos a empresa vai desaparecendo. Afinal, lembre-se, o lucro não é o principal objetivo da empresa.
Tenho convicção de que a iniciativa privada aloca melhor o capital no longo prazo, mas esta convicção não leva em conta o “papel estratégico” da empresa estatal. O Estado tem uma lógica diferente, não necessariamente a melhor alocação de capital, mas aquela que atende aos “objetivos estratégicos” elencados acima. Ficar discutindo quem aloca melhor o capital, o que é mais eficiente, é uma perda de tempo. Os objetivos são diferentes, ponto.
Não temos hoje um movimento “A Internet é nossa!”, apesar de sua evidente “importância estratégica”. Sinal de que talvez devêssemos pensar seriamente em privatizar a Petrobrás. Afinal, se não temos dinheiro para fazer a Internetbrás, por que gastamos dinheiro com a Petrobrás?