Os políticos estão politizando a questão das vacinas. Oh!!!, que surpresa!
Políticos politizam. Por definição. Acho graça daqueles que exigem “espírito público” dos políticos, e que tomem decisões em prol da sociedade. Acho graça porque esse “em prol da sociedade” é sempre na visão particular de quem está pedindo espírito público dos políticos. E se o político entender que a sua própria atuação está sempre dirigida “em prol da sociedade”? Aliás, provavelmente este é o caso. Inclusive quando se refere às próximas eleições: o político sempre vai achar que ele próprio ganhar as próximas eleições é o melhor que pode acontecer para a sociedade. Churchill é considerado um dos grandes estadistas do século XX. Quem leu a sua biografia e assistiu à 1a temporada da série Crown, no entanto, vê um Churchill focado em tomar e manter o poder. Politicagem, diriam seus adversários. Política, diria Churchill.
Quem simpatiza com Bolsonaro, vê em suas atitudes com relação à vacina uma luta pela preservação da liberdade do povo brasileiro diante de um conluio global que envolve medo, lockdown para quebrar a economia e vacinas perigosas aprovadas a toque de caixa. Os que antagonizam Bolsonaro veem no presidente alguém que está jogando para evitar que seu maior adversário potencial nas eleições de 2022 ganhe dividendos políticos, mesmo que isso signifique colocar em risco a saúde dos brasileiros. De um ou outro modo, estamos falando de política ou politicagem, a depender do ponto de vista.
Quem simpatiza com Doria, vê em suas atitudes uma preocupação genuína em torno da saúde da população, em um momento em que o governo federal parece não dar a mínima para isso. Já para os que o antagonizam, o governador de São Paulo está dançando sobre cadáveres, usando as mortes de brasileiros para ganhar dividendos políticos. De um ou outro modo, trata-se de política ou politicagem, a depender do ponto de vista.
Governadores e prefeitos que estão apoiando Bolsonaro ou correndo atrás de Doria para comprar a vacina também estão fazendo política ou, como querem os nostálgicos de estadistas, politizando a questão. Todos eles.
A política, no entanto, tem um limite: a realidade. As narrativas políticas, mais cedo ou mais tarde, acabam esbarrando em sua majestade, os fatos. Antes de uma luta, os boxeadores tentam se mostrar, diante das câmeras de TV, superiores ao seu adversário. Mas, quando começa a luta, aquele que efetivamente tem mais força e agilidade, vence.
O governo federal está contando com 3 vacinas: Astra Zeneca, consórcio COVAX e Pfizer. A Astra Zeneca errou na dosagem nos testes da fase 3, e não conseguiu provar eficácia para maiores de 55 anos, justamente o principal grupo de risco. Agora, parece que vão misturar com a Sputinik V, o que provavelmente demandará vários meses de testes fase 3 novamente. Ou seja, ao que tudo indica, essa vacina é só para o 2o semestre, com sorte. O consórcio COVAX ainda não divulgou nenhuma vacina com eficácia, e a quantidade é muito pequena diante das necessidades brasileiras. Por fim, a Pfizer também vai disponibilizar uma quantidade muita pequena (se disponibilizar), com todas as dificuldades de logística conhecidas. Em resumo: o governo federal tem muito pouco na mão até o momento.
Doria, por sua vez, prometeu divulgar os estudos de eficácia da Coronavac até o dia 15. Se, de fato, houver uma eficácia razoável (acima de 70%), Doria terá na mão uma fábrica de 1 milhão vacinas/dia, ou 180 milhões no primeiro semestre, o suficiente para vacinar quase metade da população brasileira. A política ou politicagem esbarram, no final do dia, nos fatos. Como dizia um antigo locutor de futebol quando o juiz apitava o início do jogo, vamos ver quem tem mais garrafa velha pra vender. Dia 15, saberemos.
PS escrito em 14/12: hoje Doria adiou a divulgação dos estudos de eficácia para o dia 23/12. Serão 8 dias a menos para a Anvisa aprovar. Por enquanto, continuamos só tendo retórica. Vamos ter que esperar mais um pouco pelos fatos.