Os fatos, sempre eles

Escrevi um post na primeira data em que o governador João Doria havia prometido divulgar os dados de eficácia da Coronavac, 15/12. No dia anterior, a divulgação havia sido adiada para o dia 23/12. O motivo era até nobre, ainda que não convincente: iriam submeter o registro definitivo e não mais emergencial. Precisavam, portanto, de mais tempo para “organizar a papelada”. Ou seja, estava tudo certo, era mais uma questão burocrática.

Ontem, adiaram novamente o anúncio. Dessa vez porque, aparentemente, os dados de eficácia se mostraram diferentes no Brasil, Indonésia e Turquia, países onde a Coronavac foi testada.

Estatística não tem muito segredo. Você tem um certo nível de confiança nos resultados a depender do tamanho da amostra. Por exemplo, quando dizemos que os resultados de sondagens eleitorais têm uma incerteza de dois pontos percentuais com confiança de 95%, isso significa que, se fizermos a mesma pesquisa 100 vezes, em 95 os resultados tendem a ser os mesmos, 2 pontos percentuais para cima ou para baixo.No caso da Coronavac, foram testadas populações diferentes. Não ficou claro, mas eu entendo que os resultados foram diferentes a ponto de ficarem fora do intervalo do nível de confiança. Ou seja, as eficácias foram estatisticamente diferentes nesses países. Aparentemente, a Sinovac pediu mais tempo para “harmonizar” os resultados, ou seja, encontrar variáveis que possam explicar as diferenças.

Tudo isso que falei é muito técnico. E o pior, é só chute, porque é o que consegui inferir da coletiva de ontem, não tenho certeza de que seja isso. Mas essa é a parte técnica. A parte política é outro departamento.

Trabalho com investimentos. Às vezes é difícil explicar para os meus clientes porque perderam dinheiro. É um assunto muito técnico, que às vezes fica difícil traduzir para o leigo. Fica aquela impressão de rolando-lero.

Mas tem uma coisa que nunca faço: prometer resultados. Existem muitas variáveis envolvidas que não estão sob o meu controle, o que chamamos de risco. Ficaria muito mal prometer algo e não entregar. É o que chamo de “parte política” dos investimentos.

Voltemos à Coronavac. O Butantan e o laboratório chinês podem ter todos os motivos técnicos do mundo para terem adiado o anúncio da eficácia da vacina. Não vou aqui entrar no mérito. Mas ficou a impressão de rolando-lero. Mas o problema de fundo foi o governador prometer algo que não estava totalmente sob seu controle. Certamente, quando ele planejou a ação, lhe disseram que a Coronavac era eficaz. Ele pode ser tudo, menos burro. O problema foi ter colocado uma data ANTES de efetivamente poder mandar a vacina para registro. O atraso no envio para registro é até mais grave do que a não divulgação dos dados de eficácia.

No post citado, havia afirmado que os fatos, esses senhores da política, começavam a se virar contra Doria. O adiamento de ontem é mais um passo nessa direção. Somente uma eficácia muito alta, devidamente reconhecida por publicação acadêmica de primeira linha, e a preservação da data de 25/01 como início da vacinação, poderão colocar os fatos novamente trabalhando para Doria. Convenhamos que ficou bem mais complicado.

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