Este é o meu terceiro post sobre impeachment nos últimos dias, o que, quando não menos, mostra que o assunto está em pauta.
Desta vez trata-se de um editorial do Estadão, que procura descrever qual seria o “crime de responsabilidade” do presidente. Procurei o tal crime no editorial, mas o máximo que encontrei foi a citação da lei que teria sido transgredida, além de uma exortação ao Congresso para que avalie a conduta do presidente. A nomeação mesma do crime, não há.
Apesar de não haver menção explícita, sabemos do que se trata: a gestão da pandemia, que produziu, até o momento, mais de 200 mil óbitos no território brasileiro. As atitudes e a desídia do governo federal seriam, em última análise, as responsáveis por essa catástrofe humanitária.
O que dizer?
Nos meus posts anteriores, nem entro no mérito do crime de responsabilidade que embasa o pedido de impeachment. Sempre achei esse ponto o menos relevante no processo. O que importa são as condições políticas gerais. Trata-se de um julgamento político, não jurídico. No entanto, é necessário, de qualquer forma, haver um crime de responsabilidade bem definido.
No impeachment do Collor, o crime foi a corrupção em que o presidente se envolveu pessoalmente, do qual os jardins da Casa da Dinda foram o símbolo midiático máximo. Já no impeachment da Dilma, as famosas “pedaladas fiscais” foram o crime. Tanto em um caso quanto em outro, tratavam-se de fatos muito objetivos, de fácil observação, que envolviam quase zero julgamento. E, mesmo assim, tanto Collor quanto Dilma caíram jurando inocência. O PT, inclusive, criou o mote “impeachment sem crime é golpe!” Aliás, Collor foi posteriormente absolvido no STF por falta de provas.
O que temos no caso de Bolsonaro? 200 mil mortes. Como ligá-las objetivamente ao presidente? Sim, ele menosprezou a epidemia, deu mal exemplo, falou contra as vacinas. Seu exemplo de líder certamente ajudou a piorar o quadro. Mas esta é uma opinião. Não se trata de um depósito fruto de corrupção encontrado na conta do presidente, ou do saldo negativo na conta da Caixa para pagamento do bolsa família, fatos esses bem objetivos.
O Brasil, hoje, tem aproximadamente 1.000 óbitos/milhão de habitantes. Países que supostamente têm uma gestão melhor da pandemia, como Bélgica (1.750 óbitos/milhão), Itália (1.350 óbitos/milhão), Espanha (1.150 óbitos/milhão) e Reino Unido (1.300 óbitos/milhão) têm estatísticas piores. E mesmo nossos vizinhos latino-americanos, com mesma pirâmide populacional e não comandados por “genocidas”, têm números semelhantes aos do Brasil: Argentina, 1.000 óbitos/milhão, Chile, 900 óbitos/milhão, México, 1.100 óbitos/milhão. Fica difícil, assim, correlacionar comportamento do dirigente máximo do país com o resultado final alcançado.
Alguns poderão dizer: “mas está morrendo gente sem oxigênio em Manaus!”. Sim, está. É culpa do presidente ou do governador? Ou será do prefeito? Se o presidente é culpado pelas mortes em Manaus será mérito dele que pessoas não estejam morrendo sem oxigênio nas outras unidades da federação? Por que as mortes seriam culpa dele e as pessoas salvas seriam mérito dos governadores? Por que não o inverso? No final do dia, quem decide isso são os deputados, no processo de impeachment.
Mas, como já estamos carecas de saber, impeachment é um processo político. Quando o Estadão pede que o Congresso se debruce sobre o caso, é na esperança de que os nobres deputados se convençam dessa correlação e condenem o presidente. Pode acontecer? Pode. Vai acontecer? Depende das condições políticas.
Os processos de impeachment até o momento tiveram a concorrência de quatro fatores, a saber:
- Queda do PIB de 4% ou mais
- Grandes manifestações populares de rua
- Popularidade líquida (vide meu post anterior a respeito) de -60
- Perda de apoio no Congresso
Note que não listei o “crime de responsabilidade” entre esses 4 fatores. Como disse, é o de menos. Se esses 4 fatores estiverem presentes, a responsabilidade pelas 200 mil mortes será dada. Já o inverso não acontece. É ocioso ficar brandindo crimes de responsabilidade como se fossem a parte mais importante do processo.
Como estão hoje esses 4 fatores?
O PIB caiu mais de 4% em 2020, fato. Mas suas consequências foram mais do que mitigadas pelo auxílio emergencial, o que pode ter adiado o problema para 2021, se não houver uma retomada forte da atividade econômica. Na minha opinião, este é o maior risco para Bolsonaro no momento.
Os outros 3 fatores estão relacionados. Os fatores 2 e 3 são o termômetro que os congressistas usam para definir se continuarão a apoiar o governo. Como não tem como ocorrer manifestações de rua em plena pandemia, o fator 3 ganha importância. Hoje, a popularidade líquida do presidente está em -8, muito distante ainda dos -60. Os congressistas sabem disso.
As eleições para as mesas da Câmara e do Senado servirão como um excelente termômetro do ânimo do Congresso para fazerem o que o editorial do Estadão pede. Vamos ver as votações de Artur Lira e Rodrigo Pacheco, os candidatos de Bolsonaro nas duas eleições. Mesmo que percam, se tiverem boas votações, demonstrarão apoio do Congresso ao governo. O fator 4 estará afastado, por ora.