Átila Iamarino surgiu no cenário nacional como um brilhante divulgador da ciência. Com seus vídeos inteligentes e divertidos, Átila se notabilizou por traduzir assuntos áridos em uma linguagem acessível ao leigo.
Com o início da pandemia, Átila utilizou toda a sua habilidade para chamar a atenção do público para o problema, ajudando a conscientizar a população para a importância do distanciamento social e cuidados básicos de higiene.
Mas Átila evoluiu. Ou involuiu, a depender do ponto de vista. Passou de divulgador científico para militante político. O post abaixo é só um exemplo.
Há dois problemas com esse post, um formal e o outro conceitual.
O formal (o menos importante) é a comparação entre o número de armas por habitante com o número de vacinas por habitante. Átila está se referindo ao novo decreto presidencial, que aumenta o limite de armas por pessoa de 4 para 6. Obviamente não há 6 armas por habitante no Brasil, isso é apenas um novo limite, que vai ser usado por pouquíssimas pessoas. Além do mais, mesmo que 100% da população estivesse vacinada, essa comparação seria “seis armas por habitante versus uma vacina por habitante”, o que ainda assim passaria a impressão de escolhas equivocadas por parte do governo. Bem, do ponto de vista formal, essa comparação é um completo non sense.
Mas o mais importante é o problema conceitual. A mensagem por trás do post é a seguinte: o governo Bolsonaro está mais interessado em distribuir armas do que vacinas para a população.
É um direito ser contra o acesso a armas por parte da população. Eu mesmo não gosto da ideia. Isso é uma coisa. Outra coisa é misturar a questão das vacinas com a agenda anti-armamentista. O que queria Átila? Que todo o processo legislativo ficasse congelado até que 100% da população fosse vacinada? Não se aprova mais nada até que todos sejam vacinados? Sim, porque qualquer lei aprovada que não seja em prol da vacinação será uma perda de foco. Ou é só a questão das armas e outros temas caros aos bem-pensantes que não podem ser tocados durante a pandemia?
Bolsonaro foi eleito com uma agenda bem definida. Essa questão das armas é um dos poucos temas em que este governo não está cometendo estelionato eleitoral. Não gosta da agenda? Esforce-se por eleger outro candidato nas próximas eleições. Este que está no Palácio do Planalto quer armar a população. E não deveria ser surpresa para ninguém.
O governo Bolsonaro tem sido uma nulidade nessa questão das vacinas. Eu mesmo escrevi vários posts a respeito. Criticá-lo por isso está mais do que certo. O problema é misturar duas agendas que não se comunicam somente com o objetivo de lacrar.
Quando um cientista começa a usar a ciência para fazer política, passa a falar somente para o público politicamente alinhado. As conclusões apresentadas passam a ser questionáveis: afinal, aquilo é ciência ou só narrativa? A ciência deixa de ser universal para servir de arma política.
A ciência engajada é o túmulo da ciência.