O presidente do Clube Militar cometeu anteontem uma nota onde expõe o “pensamento” do clube que representa. Destaquei o início e o fim da nota. O recheio nada mais é do que o discurso político de Bolsonaro: tudo é culpa dos outros, são todos uns bandidos, não é possível governar desse jeito etc.
O início da nota caracteriza o governo Bolsonaro como nada menos do que o representante de Deus na terra. O papa, ainda mais sendo esquerdista, que se cuide. Sendo expressão da vontade de Deus para os homens, o governo Bolsonaro estaria sendo impiedosamente atacado por ninguém menos do que o tinhoso, o “Poder das Trevas”.
“Quem não está comigo está contra mim” (Mt 12,30). Esta sentença de Jesus, que indica a necessidade de uma adesão incondicional à vontade de Deus, é transplantada para o novo messias. Os bolsonaristas, apóstolos da Nova Ordem, exigem a mesma adesão ao governo. Qualquer crítico será responsabilizado pelo triunfo do “Poder das Trevas”.
E, uma vez que o “Poder das Trevas” está vencendo, qual a solução? O último parágrafo da carta não deixa margem a dúvidas: artigo 142 da Constituição. O curioso é que esse artigo (reproduzido abaixo), determina que as Forças Armadas podem ser chamadas a garantir a lei e a ordem POR QUALQUER DOS PODERES CONSTITUCIONAIS.
Quer dizer, apesar de o presidente da República ser o chefe supremo das Forças Armadas, a iniciativa de chamá-las pode partir de qualquer dos poderes constitucionais, Executivo, Legislativo ou Judiciário. Fico imaginando os generais recebendo ordens contraditórias de Deus e do Diabo…
Bem, não há dúvida de que se trata de uma nota golpista. Só não consigo levar muito a sério porque sempre que penso em militar reformado, com suas aposentadorias integrais aos 55 anos de idade, lembro de uma crônica de Marcos Caetano, publicada na revista Piauí, que descreve a tribo dos sungas-pretas, militares reformados que frequentam a praia de Copacabana nos dias de semana. Você pensa: se são estes que estarão à frente do golpe, liderados por ninguém menos que Jair Bolsonaro, então o “Poder das Trevas” terá longa vida por estas paragens.
O site Jota, especializado em assuntos jurídicos, traz uma pequena matéria sobre a decisão do STF de impor ao governo o pagamento de uma renda mínima. Copio os trechos mais interessantes a seguir.
“A desmobilização do governo federal, especialmente do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do advogado-geral da União, André Mendonça, chamou a atenção de ministros do Supremo e contribuiu, de certo modo, para a decisão do tribunal sobre o pagamento de uma renda básica para a população de baixa renda.”
“Ministros comunicaram a Guedes e Mendonça da delicadeza do assunto. O ministro Gilmar Mendes pediu vista, abrindo espaço para a atuação político-jurídica do governo. Mas nem Guedes nem Mendonça se moveram.”
“Este julgamento mostrou ao Supremo, afirmam integrantes da Corte, a desestruturação do governo neste momento em especial para atuar no tribunal. A despeito das derrotas nas questões relativas ao combate à pandemia, o STF – em sua maioria – é permeável aos temas que envolvam governabilidade e contas públicas. Mas alguém, em nome do governo, precisa minimamente articular os interesses do Executivo na Corte.”
Esta reportagem ilustra à perfeição a coluna de William Waack hoje, no Estadão. Segundo o sempre arguto jornalista, hoje Congresso e STF governam o Brasil. Mas não se trata de uma conspiração, como pensa o entorno bolsonarista. Segundo Waack, “A principal responsável é a atuação do próprio Bolsonaro e sua extraordinária incompetência política.
“Não existe vácuo na política, como estamos cansados de saber. Quando Bolsonaro abriu mão de fazer política, o seu espaço foi ocupado, segundo Waack, “por uma curiosa aliança tácita, volátil e fluida de juízes e parlamentares”.
Eu complemento: Bolsonaro pensa, em sua redoma onde só cabem conspirações, que “fazer política” se resume a “toma lá, dá cá”. Também é isso, essa é a parte, digamos, fácil da coisa. Mas fazer política é muito mais do que isso: é, segundo Waack, “ter um conjunto de propostas e ideias bem definidas, com rumo, coordenação eficaz e domínio dos instrumentos clássicos de poder ou coerção.” Segundo o articulista, “o Bolsonarismo é mais um estado de espírito do que qualquer outra coisa”.
Enfim, o último julgamento do STF é só mais um em que, aparentemente, faltou a parte do “fazer política”. Assim como foi a tramitação do Orçamento, em que o Legislativo fez gato e sapato do Executivo. Falta coordenação. Falta rumo. Falta governo. E, quando falta governo, sobram governos paralelos.
A vacinação em massa é a única forma de voltarmos à normalidade. Em meio a inúmeras teses e narrativas, este talvez seja o único fato incontroverso, que é aceito por pessoas de diferentes orientações políticas.
E note que não me referi à sua vacinação ou à minha vacinação. Referi-me à “vacinação em massa”. Uma campanha de vacinação contra uma doença transmissível entre humanos só tem efeito se houver uma cobertura mínima que diminua a probabilidade de transmissão. Não se trata de “eu” ficar protegido (mesmo porque nenhuma vacina tem 100% de eficácia), mas de “eu” não servir de vetor de transmissão para “os outros”. Trata-se de imunidade de rebanho, não de imunidade individual. E quanto menos eficaz for a vacina (a Coronavac é a menos eficaz das vacinas, seguida da Astra Zeneca), maior deve ser a cobertura vacinal para se atingir a imunidade de rebanho.
Pois bem. O presidente cedeu o seu “lugar na fila da vacina” para os mais “apavorados”.
A bobagem se dá em três níveis.
Em primeiro lugar, trata-se de um tiro no pé (mais um) do ponto de vista político. Sabemos que não há vacinas suficientes, e este é justamente um dos pontos fracos (talvez o mais fraco no momento) do governo. Ao invés de passar uma mensagem de tranquilidade, de que está tudo sob controle, de que as vacinas chegarão para todos, o presidente faz o inverso: não há vacinas para todos, por isso, estou cedendo meu lugar na fila. É o reconhecimento tácito de que o governo não fez a lição de casa.
Em segundo lugar, o presidente da República serve de exemplo. Suas atitudes são seguidas não somente pela sua grei mais leal, mas por todos os cidadãos que não têm um posicionamento político claro. Vacinar-se transmite a mensagem de que a vacina é segura e de que é importante vacinar-se. A rainha tomou a vacina, Trump tomou a vacina, Biden tomou a vacina, Netanyahu tomou a vacina. Não tenho um acompanhamento sistemático, mas é provável que Bolsonaro seja o único líder político do planeta que ainda não tenha tomado a vacina. Ao vixe da falta de vacinas soma-se o eita do mau exemplo.
Por fim, o discurso adotado, só para não variar, é de confrontação, não com adversários políticos, mas com uma parcela da própria população. Chamar de “apavorado” quem quer tomar a vacina é o caminho certo para criar uma animosidade que só produz perdas para o seu capital político. Lula e o PT cansaram de fazer isso, ao chamar de “preconceito contra o pobre” a oposição legítima que se poderia fazer às políticas dos governos petistas. Não foi uma boa estratégia, como se viu. Bolsonaro cai no mesmo erro: posa de “valentão”, superior aos maricas “apavorados”. Pode fazer sucesso junto aos seus seguidores, mas não me parece uma coisa inteligente a se fazer.
Por falar em inteligência, sofremos sob um governo liderado por uma presidente que era muito voluntariosa, mas que parecia ter uma inteligência limítrofe. Essa atitude do presidente segue essa infeliz tradição.
Há poucos dias escrevi aqui sobre a interpelação do TCU ao governo federal a respeito das demissões na Ceitec, a empresa do “chip do boi”, que está sendo liquidada.
Também teve grande repercussão a decisão da justiça do trabalho a respeito das demissões na churrascaria Fogo de Chão, em que a empresa foi multada por demitir funcionários sem antes “negociar” com o sindicato.
Agora é o leilão da CEDAE que está suspenso pela justiça, pois não está claro qual o “destino” dos seus funcionários.
Estes três casos têm em comum a “proteção ao emprego” por parte da justiça. Não sendo jurista, vou me ater a analisar a coisa do ponto de vista econômico.
As empresas contratam funcionários para que produzam algo. Esse algo precisa ser vendido no mercado por um preço suficientemente alto para remunerar o funcionário e o capital investido pelo capitalista. A conta é muito simples: se a venda da mercadoria ou serviço produzido não for suficiente para remunerar o capital humano e o capital financeiro investido, o negócio fecha. É o que está acontecendo com a Ceitec e com o Fogo de Chão, por exemplo.
No entanto, antes de fechar, a empresa pode tentar se reestruturar. Reestruturar-se significa aumentar o lucro (ou voltar ao lucro) da operação. É o que está acontecendo com a CEDAE. Para tanto há duas alternativas: aumentar o preço de venda dos seus produtos ou aumentar a produtividade dos seus funcionários. A primeira não depende da empresa, depende do mercado. Por isso, é a segunda alternativa a normalmente adotada pelas empresas em reestruturação. Produzir mais com menos recursos é o caminho adotado pelas empresas para voltarem ao lucro.
Mas produzir mais com menos significa ter menos empregados. Daí as demissões que se seguem às restruturações das empresas.
Agora, digamos que a justiça resolvesse proibir, discricionariamente, demissões, sob a alegação de “proteger empregos”. O que aconteceria? As empresas em dificuldades não conseguiriam se reestruturar. Continuariam a operar com baixa produtividade, até que, em determinado momento, o sócio capitalista avalia que não vale mais a pena investir ali. Fecha o negócio e parte para outro investimento. Não sem antes ter transferido uma parte de seu capital para uma mão de obra de baixa produtividade, quando poderia estar investindo em negócios com produtividade maior, elevando a produtividade da economia como um todo.
Este é o efeito econômico mais relevante desse tipo de decisão: reduzir a produtividade global da economia, em um momento em que precisamos desesperadamente de mais produtividade. Quando dizemos que a renda/capita dos EUA é 5 vezes maior que a brasileira, estamos simplesmente reconhecendo que o americano produz 5 vezes mais do que o brasileiro. Por que trabalha mais? Não. Porque é mais produtivo, conta com formação melhor e tem à disposição mais capital físico e financeiro para produzir. E esse capital físico e financeiro surge do nada? Também não. Surge das oportunidades de lucro, que não estão ameaçadas, entre outras coisas, por decisões esdrúxulas da justiça.
Alguém poderia dizer que o capital poderia se contentar com lucros menores em favor de uma maior remuneração do capital humano. Essa é uma longa discussão. Do ponto de vista teórico isso não é recomendável por dois motivos. Primeiro porque, ao maximizar o lucro, o capital maximiza a produtividade da economia, o que é bom a longo prazo, inclusive porque permite a acumulação de capitais, o que fomenta novos investimentos, que, por sua vez, geram mais empregos. Em segundo lugar, o lucro deve remunerar também o risco do negócio. O lucro não é uma dádiva divina, ele pode não acontecer. Embutido na taxa de retorno requerida pelo capitalista está o risco de não ver o seu dinheiro de volta. É o velho ditado, “eles veem as pingas que eu tomo mas não veem os tombos que eu levo”. Isso é do ponto de vista teórico. Do ponto de vista prático, sou capaz de apostar que uma boa parte desses juízes do trabalho investem em bolsa ou em fundos de investimento e exigem o máximo retorno possível. Talvez não façam relação entre o retorno de seus investimentos e o lucro das empresas, trata-se de um raciocínio muito sofisticado. Mas não tenho dúvida de que não estão dispostos a abrir mão de um centavo sequer da remuneração de seus investimentos. O “capitalista” é sempre o outro.
Ao “proteger empregos” pouco produtivos, a justiça brasileira diminui a produtividade geral da economia brasileira e, deste modo, paradoxalmente, dá a sua cota de contribuição para que o desemprego geral seja mais alto. Sim, porque o escasso capital que ainda se aventura a fazer negócios por aqui fica sequestrado por uma pauta “social”, ao invés de buscar oportunidades mais rentáveis, que estariam gerando empregos mais produtivos. Já escrevi isso aqui e repito: a nossa pobreza não é improvisada.
Há poucos dias escrevi aqui sobre a interpelação do TCU ao governo federal a respeito das demissões na Ceitec, a empresa do “chip do boi”, que está sendo liquidada.
Também teve grande repercussão a decisão da justiça do trabalho a respeito das demissões na churrascaria Fogo de Chão, em que a empresa foi multada por demitir funcionários sem antes “negociar” com o sindicato.
Agora é o leilão da CEDAE que está suspenso pela justiça, pois não está claro qual o “destino” dos seus funcionários.
Estes três casos têm em comum a “proteção ao emprego” por parte da justiça. Não sendo jurista, vou me ater a analisar a coisa do ponto de vista econômico.
As empresas contratam funcionários para que produzam algo. Esse algo precisa ser vendido no mercado por um preço suficientemente alto para remunerar o funcionário e o capital investido pelo capitalista. A conta é muito simples: se a venda da mercadoria ou serviço produzido não for suficiente para remunerar o capital humano e o capital financeiro investido, o negócio fecha. É o que está acontecendo com a Ceitec e com o Fogo de Chão, por exemplo.
No entanto, antes de fechar, a empresa pode tentar se reestruturar. Reestruturar-se significa aumentar o lucro (ou voltar ao lucro) da operação. É o que está acontecendo com a CEDAE. Para tanto há duas alternativas: aumentar o preço de venda dos seus produtos ou aumentar a produtividade dos seus funcionários. A primeira não depende da empresa, depende do mercado. Por isso, é a segunda alternativa a normalmente adotada pelas empresas em reestruturação. Produzir mais com menos recursos é o caminho adotado pelas empresas para voltarem ao lucro.
Mas produzir mais com menos significa ter menos empregados. Daí as demissões que se seguem às restruturações das empresas.
Agora, digamos que a justiça resolvesse proibir, discricionariamente, demissões, sob a alegação de “proteger empregos”. O que aconteceria? As empresas em dificuldades não conseguiriam se reestruturar. Continuariam a operar com baixa produtividade, até que, em determinado momento, o sócio capitalista avalia que não vale mais a pena investir ali. Fecha o negócio e parte para outro investimento. Não sem antes ter transferido uma parte de seu capital para uma mão de obra de baixa produtividade, quando poderia estar investindo em negócios com produtividade maior, elevando a produtividade da economia como um todo.
Este é o efeito econômico mais relevante desse tipo de decisão: reduzir a produtividade global da economia, em um momento em que precisamos desesperadamente de mais produtividade. Quando dizemos que a renda/capita dos EUA é 5 vezes maior que a brasileira, estamos simplesmente reconhecendo que o americano produz 5 vezes mais do que o brasileiro. Por que trabalha mais? Não. Porque é mais produtivo, conta com formação melhor e tem à disposição mais capital físico e financeiro para produzir. E esse capital físico e financeiro surge do nada? Também não. Surge das oportunidades de lucro, que não estão ameaçadas, entre outras coisas, por decisões esdrúxulas da justiça.
Alguém poderia dizer que o capital poderia se contentar com lucros menores em favor de uma maior remuneração do capital humano. Essa é uma longa discussão. Do ponto de vista teórico isso não é recomendável por dois motivos. Primeiro porque, ao maximizar o lucro, o capital maximiza a produtividade da economia, o que é bom a longo prazo, inclusive porque permite a acumulação de capitais, o que fomenta novos investimentos, que, por sua vez, geram mais empregos. Em segundo lugar, o lucro deve remunerar também o risco do negócio. O lucro não é uma dádiva divina, ele pode não acontecer. Embutido na taxa de retorno requerida pelo capitalista está o risco de não ver o seu dinheiro de volta. É o velho ditado, “eles veem as pingas que eu tomo mas não veem os tombos que eu levo”. Isso é do ponto de vista teórico. Do ponto de vista prático, sou capaz de apostar que uma boa parte desses juízes do trabalho investem em bolsa ou em fundos de investimento e exigem o máximo retorno possível. Talvez não façam relação entre o retorno de seus investimentos e o lucro das empresas, trata-se de um raciocínio muito sofisticado. Mas não tenho dúvida de que não estão dispostos a abrir mão de um centavo sequer da remuneração de seus investimentos. O “capitalista” é sempre o outro.
Ao “proteger empregos” pouco produtivos, a justiça brasileira diminui a produtividade geral da economia brasileira e, deste modo, paradoxalmente, dá a sua cota de contribuição para que o desemprego geral seja mais alto. Sim, porque o escasso capital que ainda se aventura a fazer negócios por aqui fica sequestrado por uma pauta “social”, ao invés de buscar oportunidades mais rentáveis, que estariam gerando empregos mais produtivos. Já escrevi isso aqui e repito: a nossa pobreza não é improvisada.
Existem símbolos que retratam uma era. Também existem símbolos que retratam as consequências de um certo tipo de mentalidade. Quando um símbolo representa as duas coisas, estamos diante de algo poderoso.
O teleférico do Alemão vai completar 10 anos em julho. Está fechado, no entanto, desde o fim das Olimpíadas do Rio. Há quase, portanto, 5 anos.
A obra era a face social do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, um conjunto de investimentos públicos empacotado em uma campanha de marketing. O Brasil estava na crista da onda, o dinheiro abundava e gastamos como se não houvesse amanhã. Dilma foi eleita em 2010 como a mãe do PAC.
Em seu discurso de inauguração, Dilma lembrou de seu padrinho e se emocionou. Disse que Lula pensou em tudo aquilo com muito amor e carinho. Era a época do Estado-Mãe, que não fica preso a planilhas de despesas, investindo o que for preciso para tornarem todos felizes.
Todos felizes. Inclusive os que usaram a obra para cobrar faturas de serviços prestados, como a Odebrecht, que foi, coincidentemente, a empreiteira contratada. Dos que aparecem na foto de dezembro de 2010, quando Lula visita a obra, somente o atual prefeito do Rio, Eduardo Paes, não foi preso.
Mas esse é o detalhe menos importante dessa história. O ponto relevante aqui é o gasto de recursos públicos em obras inviáveis economicamente. No caso, R$ 210 milhões em dinheiro de 2011. Inviável porque qualquer obra de infraestrutura necessita de manutenção. Não adianta só construir e inaugurar. É preciso prever a manutenção. Caso contrário, a deterioração vai levar inexoravelmente ao sucateamento. Essa é a realidade, por mais amor e carinho que se possa colocar em uma obra.
O financiamento da manutenção pode ocorrer basicamente de três formas: governo, usuários e patrocínio. O transporte público nas grandes cidades por exemplo, é financiado por um mix de governo (subsídios) e usuários. No caso do teleférico, o governo pagava tudo. Só que o dinheiro acabou.
Quer dizer, o dinheiro não acabou. Na verdade, o dinheiro nunca existiu. Sacamos adiantado o dinheiro do pré-sal e de um crescimento econômico que achávamos eterno. Contratamos gastos que se tornaram direitos perpétuos, como o aumento da folha do funcionalismo e suas respectivas aposentadorias. Quando o dinheiro que era para estar ali não estava, acabou sobrando para o teleférico. Este é o símbolo de uma era.
Mas o teleférico do Alemão é também o símbolo de uma mentalidade. A viagem era “de graça” para os moradores.
Papai Lula e Mamãe Dilma deram de presente para os seus filhos necessitados. É óbvio que não existe nada de graça. O projeto do teleférico deveria ter sido precedido de um estudo de viabilidade econômica: qual deveria ser o preço da passagem para viabilizar a sua manutenção? Pergunta básica, mas que certamente não foi feita na festa do PAC. Isso é coisa de quem não tem amor e carinho. Nada contra a que o Estado financie 100% da obra e da manutenção. Desde que haja uma previsão orçamentária que impeça a descontinuidade do serviço. Imagine, por exemplo, parar o sistema de ônibus de uma cidade porque “acabou o dinheiro”. Quando isso acontece, se aumenta o preço da passagem de ônibus e ponto final.
A reportagem diz que a lotação que faz o mesmo percurso cobra R$3.
Será que, com esse preço, o teleférico é viável economicamente? Se não for, o governo poderia subsidiar o restante? Essas perguntas são básicas, mas faz 5 anos que o teleférico “de graça” está parado. Está tudo certo: os moradores não pagam e também não recebem o serviço.
No final do livro Atlas Shrugged, de Ayn Rand, o personagem que luta honestamente até o fim para manter funcionando um sistema inviável se vê no meio do nada em um trem quebrado, sem condições de receber manutenção. Sempre lembro desse final quando vejo o sucateamento de obras grandiosas.
Estou longe de ser um especialista em marketing eleitoral. O que vou escrever a seguir pode estar completamente errado, porque me faltam conhecimentos. Mas é o que intuo sendo um observador da cena política nacional.
Tendo dito tudo isso, vamos lá: o posicionamento mercadológico de Doria é um desastre.
Diante da “ameaça” de Bolsonaro usar o exército para acabar com o toque de recolher, Doria faz um arrazoado “pela democracia”! Caraca! Como pode errar o alvo assim, tão longe???
É óbvio – não, é muito óbvio – que Bolsonaro não tem a mínima condição de fazer o que ele está dizendo que vai fazer. O quê? Ele vai jogar o exército contra as PMs? Provocar uma guerra civil? O Bolsonaro? Espera aí que eu vou gargalhar ali no canto e já volto.
É claro que a agenda de Bolsonaro é outra: ele está procurando cevar a narrativa de que o buraco econômico em que nos metemos é culpa dos governadores, não dele. Afirmar que “vai usar o exército” é só uma forma de dizer que vai “tomar providências” e, como bônus, agradar a sua grei mais fanática, que realmente acredita que o mito tem o poder de “acabar com essa bagunça”.
Responder que Bolsonaro tem “devoção pelo autoritarismo e alergia pela democracia” pode fazer sucesso nos círculos bem-pensantes da imprensa e da intelectualidade tupiniquim. Mas, para o povão, o que importa é ter meios de colocar comida na mesa. Democracia é um luxo que vem depois. Onde Doria quer chegar com essa mensagem? Talvez nos 5% que ele já tem em intenções de voto. Com esse tipo de discurso insosso, vai ser difícil sair daí.
Como ele poderia ter respondido? Na minha humilde opinião, colando na testa do presidente a palavra “incompetente”. Autoritário é um adjetivo abstrato, poucos sabem e muitos menos dão importância a isso. Agora, incompetente todo mundo sabe o que é. A resposta poderia ser algo na linha:
– Esse Bolsonaro é um fanfarrão. Está tentando esconder a sua incompetência para lidar com a pandemia e o desemprego por traz de uma ameaça ridícula”.
Ou, melhor ainda, alavancando no seu grande ativo, a Coronavac:
– Ao invés de ficar fazendo ameaças ridículas, o presidente poderia se esforçar um pouco mais para acelerar a vacinação. Se dependesse da incompetência do Bolsonaro, teríamos somente 20% das vacinas que temos hoje.
E não pensem que é só João Doria que se perde nesse lenga-lenga de democracia. Todos os chamados “candidatáveis” de centro cometem o mesmo erro. Vê se Lula gasta sua saliva falando de ameaça à democracia. No seu discurso no sindicato, a primeira coisa que fez foi desancar a incompetência do governo Bolsonaro no trato da pandemia e da economia. Esse entende do riscado.
O chamado “centro” precisa urgentemente de um João Santana que ajuste o discurso. Ops, parece que já foi contratado.
A notícia é um produto. E, como todo produto, é oferecido em uma embalagem. No caso da notícia, a embalagem é a manchete.
Como sabe qualquer estudante do 1o ano de marketing, uma embalagem atraente é mais de meio caminho para a venda. Por isso, os editores capricham nas manchetes.
Lembro de estar passando em frente a uma banca de jornal lá pelos idos de 1991. Estávamos à beira da primeira guerra do Iraque, Bush pai tinha dado um ultimato a Sadam Hussein, e o mundo prendia a respiração diante da guerra iminente. Na banca, o saudoso Notícias Populares sapecou o que, para mim, é a melhor manchete de todos os tempos: “MUNDO IMPLORA: ARREGA SADAM!” Tem coisa mais sensacional do que isso? Não, não tem.
Como eu ia dizendo, os editores quebram a cabeça para encontrar manchetes que vendam a notícia. Um truque comum é usar estatísticas que chocam. Variações percentuais sobre números pequenos, por exemplo, são um exemplo clássico. O número continua tão pequeno quanto antes, mas a variação é tão grande que chama a atenção.
Quanto mais visuais forem as estatísticas, melhor. Por exemplo: muito melhor do que dizer que foram desmatados 11.000 km2 da Amazônia em 2020, é afirmar que foram desmatados 1,3 milhões de campos de futebol. E, ainda melhor, um campo de futebol foi desmatado a cada 20 segundos! O leitor já fica imaginando um campo de futebol inteiro de árvores, e um enxame de serrotes pondo aquilo tudo abaixo em 20 segundos. Um horror! Claro que, se a manchete fosse “foram desmatados 0,22% da Amazônia Legal em 2020”’, o leitor muito provavelmente passaria ao largo daquele pacote embrulhado em papel pardo.
Um outro exemplo: ao invés de dizer que 3 milhões de pessoas já morreram de COVID-19 desde o início da pandemia, muito melhor sacar “já morreu um Catar desde o início da pandemia”. Meu Deus, um Catar inteiro! E como fica a Copa do Mundo??? Claro que dizer que morreu 0,04% da população mundial é bem menos sexy.
Isso tudo me veio à mente quando vi a manchete abaixo: a Índia registra 3,8 casos de COVID-19 por segundo!
O leitor conta 1 segundo e pá, lá já estão mais 4 indianos doentes. Um horror! Claro que, se a manchete fosse “Índia registra 190 casos/milhão na média móvel dos últimos 7 dias”, o leitor passaria batido pela prateleira. Mesmo porque, hoje o Brasil está com 300 casos/milhão e os EUA, que estão avançadíssimos na vacinação e são governados pelo champion da saúde pública, estão com os mesmos 190 casos/milhão. Enfim, quem mandou a Índia ser o 2o país mais populoso do mundo? É prato cheio para as manchetes bombásticas.
Por favor, não encarem esse post como uma crítica à imprensa. Como todo negócio, eles precisam vender os seus produtos. E as manchetes fazem parte da estratégia. Cabe a nós, consumidores de notícias, não nos deixarmos enganar pela embalagem. Tenha sempre em mente que todo número é relativo. Sempre pergunte: essa estatística, é em relação ao qué? Dessa forma, você terá uma visão mais equilibrada do mundo.
Não tive tempo de comentar essa coluna ontem, quando foi publicada no Valor Econômico. Mas merece comentário, pois foi um dos raros momentos de realismo nesse debate sobre as mudanças climáticas.
Humberto Saccomandi, editor de internacional do jornal, manda a real sobre o tema: o controle sobre a emissão de gases de efeito estufa significa “uma economia com produtos mais caros e menos consumo”. É isso.
O colunista não ataca agenda ambientalista, pelo contrário. Diz ser muito necessária. Mas coloca o problema no seu enquadramento correto, que vocês já devem ter lido por aqui nas vezes que abordei o tema: não se trata de um problema restrito a governos insensíveis e empresas malvadonas. Trata-se, antes de tudo, de um problema de demanda. Os indivíduos, eu, você e a Greta, queremos o máximo conforto pelo menor preço possível. A indústria simplesmente oferece o que nós desejamos.
Dentro do capitalismo, a forma de induzir comportamentos é através da precificação, afirma corretamente o colunista. Por isso, combustíveis fósseis deveriam ser mais caros, de forma a induzir a diminuição de seu consumo. Claro que combustível mais caro significa produtos mais caros. E mais caros para todos, ricos e pobres. Humberto cita o caso das usinas nucleares: por apresentarem um grave problema de descarte de lixo nuclear, várias normas foram editadas, tornando a produção de energia nuclear em usinas novas economicamente inviável para a iniciativa privada, o que afastou investidores. Sim, o lucro é ainda um driver importante do sistema capitalista.
Para resolver essa charada, o colunista lança mão do conceito de “economia doughnut”, ou “rosquinha”, proposta pela economista britânica Kate Raworth. Segundo esse conceito, a humanidade precisa reaprender a viver entre os limites de um mínimo de conforto e um máximo de consumo ambientalmente sustentável. Obviamente, é mais fácil falar do que fazer. Procure no discurso de Biden algum trecho dizendo que os americanos precisam se acostumar com menos conforto. Boa sorte.
E este conceito leva a outro nó, também apontado pelo colunista: o mundo é um só, mas obviamente as populações dos países pobres vivem muito abaixo do limiar mínimo de conforto aceitável. As populações dos países ricos, portanto, deveriam não só diminuir o seu nível de conforto por questões ambientais, mas, adicionalmente, para também abrir espaço de consumo para as populações dos países pobres. Como diz o colunista, “um processo de difícil aceitação”.
Aqui termina a coluna de Humberto Saccomandi e começa a minha conclusão. Paul Kruger afirma em sua coluna do New York Times, traduzida hoje no Estadão, que o custo de produção da energia solar caiu 89% desde 2009 e o da energia eólica, 70% no mesmo período. Impressionante, não é mesmo? Mas, no capitalismo, tudo é uma questão de preço. Vocês podem ter certeza de que, no dia em que as energias solar, eólica e todas as outras fontes renováveis de energia forem mais baratas que a energia derivada de combustível fóssil, não teremos mais Cúpulas do Clima. A indústria se converterá espontaneamente para essas fontes, sem necessidade de políticas governamentais. Afinal, lucro é ainda um driver importante do capitalismo.
Li a manchete e logo me saltou aos olhos a falta de uma informação fundamental para avaliar a notícia: quantas regiões existem em SP? É óbvio que a informação percentual nos daria uma noção melhor do que está acontecendo. Se essa informação não está lá, é porque não orna com o objetivo da manchete.
Batata: são doze regiões. De modo que uma manchete “Homicídios aumentam em 50% das regiões de SP” seria igualmente verdadeira, mas não cumpriria a sua missão. É claro que “Homicídios diminuem em seis regiões de SP” também seria verdadeira, mas nem pensar.
As regiões que tiveram aumento de homicídios têm um problema, o Estado de SP não necessariamente. Para avaliar a questão estadual é preciso analisar o número agregado. Este aparece no meio da reportagem e no gráfico anexo: aumento de 3,22% de homicídios entre 2019 e 2020.
3,22% é um número para se preocupar? É o início de uma tendência? É só erro estatístico? Essas são as questões relevantes, mas que certamente não justificam manchetes bombásticas.
Não sou especialista em crime, mas entendo um pouco de gráficos e números. Este aumento de 3,22% parece mais uma oscilação dentro de uma tendência geral de queda. Ou pode significar a interrupção dessa tendência, em que os números vão girar em torno de 8,0-8,5 daqui em diante. Afinal, não custa lembrar o fato óbvio de que o Estado de SP está dentro de um país chamado Brasil, cujo índice de homicídios é de 26 por 100 mil/ano. SP é um oásis neste aspecto, o menor índice brasileiro, mas tudo tem um limite: não dá para ter índices japoneses estando dentro do Brasil. Talvez 8 seja este limite, vamos verificar nos próximos anos.
João Santana foi o marqueteiro do PT nas campanhas de 2006, 2010 e 2014. É um gênio. Logo após um dos debates entre Dilma e Aécio, em que Dilma foi tratorada pelo adversário, a presidente passou mal. Dizem que simulou a mando do marqueteiro, mas isso é difícil de provar. De qualquer forma, Santana viu ali a oportunidade para reposicionar a candidata: sai a mulher forte, entra a mulher frágil, maltratada por um homem. Dali em diante, Aécio precisou se defender a respeito da questão. Também foi dele a peça que destruiu Marina Silva, aquela em que a comida desaparece da mesa do pobre. Um soco abaixo da linha da cintura e, por isso mesmo, muito eficaz.
João Santana e sua esposa foram condenados por Sérgio Moro. Lavagem de dinheiro, foi o crime. Santana recebeu dinheiro de corrupção para prestar os seus serviços, tendo consciência de sua origem, segundo o suspeitíssimo juiz.
Obviamente nada daquilo aconteceu, foi tudo perseguição de um juiz suspeito. Ciro fica, assim, livre para contratar o marqueteiro e ainda posar de 2o ser humano mais honesto do planeta (o 1o todos sabem quem é). Tudo isso graças à máquina de lavagem de reputações que funciona em uma das pontas da praça dos 3 poderes.
O anúncio de Ciro se deu no mesmo dia em que o pleno do Supremo confirmou a suspeição de Moro. Mas foi só uma coincidência.