Mario Vargas Llosa, em artigo publicado hoje no Estadão, pede votos para Keiko Fujimori no 2o turno das eleições peruanas, a serem disputadas em junho.
Imagine um 2o turno entre Guilherme Boulos e Eduardo Bolsonaro, este concorrendo após seu pai ter governado o país por 10 anos e ter tentado dar um golpe para se perpetuar no poder. Agora imagine Fernando Henrique pedindo votos para Bolsonaro. Isso é mais ou menos o que está acontecendo no Peru neste momento. Como chegamos neste ponto?
Estou muito longe de ser um especialista em política peruana. Faço aqui apenas uma análise à distância, tentando traçar paralelos com a política brasileira, um exercício sempre precário.
Quem acompanha Vargas Llosa não pode deixar de ficar espantado com esse posicionamento. O prêmio Nobel de literatura foi um crítico áspero de Alberto Fujimori, de quem foi adversário nas eleições de 1990, tendo perdido no 2o turno.
A partir do governo de Alberto Fujimori, o Peru, assim como o Brasil, entrou em uma fase de reformas estruturais que lhe permitiu alcançar estabilidade econômica rara por essas bandas latinas. Cabe ressaltar que Vargas Llosa também era a favor dessas reformas, o que nos leva a crer que a história do Peru estava escrita em 1990.
No gráfico abaixo, podemos observar a relação entre a renda/capita do Brasil e a do Peru.
No início dos anos 90, a renda do Brasil era o dobro da peruana. Nos últimos 30 anos, o Peru praticamente nos alcançou, com a renda brasileira ficando apenas 15% acima da peruana (o ano de 2020 está contaminado pela epidemia).
O rating soberano do Peru foi elevado para Grau de Investimento em abril de 2008, um mês antes do Brasil. A diferença é que eles ainda são Grau de Investimento, com rating BBB+, enquanto nós perdemos o Grau de Investimento no final de 2015, sendo hoje BB-. Ou seja, precisaríamos de 5 upgrades para atingir o nível do Peru. Hoje, um título do governo do Peru de 10 anos está pagando 5% ao ano, enquanto o nosso, para atrair investidores, precisa pagar 9% ao ano.
O interessante é que a disciplina que permitiu diminuir as taxas de juros e aumentar a renda atravessou governos de esquerda (como o de Humala) assim como de direita (como o de Alejandro Toledo), ou mesmo simplesmente populistas, como o de Fujimori.
No entanto, algo aconteceu. Mais do que a Lava-Jato, que devastou a classe política peruana, um descontentamento generalizado parece estar dando as cartas, assim como aconteceu no Chile. Chegamos, então, ao artigo de Mario Vargas Llosa.
Vargas Llosa, em seu artigo, prevê o fim das eleições livres, a lá Chavez/Maduro, caso o Guilherme Boulos deles, Pedro Castillo, seja eleito e implemente a sua agenda de estatização generalizada. Vê em Keiko Fujimori o “mal menor”, caso ela se comprometa a “respeitar a liberdade de expressão, não expulsar os juízes do Poder Judiciário e a convocar eleições ao término de seu mandato”. Ou seja, desde que a filha de Fujimori seja a democrata que seu pai não foi. Entre a ameaça à democracia pela esquerda e pela direita, Llosa opta por esta última. Se optou, é porque viu um “mal menor”.
O que mais me chama a atenção nisso tudo é o fato de o Peru ter, aparentemente, seguido à risca o receituário da Faria Lima para ser feliz: disciplina fiscal e reformas. O que nos leva à conclusão de que, se essas são condições necessárias para o progresso, estão longe de serem suficientes. O Peru está, igualzinho ao Brasil, entre a cruz e a caldeirinha, mesmo sendo um aluno exemplar.
A conclusão a que eu chego é que, por mais que façamos, somos reféns do nosso DNA, que determina a fraqueza de nossas instituições, eternamente capturadas por elites predatórias, e sempre ficaremos sujeitos a qualquer populista com discurso apelativo que aparece. A nossa pobreza é um destino.