Eu dou aulas em um curso preparatório para a obtenção de um certificado muito prestigiado no mercado financeiro, o CFA. São três provas em três anos seguidos, peneirando os candidatos até sobrarem os mais perseverantes que, estima-se, sejam somente 30% dos que iniciam a jornada.
Ontem, recebi um e-mail de um ex-aluno, informando que havia passado na primeira prova e agradecendo pelas aulas. Confesso que fiquei surpreso, por dois motivos.
O primeiro é que não é muito comum um ex-aluno escrever agradecendo ao professor as suas conquistas. Trata-se de um gesto raro, e que tem um valor imenso para quem joga a semente sem ter muita esperança de que vá germinar. E denota o caráter de quem reconhece que suas conquistas dependem não só de si.
O segundo motivo da minha surpresa é que este aluno não se destacava pelo seu brilhantismo. Era um aluno, digamos, comum, em quem eu não apostava muitas fichas. No que ele se destacava sim era no bombardeamento de perguntas. Explico: quando termina a minha parte no curso preparatório, deixo meu e-mail para que os alunos possam enviar dúvidas ao longo de seus estudos. Quer dizer, deixo proforma, porque raramente alguém escreve. Não foi o caso deste meu ex-aluno: dia sim, outro também, abria minha caixa postal e ali estava um e-mail dele com alguma dúvida. O que isso significa? Que o rapaz estava estudando. E muito.
No começo do curso, costumo dizer que as provas não são difíceis, não são um teste para entrar na NASA. São, sim, trabalhosas, pois a matéria é muita extensa. Mas nada que um bom plano de estudo e perseverança não resolva. E é isso que distingue quem passa de quem não passa: dedicação e perseverança. Vejo muitos alunos afirmando com palavras que que querem passar, mas seus atos demonstram que eles na verdade esperam que a coisa caia do céu.
Nesta linha, hoje o jornal traz uma reportagem sobre um rapaz chamado Wellington Vitorino, o primeiro brasileiro negro a ser aceito no MBA do MIT.
A trajetória de Wellington é a de alguém que acredita que o estudo o levará mais longe, e dedica-se de corpo e alma a isso. Claramente não foi contemplado, na loteria da vida, com o grande prêmio de ter nascido em uma família de posses, mas explorou bem seus outros dons, tendo a “sorte” de encontrar pessoas que o ajudaram no meio do caminho. Sorte entre aspas porque o seu desempenho acabou por atrair quem o pudesse ajudar.
Tenho sempre dificuldade em separar mérito de destino. Acho que a vida das pessoas é uma mistura das duas coisas: uma boa parte do seu destino está traçado no seu nascimento, mas não todo ele. Conseguimos mudar o nosso destino a partir de nossas decisões, mas seria ingenuidade achar que as nossas decisões têm o poder de mudar tudo.
Há pessoas diferenciadas, que foram agraciadas pela vida com dons negados à maioria dos mortais. E não me refiro, aqui, à renda familiar. Wellington claramente tem um dom, e soube explora-lo para subir. Seria forçar a barra apontar o seu caso como um exemplo de que tudo é possível, basta esforçar-se. Seria como dizer que jogar como o Messi é possível, desde que você treine o suficiente. O caso de Wellington é único, porque ele é único.
Isso é uma coisa. Outra coisa é elevar o nível médio da população através de políticas públicas eficazes. Não para buscar outros Wellingtons. Estes, por terem o dom, encontrarão o seu caminho mesmo no meio das mazelas do nosso sistema de ensino. Mas para que o esforço de pessoas comuns, como o do meu ex-aluno, encontre terreno mais fértil para mudar os seus destinos.
PS.: para evitar mal-entendidos, que pude perceber em alguns comentários, não fui professor do Wellington. São duas histórias paralelas.