Meus avós maternos vieram para o Brasil em 1956. Depois de terem sobrevivido aos campos de concentração de Hitler, voltaram a viver uma vida normal na Polonia. Decidiram migrar para o Brasil (onde tinham parentes) por medo de que as políticas da União Soviética significassem mais uma onda de perseguição aos judeus. Cachorro mordido por cobra…
Meus avós trocaram uma vida razoavelmente boa em seu país natal pelo desconhecido, representado por um país com língua, clima e costumes completamente diferentes. Tomaram essa decisão por uma questão de sobrevivência.
Somos testemunhas, atualmente, da crise de imigrantes em várias partes do mundo. São pessoas e famílias que tomam a decisão de abandonar a sua terra por algo supostamente melhor, fugindo da guerra, do crime ou de condições de sobrevivência insuficientes.
A decisão de imigrar para outro país está longe de ser trivial. Além de todo o trabalho envolvido, significa desenraizar-se. Não percebemos, mas o nosso ambiente está dentro de nós. Tenho um amigo que viveu 3 anos nos EUA em determinado momento da carreira. Perguntei a ele, à época, se pretendia continuar lá se fosse possível, ao que ele respondeu: não, sinto falta do Brasil. Aqui não consigo conversar sobre política, por exemplo, não tenho a vivência do histórico.
Achei aquilo interessante. Nascemos em um determinado lugar, e trazemos este lugar dentro de nós. Não é só política ou futebol. É tudo. Não é à toa que imigrantes se juntam em colônias quando estão em países estranhos. Querem viver em seu próprio país dentro da nova terra, procurando o melhor dos dois mundos. Não é nada fácil desenraizar-se.
Conheço três casais de amigos que migraram em definitivo, um para os EUA, dois para o Canadá. Fizeram isso pelos filhos. Queriam que os filhos tivessem “uma vida melhor”, em um país sério, seguro, onde as coisas funcionam. Abriram mão de uma vida confortável aqui por verem melhores condições de vida para os seus filhos no futuro.
Mas isso não é tão óbvio quanto parece. Conheço um outro casal, expatriado, que está, neste momento, em dúvida se continua nos EUA ou se volta para o Brasil. O motivo da indecisão, por incrível que pareça, são os filhos. Estão longe das duas famílias (dele e dela), os filhos ficarão sozinhos em um país estranho, sem laços familiares com ninguém. Neste caso, a força das relações familiares contrabalança a perspectiva de uma vida material melhor.
E, também, essa questão da vida material melhor é relativa, quando falamos de classe média latino-americana. Tirando a questão da segurança pessoal (que é algo importante, sem dúvida), a mudança para outro país significa, muitas vezes, um rebaixamento das condições de vida em relação ao desfrutado no país de origem. É diferente dos pobres coitados que não têm onde caírem mortos, ou de pessoas que estão fugindo da guerra ou de perseguições.
Por tudo isso, acho certa graça na expressão “as únicas saídas para o Brasil são Cumbica ou Galeão”. Na verdade, são muitos os que reclamam mas poucos os que têm a coragem de tomar uma decisão tão radical. Decisão esta que foi tomada por grande parte de nossos ancestrais, que certamente viviam em condições, em seus respectivos países, muito piores do que as que usufruímos hoje.
O fato é que, se o Brasil é um país cheio de defeitos, o mesmo ocorre com qualquer outro país do mundo. Que país não tem defeitos? A imigração supõe trocar os defeitos em busca de virtudes. Mas haverá defeitos, agravados pelo fato de que não estamos acostumados com eles. É preciso que a situação esteja realmente ruim para que essa troca se justifique. Por isso, em grande parte dos casos, a expressão “a única saída para o Brasil é Cumbica ou Galeão” é só da boca pra fora. Não há a mínima vontade de colocar em prática um plano desses, apenas um desejo genérico pelo paraíso.
Eu, particularmente, tinha um certo desejo de imigrar quando era mais jovem. Um certo fascínio pelos EUA (essa indústria cultural é muito poderosa!) me levava a imaginar vivendo lá, como se estivesse em um filme. No entanto, na medida em fui ficando mais experiente (mais velho não!) fui ganhando convicção de que a qualidade de vida depende mais da forma como levamos a vida do que por fatores externos. Há pessoas muito tristes nos EUA, Europa e Japão, acredite, e que talvez fossem mais felizes aqui, com todos os nossos defeitos.
Enfim, estas reflexões não querem ser, de maneira alguma, uma crítica a quem decide imigrar. Estes eu respeito, pois foram capazes de abrir mão de seu conforto por um objetivo. Meu único ponto é que eu continuo achando graça da expressão “a única saída é Cumbica ou Galeão” por parte de pessoas que não têm a mínima intenção de abrir mão de seu conforto para imigrar. No fundo, querem continuar a viver no Brasil, mas sem os seus defeitos. Trata-se de um desejo legítimo. Pena que pertença ao reino da utopia.