George Bush venceu as eleições americanas no ano 2000 por pouco mais de 500 votos na Flórida, o que lhe garantiu um mísero voto adicional no Colégio Eleitoral. Depois de um mês de batalha na justiça pela recontagem e uma decisão contrária às suas pretensões na Suprema Corte por 5 a 4, Al Gore reconheceu a vitória de Bush. A palavra “fraude” não foi mencionada pelo candidato derrotado.
Mário Vargas Llosa, que, como já vimos, virou cabo eleitoral de Keiko Fujimori, afirma, desde a “distante Madrid”, como ele mesmo diz, que houve fraude nas eleições peruanas.
Notícia no mesmo jornal nos informa que a primeira instância da justiça eleitoral peruana e observadores internacionais enviados para supervisionar o pleito não encontraram indícios de fraude.
Vargas Llosa insiste que a justiça não fez direito o seu trabalho e que os observadores aceitaram os resultados “por diplomacia”.
Em qualquer jogo, a última autoridade é o juiz. Podemos não concordar com a decisão, podemos xingar a mãe do juiz, mas é ele que manda. Caso contrário, instala-se o caos. Imagine se, a cada lance, os jogadores precisassem discutir entre si o que aconteceu.
Quando do impeachment de Dilma, o PT insistiu na tese do “golpe”. O impeachment seria um golpe porque não haveria crime de responsabilidade, segundo os petistas. No entanto, quem decide se houve ou não crime é o juiz. E, neste caso, os juízes eram os 513 deputados. Pode-se não concordar com a decisão, mas essa é a regra do jogo democrático. Chamar a decisão dos deputados de “golpe” é anti-democrático.
Claro que estamos falando de democracias minimamente funcionais, onde os poderes são independentes entre si. Na Venezuela, por exemplo, Legislativo e Judiciário são apêndices do Executivo, e observadores internacionais não são bem-vindos durante as eleições. Neste caso, a fraude eleitoral é estrutural.
Isso é uma coisa. Outra coisa é contestar o veredito dos juízes em uma democracia. Trump fez exatamente isso: não parou de falar em fraude mesmo depois de várias instâncias da justiça terem afirmado que as eleições haviam sido limpas. Uma postura claramente anti-democrática, digna de república bananeira. Aliás, a invasão do Capitólio foi somente a tradução em imagens dessa postura.
Aqui no Brasil, Bolsonaro está convicto de que as eleições de 2014 e 2018 foram fraudadas. É só uma convicção, não há provas. Mas isso não o impede de investir contra o juiz da partida, a exemplo do que fizeram os petistas por ocasião do impeachment.
Claro que sempre se pode dizer que todo o “sistema” está viciado, que vivemos em uma democracia de fachada, cujo único objetivo é proteger o establishment. Esse era o discurso do PT, de Trump e, agora, de Bolsonaro. Pode até ser. O problema é a alternativa a esse sistema falho. Se não for isso, é o autoritarismo do “bem”. Que só é bom para quem está do lado do “bem”.
As credenciais democráticas de Mário Vargas Llosa estão acima de qualquer suspeita. Ou, pelo menos, estavam. Duvidando da palavra dos juízes eleitorais e de observadores internacionais, Vargas Llosa demonstra que ele até pode ter saído da América Latina, mas a América Latina não saiu dele.
PS.: a votação no Peru se dá em cédulas de papel. Isso não impediu as denúncias de fraude, mesmo depois de os juízes eleitorais afirmarem que não houve fraude. O voto impresso é só mais um espantalho útil para quem não tem convicções democráticas.