Em 2020, morreram atropeladas 80 pessoas por dia no Brasil. Considerando que foi um ano de pandemia, vamos assumir conservadormente que, em média, somente metade da população tenha saído de casa todos os dias. Temos, então, uma chance em aproximadamente 1.300.000 de morrermos atropelados quando saímos de casa. Uma chance extremamente baixa, o que mostra que sair de casa é bastante seguro.
Mas, claro, existem as 80 mortes por dia. A chance é baixa, mas não zero. Agora, imagine que existisse uma campanha para que as pessoas não saíssem de casa por ser inseguro. Seriam os “anti-exit”. Cada morte no trânsito seria brandida pela campanha como uma “evidência” de quão inseguro é sair de casa. “Tá vendo, olha só, saiu de casa e foi atropelada!”
Parece ridículo, mas o raciocínio é o mesmo quando se aponta mortes e efeitos colaterais graves em quem tomou a vacina. A agência de notícias Associated Press fez um levantamento com base nos dados do CDC (Centro de Controle de Doenças dos EUA) e concluiu que, das mais de 18 mil pessoas que morreram de Covid nos EUA em maio, apenas cerca de 150 haviam sido vacinadas, ou 5 pessoas por dia.
Considerando que cerca de metade da população americana tomou as duas doses da vacina, temos uma chance em 35 milhões (por dia) de alguém morrer de Covid tendo tomado a vacina. Ou seja, é cerca de 30 vezes mais provável ser atropelado no Brasil ao sair de casa do que morrer de Covid após tomar a vacina. Um movimento “anti-exit” faria, portanto, mais sentido do que o movimento “anti-vaxx”.
Ocorre que essas 150 pessoas existem, além de outras que tiveram efeitos colaterais graves. De fato, elas morreram de Covid, mesmo tendo tomado a vacina, ou sofreram efeitos colaterais. Vivemos na sociedade da informação instantânea e sem filtros. Basta que uma pessoa tenha morrido ou tenha tido reações graves à vacina que a sua história voa nas asas das redes sociais. E aquela história, de uma pessoa concreta, tem muito mais poder sobre a mente das pessoas do que estatísticas frias. Os jornalistas sabem disso. Em qualquer matéria, a ilustrar o ponto a ser defendido, existirá ao menos uma entrevista com alguém de carne e osso que esteja vivendo aquela situação.
Os anti-vaxx acreditam em histórias, não em probabilidades. Segundo os dados levantados pela AP, pessoas que não tomaram a vacina tiveram cerca de 250 vezes mais chance de morrer de Covid do que pessoas que tomaram a vacina. É muito, e deveria servir como um incentivo à vacinação. Mas é outra a probabilidade considerada pelos anti-vaxx: em maio, a chance de morrer de Covid sem estar vacinado nos EUA foi de uma em 275 mil. Trata-se de uma chance remota de qualquer forma, e que compete com as histórias tenebrosas a respeito das vacinas.
É impossível viver sem arriscar-se. Estamos o tempo inteiro girando o tambor do revólver contra as nossas cabeças e puxando o gatilho. A bala sempre vai existir. O que podemos fazer é diminuir o máximo possível a chance de a bala parar justamente no ponto de parada do tambor. Os números levantados pela AP demonstram que essa chance diminuiu em 250 vezes nos EUA em maio. Não é zero risco. Mas nada na vida é zero risco.