Todos ficamos chocados com a proposta de financiamento do Fundo Eleitoral para 2022. Não se tem o número exato, mas se fala em algo próximo a R$ 5,7 bilhões, contra R$ 1,86 bilhões em 2020. Na verdade, a comparação mais exata deveria ser com o número de 2018, também ano de eleição presidencial, quando o fundo eleitoral foi de R$ 1,7 bilhões.
Em primeiro lugar, antes de falarmos de valores, precisamos questionar o próprio conceito de financiamento público de campanha eleitoral. Faz sentido?
Para discutir esse tema, é preciso entender a dinâmica de uma campanha eleitoral, principalmente quando envolve deputados estaduais, federais, senadores, governandores e presidente. O que é uma campanha eleitoral? Trata-se de fazer chegar ao potencial eleitor, primeiro, o conhecimento da existência daquele candidato e, depois, convencê-lo a entregar o seu voto.
Permitam-me uma pequena digressão, antes de continuarmos. Você já pensou porque a Coca-Cola investe bilhões de dólares em publicidade todos os anos? Coca é uma marca globalmente conhecida, todo mundo sabe do que se trata. Por que, então, a empresa não guarda esse dinheiro para investir em outras coisas ou simplesmente distribuir lucros para os seus acionistas? A resposta é simples: imagine que a Coca-Cola resolvesse não investir mais em publicidade. Provavelmente, em pouco tempo os consumidores começariam a se perguntar o que aconteceu. Será que a empresa está em dificuldades? Será que não existe mais? A publicidade é a forma de manter a marca viva na mente dos consumidores.
O mesmo ocorre com os candidatos. Sem publicidade, eles simplesmente não existem. Quando se faz sondagem de intenção de voto fora do período de campanha eleitoral, o que se tem como resultado, geralmente, é o recall da marca, não a intenção de voto propriamente. Então, sem campanha eleitoral, saem na frente os candidatos que, por um motivo ou outro, têm recall junto aos eleitores. Os incumbentes levam vantagem sobre os desafiadores.
A campanha eleitoral, portanto, é importante para nivelar o processo. O problema é determinar quanto dinheiro deveria ser gasto em uma campanha eleitoral. O montante não deveria ser tão pouco que não fizesse diferença, ou tão elevado que privilegiasse os candidatos com mais condições financeiras. Não acho que haja uma resposta precisa para esta questão, de modo que não sei se R$ 1,7 ou R$ 5,7 bilhões são pouco ou muito para uma campanha em um país como o Brasil.
Um pouco de histórico pode nos ajudar nesta questão. Para tanto, vou usar os dados de um trabalho espetacular feito pelo Centro de Política e Economia do Setor Público – Cepesp, da FGV.
No Gráfico 1.1, temos a evolução dos gastos de campanha nas eleições desde 2006.
Podemos observar que o pico foi nas eleições de 2014, com cerca de R$ 4,3 bilhões gastos. A partir da campanha de 2016, no entanto, as doações por parte de empresas foram proibida pelo STF, de modo que tivemos dois fenômenos: 1) aumentou a participação de fundos públicos no financiamento e 2) diminuiu o montante total disponível para as campanhas eleitorais. No gráfico 1.2, podemos observar justamente este fenômeno: o montante que anteriormente vinha das empresas foi substituído pelo financiamento público.
Aqueles R$ 4,3 bilhões de 2014, se corrigidos de outubro/2014 até hoje pelo IPCA, valeriam aproximadamente R$ 6,2 bilhões. Ou seja, o que os deputados fizeram foi basicamente restaurar o montante gasto em 2014, substituindo as doações das empresas pelo financiamento público. Na verdade, um pouco mais, pois haverá doações privadas também, o que deve elevar o montante total disponível para algo próximo a R$ 6,5 bilhões. Cabe a questão: estava errado o número de 2014 ou o número de 2018?
Em 2018, os partidos fizeram uma campanha espartana. Levou vantagem quem conseguiu explorar as redes sociais com mais habilidade, como foi o caso da campanha vitoriosa de Jair Bolsonaro. O trabalho da FGV mostra que Bolsonaro gastou meros R$ 2,5 milhões em sua campanha, contra R$ 389 milhões gastos por Dilma em 2014.
Mas este é apenas um caso extremo que ilustra uma tendência geral: os gastos em 2018 foram muito menores do que em 2014. Por exemplo, os governadores eleitos gastaram, em média, R$ 5,1 milhões em 2018, contra R$ 23,6 milhões em 2014. Ou seja, quase 5 vezes menos.
Em 2018, 20 governadores tentaram a reeleição, e 10 foram reeleitos (50%). Já em 2014, 18 governadores tentaram a reeleição e 11 foram reeleitos (61%). Ou seja, não considerando outros fatores, o índice de renovação foi maior em 2018, com menor investimento em campanha, do que em 2014, pelo menos no nível dos governadores. Um resultado contra-intuitivo.
Na Câmara dos Deputados ocorreu a mesma coisa: 47,3% de renovação em 2018 contra 43,5% em 2014. Ou seja, menos investimento em campanha eleitoral resultou em mais renovação.
Pode-se argumentar que 2018 foi uma eleição atípica, sob o signo da Lava-Jato e de um impeachment. Pode até ser. Mas o fato é que um montante bem menor de recursos, o que deveria, em tese, beneficiar os incumbentes, não foi suficiente para mudar o quadro.
Enfim, algum financiamento público de campanha eleitoral parece ser adequado, para que o poder econômico não seja determinante no resultado. Talvez uma composição como a que tivemos em 2018, 2/3 público e 1/3 privado seja interessante. Para isso, bastaria atualizar o valor de 2018 para hoje, o que significaria algo em torno de R$ 2 bilhões. O montante de R$ 6 bilhões parece definitivamente fora de qualquer propósito.