“Prefeituras poderiam ser escutadas, não só ouvidas”.
Escutar os dados é uma arte que poucos dominam. Somos, todos, reféns do viés de confirmação: damos ouvidos apenas aos dados que confirmam a nossa tese de estimação.
Pedro Fernando Nery, neste artigo, toma como exemplo a notícia da Folha sobre as tais “vacinas vencidas”, que se provou falsa como uma nota de R$3 depois que ficou claro tratar-se de atraso de registro. Neste meio tempo, claro, o medo tomou conta de uma parcela da população, em um assunto já tão sensível quanto a campanha de vacinação. Enfim, um desserviço.
A boa notícia é que essas falsas notícias normalmente não têm vida longa: os dados objetivos acabam se impondo, e a verdade é reestabelecida. Foi o que aconteceu neste caso.
Quer dizer, estou sendo um pouco ingênuo. Essas falsas notícias acabam sendo desmentidas somente para aqueles que escutam os dados. Para aqueles que têm tese de estimação, nada neste mundo é capaz de derrubar uma boa fake news. Sempre haverá “alguma coisa por trás”, tornando a tese verossímil. Aí, não tem jeito.
A coluna de Alex Ribeiro, ontem, no Valor, traz a visão do ex-diretor do Banco Central, Sérgio Werlang, a respeito da meta de inflação de 3%. Segundo Werlang, esta meta seria muito baixa, incompatível com o problema fiscal brasileiro. Outros países emergentes, que adotam a mesma meta, não teriam o nosso nível de dívida e déficit, e uma inflação mais alta seria a maneira de “queimar” essa dívida. Na verdade, Werlang fala explicitamente em reduzir os salários dos funcionários públicos via inflação, uma vez que é constitucionalmente ilegal reduzir salários no Brasil.
Bem, esse raciocínio está errado de três maneiras.
A primeira e mais óbvia é encontrar o nível de inflação que seja suficiente para sustentar o nosso déficit. Afinal, por que, digamos, 4,5% seria uma inflação melhor do que 3%? Por que não 6% ou 10%? Werlang acusa o governo de ter reduzido a meta de inflação sem mostrar um estudo convincente sobre a adequação da meta. Pergunto: onde está o estudo que demonstra o nível “ótimo” de inflação no Brasil?
Pra falar a verdade, esse nível é até fácil de calcular. Tudo o mais constante, se o déficit hoje é de 2% do PIB e precisamos gerar um superávit de 1% para estabilizar a dívida, uma inflação de 3% resolveria o problema, desde que todos os gastos do governo permaneçam congelados.
Aí é que está o problema, e que nos leva à segunda falha no raciocínio. A inflação resolve o problema do déficit no primeiro momento. Como se trata de um jogo continuo, os agentes econômicos (funcionários públicos incluídos) aprendem e exigem a reposição da inflação em seus ganhos no momento seguinte. Assim, seja a inflação de 3%, 4,5%, 10% ou 100%, se permanecer constante neste nível, já não tem efeito sobre a dívida pública, pois os gastos do governo acompanham a inflação.
Qual o truque então? Produzir surpresas inflacionárias. Uma inflação que os agentes econômicos não estavam esperando. Assim, o que queima dívida pública de maneira permanente não é a inflação, mas uma sucessão de surpresas inflacionárias.
Poderíamos recordar os tempos da hiperinflação brasileira para ilustrar o ponto. Naquele tempo, a inflação não só era altíssima, como dava saltos de tempos em tempos. Era a única forma de queimar o déficit público. Mas não precisamos ir tão longe. A gestão de Tombini frente ao BC nos deu um exemplo mais próximo de como isso funciona. Na época, a meta de inflação era de 4,5%, a qual, segundo Werlang, seria mais adequada para um país como o Brasil. No entanto, a condução leniente da política monetária fez com que a inflação ficasse constantemente acima da meta, sempre próxima do teto de 6,5%. No início, quando o BC tinha alguma credibilidade, o truque funcionou. Inflações mais altas eram verdadeiras surpresas em relação à meta que supostamente estava sendo perseguida pelo BC. Com o tempo e a repetição do jogo, os agentes aprenderam que aquela meta era fake e ajustaram as suas expectativas para cima. Resultado? Foi necessária uma inflação ainda mais alta para surpreender os agentes. Em determinado momento, a inflação explodiu na cara de todo mundo, ultrapassando de longe o teto da meta. Esta é a lógica do jogo, independentemente da meta de inflação.
Portanto, o nível da meta pouco importa. Se o problema da dívida e do déficit públicos não forem resolvidos, qualquer inflação será sempre insuficiente. Aliás, causa-me espécie que economistas bem formados ainda advoguem pela inflação como “solução” para o déficit público. Inflação não é solução para nada, é apenas a febre que indica a presença de uma infecção.
Isto nos leva à terceira falha no raciocínio. A surpresa inflacionária não somente “queima” déficit público. Ela serve também para desorganizar a vida da sociedade e dificultar investimentos, prejudicando o crescimento econômico no longo prazo. Muitas pessoas pensam que um pouco mais de inflação é justificável para manter o crescimento econômico e a criação de empregos. Apesar de esta relação ser verdadeira no curto prazo (são os ciclos econômicos), no longo prazo o controle da inflação permite um crescimento maior e mais estável.
E não custa lembrar que a inflação é o mais pernicioso dos impostos, tributando os mais pobres (que não têm como se defender) para transferir recursos que financiam o déficit do governo. O controle do déficit público que permite uma inflação mais baixa ao longo do tempo é o programa mais potente de distribuição de renda. O resto é populismo barato (ou caro).
Minha esposa está fazendo uma pós-graduação em psicopedagogia no Mackenzie. Um dos trabalhos previa entrevistar o coordenador pedagógico de uma escola pública. O grupo do qual minha esposa fazia parte entrou em contato com uma determinada escola, via diretoria. Marcada a entrevista, no dia combinado, começou a reunião por videoconferência. Por algum motivo, a coordenadora não havia sido informada que o grupo era do Mackenzie. Ao saber deste detalhe, deu por encerrada a reunião. Segundo a moça, ela não poderia colaborar com uma escola da qual saiu o ministro da Educação de um governo genocida.
Quando vi as cenas abaixo, lembrei-me desse episódio. O que aquela moça fez foi uma espécie de depredação, levada pelos mesmos sentimentos que moveram esses vândalos. Eles, como ela, se acham autorizados a fazer o que fizeram, em uma cruzada do bem contra o mal.
Deus nos livre da intolerância dos moralmente superiores, de qualquer coloração.
Em Bastardos Inglórios, uma de suas muitas cenas antológicas reúne alemães e americanos em uma taverna. Depois de alguns minutos de tensão, todos puxam suas armas e as apontam uns para os testísculos dos outros. Então, como um bom filme de Tarantino, alguém puxa o gatilho, começando a carnificina.
Neste momento, o deputado Luis Miranda resolveu puxar o gatilho. A carnificina mal começou. E, é bom lembrar, no filme, o dono da taverna não saiu vivo.
Não consigo entender porque, diante de tantas e numerosas vantagens, descritas pelos ativistas no New York Times, os governos não fazem a transição para a energia limpa. O céu está logo ali na esquina.
Talvez porque não passe de papo de vendedor. Se você entra em uma loja, o vendedor vai lhe apresentar somente as vantagens do produto. Claro, ele quer vender. As desvantagens ficam para você descobrir depois.
Então, qual a grande desvantagem da chamada “energia limpa”? A falta de confiabilidade no fornecimento.
Estamos no Brasil vivendo uma grande estiagem. À falta de água, soma-se o fato de que Belo Monte foi construída sem reservatório, justamente para preservar o meio-ambiente local, o que torna o fornecimento ainda mais dependente das chuvas. Qual a solução?Depois da crise de energia de 2001, o país investiu em termoelétricas movidas a óleo e, mais recentemente, a gás. Também investiu em eólicas e energia solar, mas estas fontes sofrem também de intermitência. Ou seja, para garantir confiabilidade ao sistema, as termoelétricas são essenciais. E, como sabemos, elas soltam gases de efeito estufa.
Os combustíveis fósseis libertaram a humanidade. Uma fonte barata, abundante e confiável de produção de energia permitiu a mobilidade praticamente irrestrita ao viabilizar automóveis e aviões, além de finalmente tornar o ser humano livre das condições climáticas, aquecendo no inverno e refrigerando no verão. As populações dos países desenvolvidos, que são os grandes produtores de gás de efeito estufa, estão acostumados há gerações com esses confortos. Estariam dispostos a abrir mão?
Claro que a tecnologia vai evoluir e teremos fontes alternativas de energia confiáveis e baratas. Quando isso acontecer, não será necessário que os governos coloquem metas de redução de emissões.