As manifestações de 2013 começaram com um aumento das passagens dos ônibus em São Paulo. O aumento havia sido de apenas R$0,20, e parecia um exagero protestar contra algo tão irrisório. Por isso, o mote que marcou as manifestações foi “não é pelos vinte centavos”.
Os R$0,20 foram a gota d’água que fez transbordar o balde da insatisfação popular. Insatisfação contra os péssimos serviços públicos oferecidos em troca de uma carga tributária escorchante. Insatisfação contra as corporações que tomaram conta do estado brasileiro, e dele extraem benefícios negados ao restante dos cidadãos. Insatisfação contra a corrupção em todos os níveis do governo. Enfim, os R$0,20 eram de fato muito pouco, mas o suficiente para acender uma reação épica. Com o mercado está acontecendo mais ou menos a mesma coisa. Os R$30 bilhões que o ministro Guedes pediu licença para gastar são uma gota d’água no oceano. Afinal, o que são R$30 bilhões para ajudar os pobres em um país tão rico?
Mas não é pelos R$30 bilhões, assim como não era pelos R$0,20. Esses R$30 bilhões são a gota d’água que transbordou o balde da paciência do mercado. Não tem dinheiro para o bolsa família, mas tem para as emendas parlamentares. Não tem dinheiro para o bolsa família, mas tem para os 2 meses de férias no judiciário e para mais um TRF. Não tem dinheiro para o bolsa família, mas tem para pagar universidades públicas para os filhos da classe média. Não tem dinheiro para o bolsa família, mas tem para pagar aposentadorias para pessoas que sequer completaram os 50 anos de idade. Não tem dinheiro para o bolsa família, mas tem para pagar pensões para filhas solteiras de militares. Não tem dinheiro para o bolsa família, mas tem para subsidiar empresas que têm o lobby mais forte em Brasília. Enfim, não tem dinheiro para o bolsa família, mas tem para manter essa máquina balofa e ineficiente chamada Estado brasileiro.
O mercado, ao contrário das pessoas, não sai às ruas para protestar. O seu protesto (o nosso protesto) é vender os ativos que vão ser corroídos pela inflação. No limite, quem pode vende todos os seus ativos e envia o dinheiro para países onde a moeda é respeitada pelo governo. Na prática, a moeda do país torna-se um mero papel pintado, e as pessoas só confiam na moeda estrangeira. Não chegamos lá ainda, mas estamos caminhando perseverantemente na direção do desastre. Nessa toada, é uma questão de “quando”, não uma questão de “se”.
Não é pelos R$30 bilhões. Essa é apenas a ponta do iceberg.