A regra para assistir a jogos de futebol é ter tomado as duas doses da vacina. Essa é a regra, concordando com ela ou não.
Bolsonaro conhecia a regra. Portanto, foi à Vila Belmiro com o objetivo de ser barrado e criar um fato político.
O não ter ainda se vacinado já é, em si, um fato político. Tentar forçar a entrada em eventos é só a sua continuidade. Fica a questão: o que Bolsonaro pensa que ganha com isso?
Hoje, aproximadamente 149,5 milhões de pessoas já tomaram a 1a dose da vacina. O eleitorado brasileiro deve estar em mais ou menos 151,5 milhões de eleitores, o que nos leva à conclusão de que praticamente 100% do eleitorado se vacinou. Portanto, Bolsonaro, em sua posição anti-vacina, está representando praticamente ninguém.
Além disso, é nada menos que óbvio que é a vacina que está permitindo a reabertura das atividades econômicas no mundo inteiro. Reabertura que um político que precisa desesperadamente de boas notícias no front econômico deveria desejar acima de tudo. Portanto, Bolsonaro deveria estar liderando a campanha pela vacinação, não fosse por outro motivo, por interesse eleitoral.
O único ganho visível dessa postura é marcar posição por um mal-entendido conceito de “liberdade”, como se ameaças à saúde pública estivessem no rol das liberdades individuais. Neste quesito, Bolsonaro fala a um pequeno grupo, longe, muito longe, de garantir-lhe maioria eleitoral. E, por outro lado, afasta um grupo bem maior, que entende a importância da vacinação em massa. Enfim, cada um sabe o que faz com sua estratégia eleitoral.
Esqueçamos por um instante as brigas internas do Novo, as posições do “dono” do partido e tudo mais. Luís Felipe D’Ávila foi escolhido o candidato do Novo à presidência.
Em entrevista hoje, D’Ávila mostrou uma virtude rara: não gastou vela boa com defunto ruim. Não houve uma menção sequer a impeachment ou “defesa da democracia”, apesar de não terem faltado críticas ao atual estado de coisas. Mas, corretamente, o candidato faz menção à estagnação econômica dos “últimos 10 anos”, e não somente dos últimos dois anos e meio.
Sobretudo, D’Ávila coloca Lula em seu devido lugar: não dá pra fazer uma reconstrução moral e ética do país com Lula na presidência. Ele não diz, mas eu complemento: a defesa da democracia inclui também evitar que Lula volte à presidência.
O candidato do Novo demonstra que não é preciso ser bolsonarista para atacar Lula. Este deveria ser o caminho de todos os candidatos da chamada “3a via”.
O prêmio Nobel da Paz foi dividido entre dois jornalistas, uma das Filipinas e o outro da Rússia. Ambos representam o jornalismo livre, que enfrenta o governo de plantão, revelando sem medo seus podres.
Imprensa livre costuma ser considerada uma das características basilares de democracias saudáveis, sendo chamada, algumas vezes, de “o quarto poder”. Mas o que é, afinal, “imprensa livre”?
Talvez seja útil começarmos pelos exemplos extremos. Por exemplo, em Cuba ou na Coreia do Norte existe somente a imprensa oficial, do regime. Neste caso, não há que se falar em imprensa livre, por definição.
O problema na definição do conceito começa a complicar quando temos imprensa não governamental. Como medir a liberdade dessa imprensa? Foi com o objetivo de responder a essa questão que o Repórteres Sem Fronteiras elaborou o World Press Freedom Index, que tem a pretensão de medir o quanto um país respeita a liberdade de imprensa.
Os critérios do índice são os seguintes:
Pluralismo: mede o grau de diversidade de opiniões na mídia
Independência da mídia: mede o quanto a imprensa consegue trabalhar longe de influências governamentais, empresariais ou religiosas
Ambiente e autocensura: mede o ambiente geral de liberdade de imprensa
Legislação: impacto das leis do país sobre a produção jornalística
Transparência: mede a transparência das instituições das quais depende a produção de notícias
Infraestrutura: refere-se ao apoio físico para a produção de notícias.
Abusos: mede a violência contra jornalistas
Os seis primeiros critérios são ponderados em um score geral, sendo que o primeiro (pluralidade) tem peso de 33,5%, os critérios 2 a 4 têm peso 16,5% e os critérios 5 e 6 têm peso 8,25%. O critério 7 (abusos) é usado para construir um segundo score, pois é possível que a violência mascare as respostas obtidas para os outros critérios. O score final é o pior dos dois.
As notas para esses critérios são obtidas através de um questionário respondido por jornalistas, sociólogos e advogados.
Bem, até aqui, os critérios do índice. Agora vamos aos resultados. O Brasil está mal colocado. Sua pontuação classifica o país como um lugar “difícil” para a imprensa, a um degrau apenas de países como Cuba e Coreia do Norte. E é aqui que começa a discussão sobre o que significa “liberdade de imprensa”.
A página do Repórteres sem Fronteiras dedicada ao Brasil gasta mais ou menos metade do seu texto desancando o governo Bolsonaro.
Quem chegasse de Marte ontem poderia ter a impressão de que, antes do atual governo, o Brasil era um exemplo de liberdade de imprensa. Nada mais longe da realidade. O gráfico abaixo mostra a evolução de nossa posição e pontuação desde 2014.
Sim, temos hoje a pior pontuação desde 2014, mas a mesma colocação que no ranking daquele ano. E a pontuação, apesar de alta (quanto maior a pontuação, pior a liberdade de imprensa), não mudou de maneira relevante nos últimos anos. Ou seja, a Repórteres sem Fronteira está fazendo proselitismo político, o que, em tese, não coaduna com a postura de jornalistas independentes. Não que tudo o que está escrito não seja verdade, mas quem não perde tempo explorando o índice sai com a impressão de que este governo é o responsável pela nota ruim do país. Jornalismo é informação e contexto, e se a pessoa sai com a impressão errada depois de ler um texto, então o jornalista falhou em sua missão.
Outro ponto que me chamou a atenção foi o trecho em que a entidade critica a concentração da mídia em mãos de poucas famílias. Essa crítica aparece na página da entidade nas edições de todos os rankings. Esse é o discurso dos petistas: a “regulação da mídia”, um tema caro ao partido, nada mais é do que retirar o “monopólio” da informação das mãos de “meia dúzia de famílias”. A “ley de medios” na Argentina, patrocinada pelo governo Cristina Kirshner, nada mais foi do que isso. Esse é o modelo. Curiosamente, mesmo com essa violenta intervenção na imprensa, a Argentina tem uma nota melhor do que o Brasil. Lembre-se de que quem preenche os questionários são jornalistas e sociólogos.
É claro que o domínio econômico sobre os “meios de produção” jornalísticos poderia levar, em tese, a um jornalismo manietado por interesses econômicos ou políticos. Mas essa não é uma realidade necessária. Se fosse, imprensa confiável seria somente aquela de fundo de quintal. E não se faz jornalismo de qualidade sem os meios materiais que somente uma grande empresa de jornalismo é capaz de proporcionar. Ao apontar a “concentração” dos meios como um mal em si, a Repórteres sem Fronteira faz um juízo que denigre a própria profissão jornalística.
A direita autoritária também não gosta da mídia, mas por outro motivo: as redações estariam “coalhadas de comunistas”. A solução para isso não é intervir no domínio da mídia, mas construir uma mídia alternativa, onde uma verdade própria é construída. De qualquer forma, isso parece ser menos invasivo do que intervir nas empresas de jornalismo profissional. Apesar de Bolsonaro não ser exatamente simpático ao jornalismo profissional, não parece ter intervindo indevidamente neste espaço. Nossa nota é ruim há muitos anos porque os jornalistas de pequenas e médias cidades são constantemente perseguidos pelo poder local sob o olhar complacente da justiça (isso está no texto também). A grande imprensa nacional é sim livre, podendo fazer crítica aos governantes de plantão sem problemas.
O prêmio Nobel foi designado a dois jornalistas que verdadeiramente sofrem perseguição em seus países. A nota da Repórteres sem Fronteira para Filipinas e Rússia são, respectivamente, 45,64 e 48,71, contra 36,25 do Brasil. Segundo a Repórteres sem Fronteiras, não estamos tão mal quanto esses dois países, mas estamos chegando lá. Quem sabe com a “regulação da mídia” proposta pelo PT não melhoremos o nosso ranking.
Para quem não está familiarizado com essa sopa de letrinhas, explico. ESG é a sigla em inglês que denomina os esforços das empresas para cumprirem uma agenda de apoio a questões ambientais, sociais e de governança corporativa (Environment, Social & Governance). IPO é a abertura do capital de uma empresa na bolsa, através da oferta de suas ações para o grande público (Initial Public Offering).
Uma empresa de gestão de resíduos batizada com o sugestivo nome ESG tentou abrir o seu capital na bolsa, mas não encontrou compradores para as suas ações a um preço razoável. Desistiu.
Ao adotar a sigla ESG como o nome da empresa, seus dirigentes devem ter achado uma grande sacada surfar na onda de “investimentos conscientes” que tomou conta do mercado e, por que não dizer, da sociedade. Afinal, uma empresa ESG mereceria uma maior atenção e complacência por parte dos investidores, que topariam pagar mais caro para ter o nome ESG estampado em seus portfólios. Descobriram que os investidores ainda fazem conta e, como tudo, ser ESG tem um preço.
Este não é um evento isolado. A China anunciou metas agressivas de cortes de emissão de gases de efeito estufa. Com limitações na produção de energia decorrentes dessas metas, várias de suas cidades estão enfrentando apagões, prejudicando a produção da fábrica do mundo e espalhando o receio de uma desaceleração da locomotiva do planeta. Um dos motivos para a queda recente das bolsas é esse. Os investidores já começam a pensar se essas metas de redução de emissão não estão agressivas demais.
O preço do petróleo está nas alturas e continua subindo. Mesmo assim, o leilão de áreas de exploração da ANP foi um fracasso completo. Apesar de haver questões ambientais envolvidas, o fato é que os produtores de petróleo já começam a avaliar se vale investir na exploração do ouro negro em uma economia em transição energética. Sem investimentos em produção, o preço sobe. Resultado: gasolina mais cara. Como queremos um mundo melhor mas com gasolina barata, o governo vem se virando nos trinta para achar uma solução para os preços dos combustíveis.
Todo mundo é a favor do bem e contra o mal. Fala-se em conter o aquecimento global como se fosse o bem absoluto, um objetivo contra o qual somente empresas malvadas que visam o lucro acima de tudo se oporiam. O fato é que a transição energética envolve custos, e não somente para as empresas, mas para sociedade como um todo. Estamos dispostos a pagar mais caro pela energia e pela comida? Pois é disso que se trata.
O fracasso do IPO da ESG não poderia ser mais simbólico das dificuldades da agenda ambiental.
Interessante levantamento sobre parcerias público-privadas é repercutido hoje no Estadão. Trata-se de uma espécie de censo do avanço desse tipo de parceria no país.
Lembrei da grande repercussão negativa que causou o pedido, por parte do governo federal, de um estudo a respeito de possíveis parcerias no âmbito do SUS. Lembro da histeria que tomou conta da bancada da Globo News, que gastou horas debatendo a “privatização” do SUS. “Debatendo” é modo de dizer, porque em um debate há ideias diversas sendo discutidas. No caso, havia uma unanimidade: o SUS jamais deveria ser “privatizado”. Claro que todos os jornalistas ali presentes nunca devem ter colocado os pés em um hospital público.
A reportagem cita o exemplo de um hospital de Salvador, sob responsabilidade do governo do PT, e que firmou parceria de administração com a iniciativa privada. Um escândalo, que não teve a devida repercussão na Globo News e na imprensa em geral. Afinal, “privatizaram” um hospital público. Onde estão os defensores do SUS?
Cada vez me convenço mais de que o ideal para o Brasil seria um governo de esquerda, que acalma a consciência da inteligentzia tupiniquim, com ideias de direita, que são as que funcionam. Se existisse tal bicho, claro.
Era uma vez um mundo sem divisões e ódios. As pessoas viviam em harmonia e guerras eram apenas tema de obras de ficção. A paz era a norma e os almoços de família transcorriam em perfeita fraternidade.
Desgraçadamente, em 2004 esse quadro idílico começou a mudar. O surgimento do Facebook e, depois, do Instagram e do WhatsApp, introduziu a semente do ódio entre os seres humanos. Tal qual o fruto proibido comido por Adão e Eva, os aplicativos de Zuckerberg introduziram o mal no mundo. E o pior, a serpente Zucka é movida pelo pior dos pecados: a busca pelo lucro acima de tudo.
A solução? O Deus-Estado deve intervir, para que a paz e a harmonia voltem a reinar entre nós. É preciso esmagar a cabeça da serpente, é esse o clamor dos povos, que não suportam mais tanto ódio e divisão.
A nova fórmula de cálculo do ICMS, proposta pelo presidente da Câmara, é a seguinte: o imposto incidiria sobre a média de preços dos combustíveis nos últimos dois anos, e permaneceria fixo durante um ano. Essa fórmula retiraria permanentemente receitas dos estados somente na implausível hipótese de que o preço do petróleo subisse para sempre. Caso o preço do petróleo caísse (o que um dia vai acontecer, como sempre aconteceu), os estados vão travar um preço mais alto do petróleo durante algum tempo.
O efeito sobre os preços dos combustíveis é que o repasse tanto da alta quanto da baixa do preço do petróleo será mais lento. Quando o preço do petróleo baixar no mercado internacional, é bem provável que subamos vários lugares no ranking dos combustíveis mais caros do mundo.
Do ponto de vista de arrecadação de longo prazo, dá na mesma: o que não for arrecadado agora será compensado no futuro, com bases de cálculo mais altas do que aquelas que seriam justificadas pelos preços correntes do petróleo.
Do ponto de vista de sinalização para o consumidor, trata-se de medida distorsiva: o preço alto do petróleo sinaliza escassez, o que deveria ser acompanhado por redução do consumo. O preço mais baixo artificialmente leva a uma demanda incompatível com a oferta do produto. E vice-versa: quando o preço do petróleo cair, a demanda ficará aquém da oferta, pois o preço do combustível estará artificialmente alto.
Finalmente, do ponto de vista da inflação, essa metodologia representará um alívio imediato, mas ao custo de uma queda da inflação mais lenta ao longo do tempo, quando o preço do petróleo cair. Particularmente, acho que essas fórmulas ad hoc introduzem mais distorções que benefícios. Mas o populismo tarifário sempre fala mais alto.
No meu colegial, optei por um curso técnico de informática. Processamento de dados, chamava-se na época. Não cheguei a terminar o curso, mas aprendi o suficiente para arranjar meu primeiro emprego: professor de Basic, uma linguagem de programação, em uma das muitas escolinhas de informática que começavam a pulular pelo país. O ano era 1983, e donas de casa, estudantes e profissionais das mais diversas formações vinham aprender o que fazer com aquela geringonça, que não passava de uma máquina de escrever mais sofisticada. Eu achava aquele aparelho meio inútil, considerando o preço, nada atrativo em função da nossa brilhante Lei da Informática.
Comprei meu primeiro computador pessoal somente em 1997. O que me fez mudar de ideia? A internet. Foi com o advento da internet que comecei a ver valor agregado suficiente para compensar o investimento.
Hoje estamos mergulhados na internet. Nós não notamos a presença do ar, a não ser quando nos falta. A falha nos aplicativos de Mark Zuckerberg nos fez notar o quanto dependemos da internet. Mas já chegaremos lá.
Como dizia, estamos mergulhados na internet. Mas nem sempre foi assim. No banco onde eu trabalhava, uma grande multinacional inglesa, lembro quando a internet chegou. Ela ficava isolada em um computador solitário, onde as pessoas podiam fazer suas consultas. Os computadores pessoais dos funcionários não estavam ligados na rede mundial. Como toda tecnologia nova, havia muito receio de “contaminação”. Os ciberataques atuais demonstram que esses receios não eram infundados. Mas a esperança venceu o medo e, depois de algum tempo, todos puderam ter acesso à internet em suas próprias máquinas. Isso faz pouco mais de 20 anos. Imagine agora um mundo sem internet. Ontem, o Facebook e seus irmãos menores saíram do ar. Foi um caos. Imagine agora que, por algum misterioso motivo, toda a internet caísse para não mais retornar. O efeito provável seria uma desaceleração da atividade econômica global que deixaria o que aconteceu durante a pandemia no chinelo.
Somos hoje absolutamente dependentes da internet. Mas, por mais incrível que possa parecer, um dia vivemos sem ela. Há 30 anos, poderíamos estar escrevendo como seria o mundo sem os grandes computadores, que haviam revolucionado processos administrativos e de produção. E, no entanto, 70 anos atrás, não havia computadores. Assim como há 120 anos não havia automóveis e há 250 anos não havia máquinas a vapor. Cada uma dessas conquistas tecnológicas elevou o patamar de conforto da humanidade, ao melhorar a eficiência dos processos produtivos e comerciais. Um pobre de hoje vive com mais conforto que um rico de 200 anos atrás.
Daqui a 20 ou 30 anos, alguém estará escrevendo sobre como seria o mundo sem [preencha aqui]. Alguma nova tecnologia dominante está, neste momento, sendo gestada, e não conseguimos imaginar o que nos estará “escravizando” daqui a 20 ou 30 anos. Uso a palavra “escravizando” porque, a se julgar pelas matérias sobre a queda de Facebook e cia, a dependência desses aplicativos é tão grande que nos tornamos seus escravos.
Se pensarmos bem, somos escravos de todas as tecnologias que criamos. Não conseguimos imaginar nossas vidas sem elas. É de sua natureza que seja assim. Acostumamo-nos com o novo nível de conforto, e seria muito doloroso dar um passo atrás. A constatação de que dependemos dos aplicativos do Zuckerberg é o mesmo que constatar que dependemos do elevador em um prédio de 20 andares. É só dependência tecnológica, nada de novo desde a Revolução Industrial.
Em uma noite de setembro de 2017 recebi um telefonema devastador: meu pai, que já estava extremamente debilitado por um Parkinson agressivo, tinha sofrido um AVC. Fui até o hospital da Prevent Senior onde ele havia sido internado.
Depois de me mostrar as radiografias e tentar me explicar, da melhor maneira possível, o que havia acontecido, o médico deu seu veredito: o cérebro do meu pai estava irremediavelmente perdido, ele viveria como um vegetal dali em diante e, provavelmente, não por muito tempo. Junto com ele estava uma médica paliativista. Era a primeira vez que eu ouvia falar dessa especialidade. Com muita delicadeza, ela me explicou que, dali em diante, havia pouco o que o hospital pudesse fazer. O melhor procedimento seria mantê-lo em casa, para que vivesse seus últimos dias cercado dos cuidados da família.
Claro que desconfiei daquilo. A primeira coisa que você pensa é que o hospital paga esses profissionais para poupar custos. Não tive dúvida: depois da alta, procurei um médico de minha estrita confiança, ao preço de R$ 1.100 a consulta. Coloco o preço da consulta como uma demonstração da experiência do médico.
Este médico, após examinar meu pai, reuniu a família para dar o veredito: meu pai ficaria melhor longe dos hospitais. O mais adequado para ele, naquele momento, seria receber cuidados paliativos. Em um hospital fariam de tudo para mantê-lo vivo, prolongando artificialmente uma vida que a natureza já dava insistentes sinais de que estava chegando ao fim. Exatamente o mesmo arrazoado da médica da Prevent. Meu pai veio a falecer 5 meses depois.
Fiz questão de contar essa história porque esse tema dos cuidados paliativos foi uma das acusações que os médicos anônimos fizeram ao plano de saúde. A minha experiência é só a minha experiência, mas mostra que esse assunto é realmente muito delicado e pode ser facilmente confundido com controle de custos.
O fato é que as pessoas querem um plano de saúde que garanta a vida eterna a preços módicos. A vida não tem preço, mas mantê-la custa caro. Eu poderia ter batido o pé e internado meu pai para mantê-lo vivo, na esperança de que, um dia, ele acordaria de seu estado vegetativo. Quanto tempo mais ele viveria, sofrendo entubado em uma cama de hospital?
A Prevent Senior é uma empresa. Como tal, deve gerar lucro para sobreviver e continuar a oferecer os seus serviços. Eu fico aliviado toda vez que ouço dizer que a Prevent tem muito lucro. Isso significa que os planos que oferece, de custo razoável, são suficientes para fechar a conta. O fato de buscarem redução de custos não é pecado, é virtude. Claro, sempre no melhor interesse razoável de seus clientes.
Minha sogra tinha um seguro-saúde da Sul América, que custava mais de R$ 3 mil por mês. Isso há mais de 5 anos. Meus pais eram clientes da Prevent há muitos anos, sempre muito satisfeitos com o atendimento. Fomos pesquisar, exatamente como preconiza a reportagem do jornal: a Prevent tinha menos reclamações por segurado do que a Sul América, tanto na ANS quanto no Reclame Aqui.
O segredo é simples: como a Prevent é verticalizada, não há discussão sobre coberturas: cliente da Prevent entrou em um hospital da Prevent, tudo ali vai ser coberto. Grande parte das reclamações contra planos de saúde se dá pelas coberturas, o que vai ser pago pelo seguro, o que vai ser pago pelo segurado. Na Prevent não tem isso, tudo ali é pago pela Prevent. Nesse sentido, funciona como o SUS.
Agora, a Prevent está no olho do furacão. A reportagem afirma que “todos” esperam que a Prevent seja punida pelos seus malfeitos, mas que o plano continue a prestar os seus serviços, pois não há alternativa mais eficiente. Quase uma contradição em termos.
O grande pecado da Prevent teria sido o de forçar a prescrição do chamado “kit tratamento precoce”. Ora, se a operadora tem como objetivo o lucro, seria no mínimo uma contradição receitar remédios ineficazes contra uma doença. Se o fez, é porque estava convicta de que funcionavam. Aliás, há um grande ausente na reportagem: o Conselho Federal de Medicina. Como órgão regulador da atividade médica, seria ele a determinar o limite entre medicina e curandeirismo. Por que não foi ouvido pela reportagem?
A matéria clama por mais supervisão. A lógica é que a operadora privada vai sacanear seus clientes se não houver supervisão do Estado. Como se uma empresa que sacaneia seus clientes de maneira contumaz não estivesse fadada ao fracasso. No limite, vamos todos para o SUS, onde é o Estado que atende diretamente o cidadão. Nesse caso, não há que se falar em interesses privados na relação hospital-médico-paciente. Sem a iniciativa privada estragando tudo, o SUS deveria ser um modelo de atendimento da população. A julgar pela procura por planos privados, não é o que acontece. Por algum estranho motivo, as pessoas preferem pagar para serem sacaneadas pela iniciativa privada.
Da forma como eu vejo, o que temos hoje é uma empresa que foi apanhada (provavelmente em função do ego de seus fundadores, que achavam que encontrariam a cura da Covid) em um enredo político. Tem os seus podres, como toda empresa os tem. Seus clientes, no entanto, estão, em geral, satisfeitos. Daqui a alguns meses, a vida voltará ao normal: a Prevent continuará funcionando normalmente para os remediados que podem pagar os seus planos, enquanto os políticos da CPI continuarão se internando no Sírio, que ninguém é de ferro.