Na vibe da conferência do clima em Glasgow, o Estadão publicou reportagem sobre o desafio de zerar as emissões de gás carbônico. Segundo o relatório Net Zero Carbon, da Associação Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), o consumo de petróleo deveria ser reduzido dos atuais 96 milhões de barris/dia para 24 milhões barris/dia, uma redução de 75% em relação ao atual nível de consumo de petróleo. A projeção está no gráfico a seguir:
Resolvi fazer algumas contas para entender o tamanho do desafio. Assumi que todo esse petróleo deveria ser substituído por energias renováveis. Mas qual é exatamente a equivalência?
Para responder a essa primeira questão, é necessário saber a conversão de energia entre uma fonte e outra. Encontrei o site da Cegás, a companhia de gás natural do Ceará, que traz uma tabela de equivalência aqui. Segundo esta tabela, um barril de petróleo equivale a 150 m3 de gás natural e, ao mesmo tempo, 1 m3 de gás natural equivale a 10,92 kWh. Fazendo uma regrinha de 3 simples, chegamos na seguinte equivalência:
1 barril de petróleo = 1.639 kWh = 1,64 MWh (megawatts hora)
Em português, um barril de petróleo produz o equivalente a 1,64 MWh de energia. Portanto, a produção de 96 milhões de barris/dia equivale a 157,44 milhões de MWh por dia.
Para evitar grandes números, vamos transformar os MWh em TWh (tera watts hora): cada TWh equivale a 1 milhão de MWh. Assim, 96 milhões de barris/dia equivalem a 157 TWh/dia.
Como um ano tem 365 dias, temos 157 x 365 ~ 57.300 TWh/ano. Esta é a geração de energia em um ano de toda a produção de petróleo do planeta.
Voltando à meta da IEA, deveríamos cortar 75% desse produção, o que equivale a 0,75 x 57.300 ~ 43.000 TWh/ano. Este é o total de energia renovável que deveria ser produzida para substituir esse tanto de petróleo. Guarde este número.
A próxima questão é: quanto de energia renovável é produzida hoje? Encontrei esta informação no site da Sociedade de Investigações Florestais (aqui). Segundo o artigo, em 2019 foram produzidos aproximadamente 25.700 TWh de energia elétrica no mundo. No gráfico abaixo, temos a distribuição das fontes dessa energia ao longo do tempo, segundo a IEA:
Observe duas coisas:
- Grande parte da energia elétrica tem sua fonte no carvão (38%), no gás natural (23%), e no óleo combustível (3%), totalizando 64% de fontes emissoras de CO2 e
- A produção de renováveis equivale a 25% do total de 25.700 TWh, ou 0,25 x 25.700 ~ 6.430 TWh/ano.
Na verdade, este número é um pouco maior, considerando que estamos trabalhando com a proporção de 2017, e esta proporção vem aumentando. Vamos trabalhar com o dado do IEA, que pode ser encontrado aqui, e pode ser visto no gráfico a seguir:
Vamos, então, trabalhar com 7.000 TWh de produção de energia elétrica de fontes renováveis em 2019.
Lembremos agora que, para o consumo de petróleo cair 75%, precisamos produzir 43.000 TWh/ano de energia “limpa”. A produção atual de energia renovável é de 7.000 TWh/ano. Portanto, precisaríamos multiplicar a produção atual por aproximadamente 6 vezes.
Se quisermos, além disso, substituir as fontes sujas de energia elétrica, teríamos que produzir adicionais 64% x 25.700 TWh ~ 16.500 TWh/ano. Somados com os 43.000 TWh/ano para substituir o petróleo, teríamos 59.500 TWh/ano, ou 8,2 vezes a produção atual.
Mas, não consideramos o mais importante nessa conta: o aumento do consumo de energia ao longo dos próximos 30 anos. Esta é uma questão importante, pois a produção de energia renovável precisa não apenas substituir o petróleo e o carvão atuais, mas precisa também substituir o petróleo e o carvão do futuro.
Vamos recuperar os números vistos até o momento para entender o impacto desse crescimento. Vimos que:
- A produção de petróleo equivale a 57.300 TWh por ano.
- A produção de eletricidade equivale a 25.700 TWh por ano.
Por uma questão de simplicidade do raciocínio, e sem perder muita precisão, vamos assumir que toda a energia do mundo tenha somente essas duas fontes, e que o petróleo não seja usado para produzir eletricidade. Temos, então, um total de 57.300 + 25.700 = 83.000 TWh por ano de produção de energia no mundo.
Agora, vejamos uma estimativa para o aumento da demanda por energia nos próximos 30 anos.
A EPE (Empresa de Pesquisa Energética) estima a elasticidade da demanda de energia elétrica em relação ao crescimento do PIB em 1,5 (aqui). Ou seja, para cada 1% de crescimento do PIB, há um aumento de 1,5% de crescimento no consumo de energia elétrica. Vamos assumir essa elasticidade para o consumo global de energia.
Digamos que o crescimento do PIB global nos próximos 30 anos seja de míseros 2% ao ano. Teríamos, então, um crescimento de 3% (2% x 1,5) ao ano no consumo de energia. Ou seja, somente para acompanhar o crescimento do PIB, a produção de energia deveria crescer 1,03^30-1 = 142%. Ou, teríamos que ter uma produção adicional de 83.000 x 142% ~ 118.000 TWh de energia.
Resumindo, o desafio é o seguinte:
- Temos que substituir 75% do petróleo produzido hoje, totalizando 43.000 TWh de energia por ano.
- Temos que substituir as fontes “sujas” de energia elétrica, totalizando 16.500 TWh de energia por ano.
- Temos que fazer frente ao aumento do consumo de energia nos próximos 30 anos, sem considerar contar com fontes “sujas”, no valor total de 118.000 TWh de energia por ano.
- Total = 43.000 + 16.500 + 118.000 = 177.500 TWh/ano
Lembrando que, em 2019, tínhamos uma produção de 7.000 TWh/ano de energia renovável. É factível esperar um aumento de produção nessa magnitude?
No gráfico a seguir, a IAE estima a adição de capacidade instalada de geração de energia elétrica de fontes renováveis para os próximos anos, ano após ano:
Segundo o IAE, em 2019 foram adicionados 225 GW (gigawatts) ou 0,225 TW (terawatts) de capacidade de geração de energia elétrica de fontes renováveis. Isto significa uma capacidade de gerar 0,225 x 24 horas x 365 dias ~ 2.000 TWh de energia por ano.
Podemos observar que há duas previsões. A primeira (main case) apresenta um crescimento da capacidade de geração de energia limpa de 190 GW em 2019 para 225 GW em 2025, um aumento de 2,9% ao ano aproximadamente. Já no caso “acelerado”, em 2025 estaríamos aumentando 310 GW de energia em 2025, um crescimento de 5,5% ao ano.
Considerando que se trata da soma de uma progressão geométrica com razão 5,5% ao ano, termo inicial 2.000 TWh e 30 anos, temos:
Main case: Soma PG = 2.000 (1,029^30-1) / (1,029 – 1) ~ 93.500 TWh
Caso acelerado: Soma PG = 2.000 (1,055^30-1) / (1,055 – 1) ~ 145.000 TWh
Lembrando que a necessidade é de 177.500 TWh que vimos acima, mesmo no caso acelerado ainda não conseguiríamos chegar na substituição necessária, ainda que não fiquemos longe. No “main case”, ficamos muito distantes.
Enfim, trata-se de um exercício simples e bem limitado. Não sou especialista na área, trabalhei apenas com dados que encontrei na internet e fiz algumas contas. Se algum especialista encontrar algum erro grosseiro, por favor, terei prazer em corrigir.