O ex-presidente Michel Temer escreveu um artigo na Folha supostamente defendendo a sua cria, a regra do teto de gastos. Segundo Temer, a miséria pós-pandemia seria suficiente para a decretação de um estado de calamidade, o que permitiria continuar pagando um auxílio emergencial por fora do teto.
Essa ideia tem dois problemas.
O primeiro, óbvio, é que se trata de um gasto por fora do teto. Ou seja, mantém-se o teto formalmente mas, na prática, a regra deixa de ter efeito para esses gastos. Defender o teto e, ao mesmo tempo, burla-lo, parece ter se tornado uma especialidade dos nossos políticos. E, apesar de ter sido o pai do teto, Temer continua sendo um político.
Assumindo-se que teremos um novo decreto de calamidade pública, vamos para o segundo problema: qual o critério? Em 2020, com toda a economia fechada, não houve dúvida, não foi necessário um critério objetivo, estava na cara de todo mundo. Em 2021, por outro lado, foi preciso um exercício de contorcionismo para estender o auxílio, e o mercado estressou por causa disso. O forte repique da pandemia em março e a aprovação dos “gatilhos” do teto de gastos fizeram o serviço para que o mercado “aceitasse” a extensão do auxílio pela segunda vez. Uma terceira extensão do auxílio, além de merecer música no Fantástico, precisará de um critério objetivo para a sua justificação. Afinal, miseráveis sempre existiram no país. Por que um decreto de calamidade pública só agora? Será porque acabou o espaço no teto, e esses recursos para os pobres competem com os recursos das emendas parlamentares e fundo partidário?
Digamos que a ideia seja séria. Se não quisermos que, todo ano, tenhamos um decreto de calamidade para tirar o auxílio aos pobres do teto, será necessário estabelecer um critério. Desemprego? Renda média da população? Número de reportagens sobre pessoas comendo ossos? Qual seria o critério para estabelecer que, nesse ano, não temos miséria suficiente para decretar calamidade? É óbvio que se torna uma política permanente.
Para deixar a hipocrisia de lado, o governo deveria tirar o pagamento desses auxílios e do bolsa família do teto de gastos. No entanto, ao estar fora do teto, deixa de haver limites. E o que não falta no Brasil são necessitados. O problema, claro, é que mais gastos por fora do teto, na prática, fazem a regra perder efeito. E o mercado e o BC reagem, aumentando os juros, o que desacelera a economia, prejudicando principalmente os mais pobres. Fora a inflação.
Enfim, não há atalhos para acabar com a miséria. Os que parecem existir, não passam de mecanismos que, no final da linha, a perpetuam. O único caminho é abrir espaço no orçamento para ajudar os mais pobres. Fazer de conta que o orçamento é ilimitado só leva a mais miséria ao longo do tempo.