Constrangedor

Quando Mário Covas subiu no palanque de Lula, no 2o turno das eleições de 1989, o gesto foi algo natural. Afinal, Lula era o representante da esquerda, e Covas sempre foi um político de esquerda, apesar de ter privatizado o Banespa e ter repassado a Nossa Caixa para o Banco do Brasil. Tem muito político “de direita” que não quer ouvir falar de privatizar banco estatal. Foi a primeira e única vez que votei em Lula.

Lembremos: o ano era 1989. O PT era apenas uma promessa. Havia eleito poucos mandatários até então, sendo a de maior destaque Luiza Erundina na cidade de São Paulo. O partido era uma página em branco.

Fast forward para 2021. Tivemos o mensalão. Tivemos o petrolão. Lula foi preso com sentença confirmada em três instâncias e só está solto com direitos políticos intactos porque inventaram um conluio entre o juiz e os procuradores, como se as provas levantadas tivessem sido inventadas.

Apoiar o PT em 1989 tinha a desculpa da ignorância. Apoiar o PT em 2021 não tem mais desculpa. Covas, nas eleições de 1998 para o governo de São Paulo, foi para o 2o turno contra Paulo Maluf. Na campanha, mandou espalhar outdoors pela cidade com a foto de um garotinho e, do lado dele, a frase: “papai, é bonito roubar?”. Uma bela sacada, que serviria em uma campanha contra Lula.

Vivo estivesse, não tenho dúvidas de que Covas, se por um lado, se oporia veementemente a Bolsonaro, por outro não sei se faria essa festinha para Lula. Ele não costumava entrar em roubada, se é que me entendem.

Alckmin era a cria política de Covas, tendo sido seu vice na mesma campanha de 1998 e depois assumindo o governo após a morte do governador, em 2001. Desde então, foi governador de São Paulo n vezes e conseguiu a façanha de ter menos votos no 2o turno do que no 1o na campanha de 2006, um ano depois do mensalão. Protagonizou a cena que talvez tenha sido a mais constrangedora da política brasileira, ao vestir um jaleco com os símbolos das estatais, renegando a obra de seu padrinho político.

Nada mais natural que hoje Alckmin se sinta “honrado” em ser lembrado por Lula para ser seu vice. Alckmin caiu em ostracismo depois do vexame da eleição de 2018 e de perder o partido para o seu afilhado Doria. Ser lembrado é, antes de mais nada, um afago no seu ego, mais do que uma escolha política. Talvez seja mais constrangedor que o jaleco das estatais.

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