O Estadão mantém uma seção de “fact checking”, em que classifica as notícias que circulam na internet em três categorias: verdadeiro, enganoso ou falso. A notícia de que os artistas estariam fulos da vida com o governo Bolsonaro porque “a mamata da Lei Rouanet” teria acabado é classificada como enganosa. Ou seja, há elementos de verdade, mas a notícia leva a conclusões falsas.
Pra não variar, o jornalista faz um trabalho bem meia boca. Até fez uma pesquisa, descobrindo que shows com Ivete Sangalo (o alvo dos posts bolsonaristas) foram patrocinados com recursos recebidos ao amparo da Lei. Mas afirma, candidamente, que os recursos não foram diretamente para a cantora, mas para a empresa de shows. Sério isso? A cantora então fez a sua performance sem receber nada? Realmente…
A checagem peca de duas formas, uma mais conceitual e outra mais prática. Do ponto de vista conceitual, esses posts são falsos porque os artistas, de maneira geral, são contra Bolsonaro no matter what. É uma questão de “lado”. Mesmo que as verbas da Lei Rouanet fossem triplicadas, Ivete Sangalo ainda assim incentivaria o coro “fora Bolsonaro” em seus shows.
A parte prática, óbvia, e que faltou no levantamento do jornalista, é comparar o financiamento cultural pela Lei Rouanet ao longo dos anos e compará-lo com o montante financiado durante o governo Bolsonaro. Houve efetiva redução? A resposta, aparentemente, é não.
Em reportagem de dezembro de 2018, um levantamento patrocinado pelo ministério da Cultura e realizado pela FGV comemorava o fato de que, para cada R$1,00 investido ao amparo da Lei Rouanet, R$1,59 havia voltado para a sociedade.
Essa mesma reportagem nos informa que esse montante que “retornou” para a sociedade (discutiremos esse conceito em outro post), totalizou R$49,8 bilhões entre 1991 e 2018. Fazendo uma regrinha de três, temos um montante total investido sob a Lei de R$31,3 bilhões. Considerando-se 27 anos, temos uma média anual de aproximadamente R$1,2 bilhões (valores já atualizados pela inflação do período). Pois bem, o governo Bolsonaro liberou R$4,9 bilhões desde o início do seu governo, ou R$1,6 bilhão ao ano. Acima, portanto, da média histórica. Infelizmente, não encontrei os dados ano a ano, o que poderia acrescentar detalhes interessantes a essa história.
Resumindo: Bolsonaro não só não acabou com a Lei Rouanet, como liberou mais dinheiro do que governos anteriores. Portanto, Ivete Sangalo não incentivou as vaias a Bolsonaro porque “a mamata acabou”. O post é falso nesses dois sentidos, mas nenhum deles foi levantado pela agência de checagem.
Prometo um outro post para discutir o tal “retorno” de 59% (R$1,59 para cada R$1,00 investido) dos incentivos da Lei Rouanet.