Empenho nas reformas

Tenho ouvido muita gente que duvida da capacidade ou da convicção de Lula tocar para frente as reformas de que o país tanto necessita.

Acho injusto. Basta ver o empenho que ele colocou nas reformas do triplex e do sítio. Não economizou esforços! Acredite, o país estará em boas mãos.

Uma contradição em termos

O Brazil Journal publicou uma entrevista com Guilherme Aché, fundador da Squadra, uma gestora de fundos de ações. Aché ficou famoso por levar o IRB às cordas, ao denunciar a manipulação de seus balanços. É um típico representante da famosa “Faria Lima”, o tal do mercado financeiro.

Abaixo vão dois trechos de sua entrevista. Certamente ele não notou a profunda contradição entre os dois.

No primeiro, ele lamenta que o investidor estrangeiro não esteja nem um pouco interessado na bolsa brasileira. Um desses investidores cita o clássico Why The Nations Fail para ilustrar o Brasil. E o que diz o livro? Basicamente, que as nações atingem diferentes graus de desenvolvimento porque algumas têm instituições que funcionam e outras não. O desenvolvimento não depende das “riquezas naturais” ou de um povo que “trabalha duro”. A riqueza das nações é função de instituições, tais como uma justiça que funciona para todos e respeito aos contratos e à propriedade privada. O que este estrangeiro quis dizer é que o Brasil, com suas instituições falhas, não vai chegar a lugar algum.

Vejamos agora o segundo trecho. De acordo com o gestor, Lula vai caminhar para o centro, vai escolher pessoas como Marcos Lisboa e Paulo Hartung para assessora-lo, e vai trazer o mercado para o lado dele. Com isso, a bolsa vai subir.

Não vou aqui entrar no mérito da probabilidade de isso, de fato, acontecer. E, se acontecer, é bem provável que o mercado se jogue no colo de Lula e a bolsa suba. Meu ponto é outro.

Há uma contradição em termos entre os dois trechos. O Brasil é visto pelo estrangeiro como um país não sério justamente porque esse é o país do “jeitinho” e do “sabe com quem está falando”. Em qualquer país sério (com instituições que funcionam) um partido como o PT já teria sido proscrito depois do mensalão e do petrolão. Não só isso não aconteceu, como Lula, que estaria preso em qualquer país com instituições funcionando, é favorito para ganhar as próximas eleições.

E nem acho que o problema seja este ou aquele ministro do STF, ou este ou aquele político. O ponto é que Lula conta com o apoio de quase 50% dos brasileiros, o que demonstra que nossas instituições são a cara do nosso povo e das nossas elites. Os operadores são contingenciais. Estes vão sair e entrarão outros. Mas as instituições permanecerão as mesmas.

O fato de um autêntico “farialimer” nem notar a contradição entre uma candidatura Lula e um país levado a sério pelos investidores estrangeiros só demonstra o buraco em que nos encontramos.

Complô

Na análise que vai a seguir, vou assumir que Bolsonaro não é um sonso. Ou seja, ele sabe exatamente o alcance e significado das palavras. Trata-se de uma hipótese plausível, para um sujeito que chegou ao cargo máximo da República.

Também vou assumir que Bolsonaro esteja sendo sincero em sua surpresa diante da carta de Barra Torres. Afinal, ele não menciona a palavra “corrupção”. Portanto, não foi de corrupção a acusação.

Então, do que se trata? Voltemos à fala do presidente, reiterada em entrevista à Jovem Pan: “o que está por trás do que a Anvisa vem fazendo”? Bem, se a premissa inicial estiver correta, Bolsonaro sabe que essa frase significa desconfiança de que há algum conflito de interesses nas decisões da agência, que não estaria seguindo os critérios técnicos que deveriam ser o único critério para os seus atos.

Tomando por base a segunda hipótese, a de que o interesse conflitante não seria fruto de corrupção, o que seria então?

Para quem tem contato com as bolhas bolsonaristas mais profundas, a resposta é óbvia: a Anvisa estaria fazendo parte de um grande conluio dos globalistas para a implementação de controle social, com o objetivo de acabar com a liberdade dos cidadãos e subjuga-los a um grande governo global totalitário. As campanhas de vacinação seriam apenas mais uma parte do grande plano de dominação, a Nova Ordem Mundial.

Se o que vai acima parece um delírio, é porque é mesmo. Mas, acredite: Bolsonaro se acha ungido para contrapor-se a esse suposto movimento global, e seus mais fiéis seguidores acreditam nisso. Quando o presidente acusa a Anvisa de “segundas intenções”, se não é a isso que se refere e nem à corrupção, fica o desafio de dizer qual é a acusação.

Barras Torre, sendo um homem comum, só conseguiu pensar na hipótese da corrupção. Se houvesse pensado na outra, ao invés de indignado, provavelmente teria caído na gargalhada.

Tunga, mas não mata

Em 28/04/2018, no início da campanha eleitoral daquele ano, o então candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, afirmou, em encontro com lideranças sindicais, que “se o imposto (sindical) tem imperfeições, vamos corrigi-las”.

Na ocasião, declarou-se contra o fim do imposto sindical. A repercussão foi tão negativa, que Alckmin precisou “desfazer o mal-entendido” (como se mal-entendido fosse) e, no programa Roda-Viva, três meses depois, o candidato jurou, de pés juntos, que o malfadado imposto, se dependesse dele, estava enterrado.

De volta a 2022, Alckmin se mostra preocupado com a revogação da reforma trabalhista, proposta pelo seu noivo, Lula. Paulinho da Força, em encontro com o ex-governador, com quem conversa para uma possível filiação ao Solidariedade, afirma que as centrais sindicais não querem a revogação de TODA a reforma. Haveria apenas alguns pontos que mereceriam revisão. Por exemplo…Quando li a legenda da foto (“… centrais não querem desfazer a reforma inteira), apostei comigo mesmo, antes de começar a ler a matéria, que o único ponto da reforma levantado pelo imorredouro Paulinho seria o imposto sindical. Batata.

Nos idos de 2018, assim como agora, Alckmin se mostra uma mistura do passado com o futuro. Ao mesmo tempo que reconhece méritos na reforma trabalhista, não abre mão de uma visão corporativista, que beneficia grupos que mamam nas cada vez mais magras tetas do Estado. Nesse contexto, aquela jaqueta com os símbolos das estatais não foi um simples erro de estratégia de campanha. Foi antes a expressão de uma convicção, aliada a uma visão de política feita de alianças com corporações.

Geraldo Alckmin demonstra agora “desconforto” com o ”revogaço” petista. Afinal, vão jogar o bebê junto com a água do banho. Ele, assim como Paulinho, só querem a volta do imposto sindical. Parafraseando o inolvidável Maluf, “tá com vontade de phoder o trabalhador, tunga, mas não mata”. O único problema é combinar com os petistas. Com a palavra, o “pragmático” Lula.

A realidade sempre bate à porta

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, apela à “consciência” da comunidade internacional para fechar um acordo com o FMI. Seria cômico se não fosse trágico. Afinal, governos de esquerda costumam demonizar a instituição financeira multilateral, representante, segundo essa visão, dos interesses imperialistas. Mas sabe como é, na hora que falta pão, o pacto com o diabo parece barato.

Qual a dificuldade de um país como a Argentina fechar um acordo com o FMI? Apesar das histórias que se contam por aí, de que até o próprio FMI teria abandonado a tara pela austeridade fiscal, a realidade nua e crua é que, para soltar o dinheiro, o FMI exige do governo argentino um plano de… austeridade fiscal. Difícil, não é mesmo?

Lula se gaba de ter sido em seu governo que pagamos a dívida com o FMI e termos dispensado a sua ajuda de uma vez por todas. É verdade. Mas um pouco de história nos permitirá entender o que, de fato, aconteceu.

Em primeiro lugar, nos será útil entender para que serve o FMI. Não é difícil. Para tanto, basta entender que esse papel pintado que nós, brasileiros e argentinos, chamamos orgulhosamente de real e peso, nossas moedas nacionais, não passam de dinheiro de banco imobiliário para transações internacionais. Não são aceitos em lugar algum (quer dizer, o real é aceito na Argentina, o que é um indicativo do buraco em que los hermanos se meteram). Então, para pagar pela importação de produtos, é necessário ter um papel pintado aceito globalmente. Isso no oficial. No paralelo, os próprios cidadãos do país não confiam mais na própria moeda, e buscam abrigo em um dinheiro garantido por um governo sério. Então, o FMI serve para emprestar dólares, para que o país continue funcionando com alguma inserção internacional.

Agora que entendemos para que serve o FMI, vamos voltar um pouco no tempo. Mais especificamente, para a década de 90. No Brasil tivemos a eleição de FHC e, na Argentina, de Carlos Menem. Em comum, ambos foram políticos de esquerda que implementaram programas de governo “neoliberais”, incluindo privatizações e ajuste fiscal. Ambos os governos também usaram o mesmo instrumento para estabilizar a inflação: o controle do câmbio. Os argentinos, sempre mais sanguíneos, optaram por um sistema radical, o currency board, em que a paridade do austral (a então moeda argentina) com o dólar era garantida em lei pelo próprio governo. Aqui no Brasil optamos por algo mais flexível, mais de acordo com a nossa malemolência: o Banco Central mantinha uma certa paridade do real com o dólar, mas permitia uma desvalorização de cerca de 8% ao ano. Funcionava como uma espécie de currency board, mas sem regra escrita.

No início, as experiências argentina e brasileira funcionaram bem: a inflação caiu a níveis civilizados e a classe média estava contente, podendo viajar para a Disney todo ano com o dólar barato. Mas como não há artificialidade que sempre dure, distorções começaram a se acumular nas duas economias. Como ambos os governos não fizeram a lição de casa fiscal, a inflação acumulada começou a pressionar o esquema do câmbio fixo. Bastava uma fagulha para fazer explodir o barril de pólvora. Essa fagulha veio com as grandes desvalorizações cambiais dos países asiáticos em 1997 e a quebra da Rússia em 1998. Nesse dominó, Brasil e Argentina eram as próximas pedras a cair.

E é exatamente nesse ponto da história que os destinos de Brasil e Argentina se separam. No Brasil, FHC, já no início de seu segundo mandato, decide deixar o câmbio flutuar e implementa o que se convencionou chamar de “tripé macroeconômico”: câmbio flutuante, metas de inflação e superávits primários. Com isso, as distorções causadas pelo câmbio fixo desaparecem, e a inflação passa a ser combatida de maneira ortodoxa, com política fiscal (superávit primário) e política monetária (taxa de juros). Lula pega esse esquema já pronto e dá continuidade por alguns anos. Isso nos deu a oportunidade de cavalgar a ascensão da China com um câmbio competitivo, o que nos permitiu acumular as reservas cambiais que temos até hoje. Esse foi o contexto do “adeus ao FMI” de que tanto Lula se orgulha.

Já na Argentina, tanto Carlos Menem, como seu sucessor, Fernando de la Rua, insistem na continuidade do currency board, apesar das já evidentes distorções causadas pelo sistema. O resto da historia é conhecida: a saída do currency board é caótica, não menos do que a saída de De La Rua pelo teto da Casa Rosada. Dois presidentes caem em seguida, até que Nestor Kirchner é eleito em 2003. À diferença de Lula, Kirchner não tem uma “herança bendita” para administrar, o que lhe deixa livre para implementar a sua agenda “desenvolvimentista” desde o início, coisa que Lula só começará a fazer no segundo mandato e em bases muito mais sólidas, construídas em vários anos de ortodoxia. A Argentina, portanto, não teve condições de surfar a onda da China, e seus problemas em conseguir moeda forte se sucedem desde então.

Essa é a história. Alberto Fernández, legítimo sucessor de Menem, De La Rua, Kirchners e Macri, é mais um presidente argentino de joelhos diante do FMI porque se recusa a (ou não tem as condições políticas para) fazer a lição de casa ortodoxa. E antes que um sorriso superior se desenhe em sua boca, saiba que o Brasil caminha, a passos lentos mas seguros, para o mesmo destino, se continuarmos a fazer de conta que controlamos as contas públicas. A realidade sempre bate à porta. Sempre.

O que está por trás?

Todo mundo comentando a nota do presidente da Anvisa, almirante Barra Torres, sinto-me na obrigação de também dar o meu pitaco.

Eu sempre gosto de pensar no contrafactual. No caso, o cenário em que essa nota não tivesse sido publicada. Ou tivesse sido publicada de outra maneira. Havia algumas escolhas a serem feitas.

O almirante poderia ter ouvido o “qual o interesse da Anvisa?” e pensado: “bem, esse é o presidente que temos, o tiozão do pavê, aquele que está entrando em ano eleitoral e está falando para fidelizar a sua grei, um cara que se comunica mal”, enfim, todas as desculpas que conhecemos para essas falas de Bolsonaro. Nesse caso, poderia simplesmente passar por cima, ignorar olimpicamente, e a fala, como tantas outras, estaria esquecida em 24 horas.

Ou o chefe da Anvisa poderia tomar as dores da agência que representa, seus funcionários e colaboradores, colocar-se no lugar deles e avaliar que a fala mereceria alguma resposta protocolar, para dar uma satisfação interna. Nesse caso, seria algo do tipo “a Anvisa tem orgulho de seus processos, sendo guiada pelo mais alto padrão ético em todas as suas decisões”. Algo anódino, mais uma defesa do que um ataque. Estaria dada a resposta e o caso seria esquecido em 24 horas.

Mas Barra Torres decidiu por uma terceira linha, a do confronto. E o pior, um confronto pessoal, EXIGINDO retratação de ninguém menos que o presidente da República. A nota apenas resvala na defesa da agência, ela toda é uma defesa pessoal apaixonada.

Para ter escolhido essa linha, das duas uma: ou escreveu essa nota com a cabeça quente, sem pensar, ou fez de caso pensado, mandando um recado. É difícil pensar que um profissional com a rodagem do presidente da Anvisa teria soltado uma nota no calor da hora, só para lacrar. O mais provável é que pensou bem no que escreveu e no tipo de reação pública que queria suscitar.

Se essa terceira hipótese for a mais próxima da realidade, podemos ver aqui mais uma reação de uma ala dos militares, em que Santos Cruz é o mais proeminente, que não está nada contente com o capitão. Nesse sentido, a entrevista do general Silva e Luna, presidente da Petrobras, dizendo que a empresa não pode fazer política pública e afirmando que o presidente atrapalha quando “anuncia” aumento ou redução de preço de combustíveis, pode ser visto também como algo nessa linha.

Bolsonaro encheu o Executivo de militares, pois é somente neles que ele confia. O que a carta de Barras Torre pode estar indicando é que a recíproca não é verdadeira para uma parte da caserna. Para Bolsonaro, mais útil do que perguntar qual o interesse da Anvisa por trás da liberação da vacina infantil, é se questionar qual o interesse por trás dessa nota do presidente da Anvisa.

Vale do silício: mocinho ou vilão?

Meu amigo Guilherme Morais chamou-me a atenção para a coincidência: dois artigos, em páginas consecutivas do Estadão de hoje, falando sobre o mesmo tema (a “especulação” do chamado Vale do Silício) de maneiras completamente opostas.

O primeiro destaca a condenação de Elizabeth Holmes por fraude.

Para quem não conhece, Mrs. Homes fundou, aos 19 anos de idade, a Theranos, uma empresa, ops, startup que se propunha a diagnosticar uma série de doenças utilizando apenas algumas gotas de sangue. O artigo, escrito por um jornalista da Associated Press, pergunta se o caso poderia servir para “passar uma mensagem preocupante para uma cultura do Vale do Silício que costuma se perder na própria arrogância”. Ou seja, o jornalista condena a auto-promoção dos empreendedores que, supostamente, enganam investidores incautos em uma “estratégia de excessos”.

Já o segundo artigo, do colunista de tecnologia Pedro Doria, vai na direção oposta: sugere que, ao invés de tentarmos copiar o modelo chinês ou coreano de crescimento, baseados em diretrizes estatais e que realmente não inovam, deveríamos tentar reproduzir a cultura do Vale do Silício, com a sua eterna destruição criativa e que verdadeiramente gera inovação.

Quem está certo? Pedro Doria, por certo. O caso de Elizabeth Holmes é um exemplo de fraude. Apenas uma fração dos empreendimentos do Vale do Silício que fracassam é fraudulento. A grande maioria fracassa porque foi mau executado. Para os investidores, no final do dia, tanto faz se o empreendedor é uma fraude ou incompetente. O resultado final é o mesmo, a perda do investimento.

Mas os investidores em startups sabem que a maior parte de seus investimentos nesse tipo de empresa será perdido. Trata-se de investimento de alto risco. Está-se em busca do novo Google ou Facebook, aquele investimento que vai se multiplicar por milhares de vezes. E, por isso, se topa perder dinheiro com as Theranos da vida. Faz parte. A condenação de Elizabeth Holmes não muda uma vírgula essa equação.

Quanto à coluna de Pedro Doria, vemos no Brasil o surgimento de várias empresas de tecnologia que já valem mais de US$ 1 bilhão e que passam por debaixo do radar do planejamento estatal, aquele que distribui subsídios e incentivos fiscais para “gerar emprego e renda”. O que seria preciso para incentivar ainda mais esse tipo de atividade? Recentemente tivemos a aprovação do marco das startups, o que já foi um avanço, incentivando o investimento nesse tipo de empresa. Mas o grande gargalo, ao que parece, é encontrar mão de obra especializada. E aí, o buraco é bem mais embaixo.

Significa?

Ontem discutíamos se a indicação de Guido Mantega para escrever um artigo com o “pensamento econômico” de Lula realmente significava aquilo aparentava significar.

Hoje, reportagem do Estadão colhe uma série de depoimentos de próceres do partido, envolvendo vários tópicos caros aos liberais: reforma trabalhista, privatizações, teto de gastos, autonomia do BC. A começar pelo próprio Lula, que já havia dito que acabaria com o teto de gastos, e agora aponta a contra-reforma trabalhista na Espanha como um modelo a ser seguido.

A essa altura do campeonato, se alguém ainda tinha alguma dúvida do que significava a escalação de Guido Mantega como porta-voz econômico de Lula, respondo com Ronnie Von: significa.

Passou da hora de discutir o “novo normal”

O NYT acaba de publicar uma matéria em que os conselheiros para a área de saúde do então candidato Joe Biden pedem ao presidente dos EUA, em vários artigos, uma estratégia nova de enfrentamento ao Covid-19. Textualmente: “… eles estão pedindo a Mr. Biden que adote uma estratégia totalmente nova para a pandemia – uma que se adapte ao “novo normal” de viver com o vírus indefinidamente, não eliminá-lo”.

No final de 2020, a grande esperança da humanidade era a vacinação. Com uma parcela relevante da população vacinada, poderíamos esperar voltar à vida normal, como sempre vivemos antes dessa praga.

Pois bem, passamos o ano de 2021 vacinando toda a população dos países desenvolvidos e de boa parte dos países de renda média. Hoje, segundo o Our World in Data, países que ora enfrentam picos inéditos de contaminação, como França, Itália e Canadá, têm mais de 75% da população TOTAL já tendo recebido a 2a dose da vacina, o que significa quase 100% da população endereçável. Portanto, não existe mais a desculpa de que somente países com “baixa” cobertura vacinal, como EUA (62%) ou Alemanha (70%) é que estavam sofrendo com essa nova onda.

Dizer que está faltando um “booster” não me parece satisfatório. Quando as vacinas foram aprovadas, os testes mostravam uma eficácia não menos que espetacular, acima de 70% para a AstraZeneca, acima de 90% para Pfizer/Moderna. Falar que somente depois do “booster” poderemos voltar a ter vida normal faz lembrar o tempo em que ouvíamos que era só tomar as duas doses e poderíamos voltar a ter vida normal. Quem garante que não precisaremos tomar mais “boosters”? Teremos que tomar vacinas de 4 em 4 meses para termos vida normal?

É nesse contexto, depois de dois anos de pandemia, e com a ômicron causando recordes em cima de recordes de casos (sem aumento de óbitos) MESMO COM UMA PARTE RELEVANTE DA POPULAÇÃO JÁ TENDO SIDO VACINADA, esse grupo de médicos acima de qualquer suspeita propõe uma nova estratégia: conviver com o vírus.

Este debate encontra-se interditado por razões políticas. No Brasil, Bolsonaro vem defendendo essa tese desde praticamente o início da pandemia. Ele estava errado há dois anos, ou mesmo há um ano, pois tratava-se de uma doença sem cura, sem método confiável de prevenção e com altíssimo grau de letalidade. Hoje, essa discussão faz total sentido: uma doença respiratória, para a qual há vacinas e não causa mortes em nível acima de outras doenças, não deveria receber atenção diferente de, por exemplo, a influenza.

Cabe perguntar: se com vacinas e óbitos em níveis relativamente baixos não podemos retomar a normalidade, qual o contexto em que isso será possível? Queremos eliminar a doença como fizemos com a poliomielite? A nova onda da ômicron, com, repito, boa parte da população já vacinada, parece indicar que isso será virtualmente impossível. Estaremos, então, condenados a viver em um “perpétuo estado de emergência”, na expressão utilizada pelos médicos que aconselharam Joe Biden?

Os médicos que aconselharam Joe Biden durante a campanha sugerem vacinação de crianças, distribuição de máscaras N95 para a população e disponibilização de testagem de baixo custo. Todas medidas com o objetivo de permitir que as pessoas possam continuar indo ao trabalho, aos locais de lazer ou se reunirem sem precisar interromper essas atividades porque se identificou alguém com o vírus. Os cruzeiros que foram interrompidos, por exemplo, não o seriam nesse novo contexto, da mesma forma como não haveria interrupção se se descobrisse alguém com influenza dentro do navio.

Já é chegada a hora de discutir seriamente esse “novo normal”, sem rótulos como “negacionista” ou “coronalover”. Se isso não for feito pelas autoridades de maneira ordenada, será irremediavelmente feito pela própria população de maneira desordenada, que não vai suportar um terceiro ano de restrições para as quais não veem sentido.

História dos ministros da Fazenda do Brasil

Ministro da Fazenda é como técnico de futebol: se o time não está bem, acaba sobrando para o técnico. Em um país com a economia instável como a brasileira, não é à toa que a cadeira de Ministro da Fazenda seja do tipo ejetável.

Ao longo da história da República (portanto, 132 anos, 1 mês e 20 dias no dia de hoje), a se confiar nos dados da Wikipedia, tivemos um total de 69 ministros da Fazenda diferentes (sem contar os interinos), sendo que Paulo Guedes é o 69º da série. Ou seja, em média, um ministro a cada 1 ano e 11 meses.

Ruy Barbosa foi o primeiro ministro da Fazenda da era republicana, no governo de Deodoro da Fonseca. Durou 1 ano e 2 meses no cargo, o que demonstra que sabedoria e erudição não são condições suficientes para manter o ministro da Fazenda em sua cadeira. E nem tampouco são condições necessárias, como restou demonstrado ao longo da história.

O posto de ministro da Fazenda já serviu como trampolim para voos mais altos: Rodrigues Alves foi ministro da Fazenda de Floriano Peixoto e Prudente de Morais antes de ele mesmo ter se tornado presidente, Getúlio Vargas foi ministro da Fazenda de Washington Luís e Fernando Henrique Cardoso foi ministro da Fazenda de Itamar Franco.

O mais longevo ministro da Fazenda da história brasileira foi o desconhecido (para nós) Artur de Sousa e Costa, que conseguiu ficar na cadeira de ministro da Fazenda durante incríveis 11 anos e 3 meses durante a ditadura Vargas. Essa longevidade confirma a tese de que estabilidade política (mesmo que seja na marra) e econômica forma o ambiente propício para o ministro da Fazenda se manter em seu cargo.

Nessa linha, podemos identificar dois períodos em que houve uma baixa rotatividade dos ministros da Fazenda (além da ditadura Vargas): o período da ditadura militar e o período pós-Plano Real.

Durante a ditadura militar tivemos um total de 5 ministros da Fazenda em quase 21 anos, ou uma média superior a 4 anos por ministro.

No pós-Plano Real, tivemos 10 ministros da Fazenda em 27 anos e meio, ou um ministro a cada 2 anos e 9 meses, que é 40% acima da média histórica. É neste período que temos o segundo e o terceiro ministros da Fazenda mais longevos da história: Guido Mantega, que ficou no cargo por 8 anos e 9 meses, e Pedro Malan, que foi ministro da Fazenda de FHC durante 8 anos.

Apenas como curiosidade, a lista dos mais longevos ministros da Fazenda depois dos três citados são os seguintes:

4º: Delfim Netto (governos Costa e Silva e Médici): 7 anos

5º: Ernane Galveas (governo Figueiredo): 5 anos e 1 mês

6º: Mario Henrique Simonsen (governo Geisel): 5 anos

7º: José Leopoldo de Bulhões Jardim (governo Rodrigues Alves): 4 anos (o mesmo Jardim foi ministro da Fazenda no governo Nilo Peçanha três anos depois, mas considerei apenas mandatos em anos consecutivos. Nesse sentido, Osvaldo Aranha ocupou o cargo por 3 anos e 10 meses, mas em dois governos não consecutivos de Getúlio Vargas).

Depois destes, há somente ministros com menos de 4 anos de mandato, grande parte com menos de 2 anos. Se Paulo Guedes chegar ao final do governo Bolsonaro, empatará com o ministro de Rodrigues Alves em 7º lugar, com 4 anos consecutivos como ministro da Fazenda.

Fiz toda essa pesquisa levado pela curiosidade de verificar se havia algum ministro da Fazenda mais longevo que Guido Mantega, que hoje nos brindou com um artigo na Folha representando o “pensamento econômico” de Lula, e que será objeto de outro artigo. Como vimos, Mantega é o 2º ministro da Fazenda mais longevo da história, o que nos diz um pouco sobre o Brasil.