Matéria do Estadão sobre a Embrapa é a cara do Brasil. Em resumo, a Embrapa está buscando se remodelar para ter dependência menor de um Tesouro com cada vez menos dinheiro para outras coisas que não sejam gastos obrigatórios. Para atingir esse objetivo, a empresa está trabalhando em duas frentes: reestruturação interna e mudança de modelo de negócios.
A reestruturação é o clássico: contrataram a Falconi Associados e vão passar o facão, diminuindo número de funções e reestruturando departamentos. Se e empresa privada sempre tem alguma gordura, imagine em uma estatal.
Já na mudança de modelo de negócios a coisa não é tão óbvia. A Embrapa produz pesquisa e é remunerada através do pagamento de royalties. A ideia é que a empresa assuma o risco do negócio, participando dos lucros. Trata-se de um risco diferente, porque, obviamente, nem toda pesquisa resulta em um produto comercialmente viável. A empresa estará abrindo mão de uma receita certa por outra potencialmente maior, mas duvidosa. A questão filosófica é: para que serve uma empresa estatal que opera como uma empresa privada? É o mesmo questionamento que se faz a respeito da Petrobras.
Até aqui, os planos da empresa. A cara do Brasil são as reações.
A reação do sindicato é a de sempre. A empresa não tem problemas de gestão, o que falta é mais dinheiro do Tesouro. Ok.
Mas é a reação do ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira a mais interessante. Segundo o fazendeiro, precisamos de uma empresa pública para fazer pesquisa agropecuária básica, pois o capital privado não tem o mesmo objetivo de longo prazo. Se tivéssemos um tradutor de entrelinhas, poderíamos ouvir o seguinte: precisamos do Estado para fazer investimentos em pesquisa a fundo perdido, de modo a proteger as nossas margens de lucro.
Não coincidentemente, o setor rural está reclamando da falta de dinheiro (R$ 3 bilhões, segundo matéria de ontem) para subsidiar linhas de crédito. Assim realmente fica fácil ser “o setor mais eficiente da economia”. Ah sim, a conta de luz de propriedades rurais também é subsidiada.
Nesse sentido, é compreensível que o fazendeiro seja contra a mudança de modelo de negócios da Embrapa. Ao querer ser sócia e não somente uma prestadora de serviços que não consegue remunerar o seu trabalho de pesquisa (a Embrapa é estatal dependente do Tesouro), na prática a empresa quer transferir o custo bancado pelo Tesouro para a iniciativa privada. Como as empresas que exploram a tecnologia criada com base na pesquisa da Embrapa vão procurar proteger a sua margem de lucro, o custo final do produto tende a ficar mais alto, onerando o fazendeiro.
Enfim, temos aqui o retrato do Brasil, em que as elites (funcionários públicos e fazendeiros) sequestram uma parte da renda que poderia estar sendo direcionada para outros fins. Claro que tem o seu mérito, afinal a atividade agropecuária gera valor. A discussão é qual fatia dessa renda gerada deveria ser direcionada para os empresários e para os funcionários públicos. Pode-se argumentar que, sem esses subsídios, a atividade ficaria inviabilizada. Ok. Mas não me venha dizer, então, que o agribusiness brasileiro é o setor mais eficiente da economia.