Mais uma proposta para o teto de gastos

Felipe Salto, atual diretor-geral da Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado Federal, entra no debate sobre como reancorar as expectativas sobre a trajetória da dívida pública. A mudança casuística da sua regra de cálculo no ano passado e o discurso do PT contra o teto demonstram que a regra atual está morta, faltando somente o enterro.

Ao contrário de outra proposta que já tive oportunidade de comentar aqui, que propunha como parâmetro um etéreo “PIB corrigido pelo ciclo econômico”, além de prever exceções – por exemplo, investimentos- a proposta de Salto tem o mérito de ser simples, direta e de fácil entendimento por todos: estabelecida uma determinada meta de superávit primário necessária para atingir uma certa relação dívida/PIB, calcula-se o teto de gastos com base em uma determinada previsão de receitas. Ele dá um exemplo numérico, reproduzido abaixo.

A ideia, como eu disse, é boa por ser simples e de fácil entendimento. No entanto, como sempre, o diabo mora nos detalhes. Dois detalhes, para ser mais exato.

O primeiro é saber qual a condição limitante, ou seja, aquela que não será mudada aconteça o que acontecer. Digamos que haja uma frustração de receitas. O que seria mudado, o tamanho dos gastos ou a meta de superávit primário? Tomando o exemplo usado por Salto: se as receitas somarem R$ 1.800 bilhões ao invés dos R$ 2.000 bilhões previstos no início do ano, o ajuste se daria pela diminuição dos gastos para R$ 1.750 bilhões ou do superávit para menos R$ 150 bilhões? A resposta técnica seria manter o superávit e cortar gastos. A resposta política já sabemos qual é.

O segundo detalhe, que na verdade é O problema central de todo esse imbróglio, é que a proposta de Salto, para funcionar, precisa ser ainda mais draconiana que o atual teto de gastos. A previsão de déficit primário para este ano é de 0,7% do PIB. Para apontar para um superávit primário em um horizonte de tempo explícito e crível, seria preciso fazer um ajuste fiscal ainda maior do que o atual. A solução política, obviamente, será apontar para um ajuste beeeeeem suave, a lá Macri na Argentina.

A grande sacada do atual finado teto de gastos é tirar da mão dos políticos e da sociedade a decisão sobre os parâmetros que comandam a trajetória da dívida. A regra, se seguida, garante matematicamente, se o país tiver crescimento positivo, que produziremos superávits primários e estabilizaremos a dívida em algum momento no futuro. Para um país como o Brasil, que cresce pouco (1% ao ano), este ajuste é bem suave, mas aceito pelos credores, porque a regra garante a convergência. Mas mesmo esse ajuste suave não se mostrou suportável para os políticos e para a sociedade, que querem retomar para si o comando dos parâmetros da dívida.

A proposta de Salto permite a retomada desse comando, ao deixar para a decisão discricionária do Congresso como vamos controlar a dívida, se por aumento de impostos ou diminuição de despesas, e em que velocidade vamos colocar a casa em ordem. Alguém dirá que esta é a coisa certa a fazer. Afinal, é a sociedade, através de seus representantes, que deve decidir sobre como e quando pagaremos a nossa dívida. Justo. Só falta combinar com os russos.

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