Os empresários agradecem

Estou estupefacto. Não é possível, deve haver algum engano. Quer dizer então que a ajuda dada aos empresários para que eles contratassem empregados ficou com os próprios empresários??? Quem diria!

Pode parecer que sou contra empresários. Nada mais longe da realidade. Amo os empresários. E os amo justamente porque eles fazem isso que fizeram: maximizaram os seus lucros. O problema não está nos empresários. O problema está no governo, que, por interesse político, não foca corretamente esses programas de ajuda.

O que aparentemente aconteceu foi o seguinte: o auxílio foi tão desproporcionalmente grande, que uma parte relevante dos empresários não precisava realmente daquele auxílio, porque poderiam manter seus negócios funcionando normalmente. Mas como o dinheiro estava lá e as regras foram flexibilizadas, fizeram o que qualquer um faria: pegaram o dinheiro.

Foi mais ou menos o que aconteceu com o FIES aqui: o programa foi tão grande, com regras tão flexíveis, que as faculdades inscreviam no FIES mesmo alunos que já estavam matriculados, só para se livrar do risco de inadimplência. Resultado: inchaço do programa e um rombo que ninguém sabe como será pago.

E por que os governos fazem isso? Para aparecerem bonitos na foto. O governo Biden, assim como o governo Lula no caso do FIES, podem bater no peito e exibir números grandiosos de seus programas de ajuda. Os empresários agradecem.

O capital empoçado dos bilionários

Manchetes como essa abundaram na imprensa depois do tombo das empresas de tecnologia. Os bilionários ficaram mais pobres. O tom é de mal disfarçada satisfação.

Tenho um amigo que me confidenciou nessa semana que acha muito errado essa concentração de riqueza nas mãos de poucos e tantos passando fome. Que esse dinheiro, ao invés de ficar empoçado, deveria ser colocado para trabalhar ou, no mínimo, para mitigar o sofrimento dos mais pobres.

Esse meu amigo é economista e trabalha no mercado financeiro, então não faz o estereótipo do estudante de sociologia maconheiro, que vive de ditar regras de como o mundo seria melhor se os outros fizessem a sua parte. Por isso, acho que o seu ponto de vista talvez seja compartilhado, de maneira menos ou mais envergonhada, por outras pessoas que, sinceramente, não entendem como bilhões se acumulam nas mãos de tão poucos e ninguém faz nada a respeito disso. Assim, resolvi escrever este post, como uma resposta estruturada ao meu amigo (nem sei se ele vai ler) e a todas essas pessoas.

Em primeiro lugar, a concentração de riqueza não é um fenômeno de hoje. Na verdade, esse problema já foi muito pior em um passado remoto, bem antes do capitalismo, quando reis e nobreza realmente concentravam a (pouca) renda produzida. O surgimento da classe média – largas fatias da população com renda média – é um fenômeno relativamente recente, contemporâneo ao surgimento do capitalismo. Portanto, estamos reclamando de barriga cheia. Aliás, como igualmente acontece em vários outros campos em que as conquistas civilizatórias são tomadas como direito divino, e não como o que são, conquistas que não seriam alcançadas sem a devida mobilização de capital físico e humano.

Aqui entra a segunda parte da resposta ao meu amigo: o capital dos bilionários não está “empoçado”, inerte, ocioso. Muito pelo contrário: este capital, assim como a poupança de cada um de nós, está investido. Grande parte da riqueza desses bilionários está investida em sua própria empresa. Ou seja, a sua riqueza é formada pelas ações de suas empresas. Essas empresas geram valor para a sociedade. Caso contrário, valeriam zero. O preço de uma ação é dado pelo valor agregado pela empresa percebido pelos investidores. Este valor é medido pelo lucro do empreendimento. As empresas estão no mercado disputando o capital dos poupadores. Os bilionários poderiam se desfazer de suas ações e investir em outros empreendimentos com mais futuro. No limite, poderiam comprar títulos do governo, que não têm risco. Aliás, esta é uma tentação grande para os investidores brasileiros, que têm à disposição títulos do governo que pagam uma das maiores taxas de juros do mundo. Por que arriscar?

Os bilionários tiveram a “sorte” de poder investir em suas próprias empresas logo no início, quando não valiam nada. Na medida em que a empresa foi crescendo, o capital investido foi se multiplicando. E a empresa só cresce se agrega valor para o seu cliente, a ponto de pagar os custos da operação e ainda gerar lucro. Caso contrário, vai habitar o populoso cemitério das empresas que não deram certo. Para cada Zuckerberg bilionário, há milhões de empresários que não foram para frente. Há um risco, e não é pequeno.

Mesmo o dinheiro que não está investido em suas próprias empresas não está ocioso. É investido em outras empresas ou em títulos do governo. Ou seja, servem para financiar as beneméritas ações que os governos fazem com o nosso dinheiro. Aliás, não deixa de ser curioso que os mesmos que demonizam os bilionários são normalmente aqueles que esperam que os governos mitiguem os sofrimentos dos mais pobres. Com que dinheiro? Ah sim, dos bilionários. Ou seja, esse dinheiro “empoçado” está servindo para financiar as ações dos governos.

Mas o que este meu amigo gostaria mesmo é de um imposto que fizesse um corte na fortuna desses bilionários, carreando esse dinheiro para os cofres do governo. Ou seja, ao invés de tomar emprestado via títulos públicos, esse dinheiro “a mais” seria confiscado via impostos. Claro que a linha de corte para a taxação dos mais ricos teria que ser mais alta do que a fortuna desse meu amigo, que certamente está entre os 1% mais ricos do Brasil. Afinal, ricos são sempre os outros. Mas digamos que essa questão da linha de corte fosse resolvida. O ponto é: qual seria a mágica para manter o espírito empreendedor, dado que o grande prêmio seria tomado pelo governo, e todos estariam destinados a serem classe média? Regimes socialistas tentaram fazer isso, com os resultados conhecidos.

Para terminar, vou além: a concentração de capitais é benéfica para a sociedade. Somente a concentração de capitais permite que exista poupança. E somente com poupança é possível ter investimentos. Se todos tivessem somente o necessário para sobreviver, não haveria poupança, não haveria investimentos, não haveria novas empresas (que supõe colocar o capital em risco e, eventualmente, perdê-lo) e, no final, não haveria progresso.

O governo pode tentar substituir a poupança privada, investindo o dinheiro dos impostos. No entanto, conhecemos a eficiência desses investimentos. Portanto, é preciso ter sobra de capital privado para arriscar em novos empreendimentos. Não existe capital “empoçado”, ocioso, a não ser na cabeça de quem não conhece a dinâmica do capitalismo.

Chuchu na agricultura

Lula ofereceu o Ministério da Agricultura para Alckmin.

Essa ideia claramente não é boa, porque a piada já vem pronta, de tão óbvia: ninguém entende mais de plantio do que um chuchu.

Tenho uma ideia melhor: Lula deveria criar o Ministério das Privatizações e entregá-lo a Alckmin. Mataria dois coelhos com uma cajadada só.

Em primeiro lugar, iludiria a Faria Lima com a criação de um ministério todinho dedicado às privatizações. E, com a indicação de Alckmin, que, por algum motivo misterioso, é considerado um liberal pelos farialimers, essa ilusão ganharia credibilidade.

Ao mesmo tempo, Alckmin, envergando o jaleco das estatais, dedicaria toda a sua convicção e competência à nobre tarefa de encontrar desculpas convincentes para os eternos atrasos no cronograma das privatizações, assim como fez aqui em São Paulo nas obras do Rodoanel e do metrô. Ficaria a Faria Lima sempre na expectativa, à espera do Godot das privatizações. Não consigo pensar em função mais nobre do futuro ministro em um governo do PT.


A menção ao Ministério da Agricultura me fez lembrar um episódio dos estertores do regime militar. João Figueiredo havia sido escolhido para suceder a Ernesto Geisel como o quinto presidente do ciclo militar, e surpreendeu o mundo político e econômico ao escolher Delfim Netto, o todo poderoso Ministro da Fazenda do governo Médici, para comandar o Ministério da Agricultura

.A escolha deixou perplexo o mundo político e econômico da época, dada a notória falta de conhecimento do mundo agrícola do ex-czar da economia. Foi até objeto de um quadro do humorístico “Planeta dos Homens”, em que Jô Soares interpretava o Dr. Sardinha, uma paródia de Delfim às voltas com os problemas do setor agrícola. Seu mote era “meu negócio são os números!”.

Depois de apenas 5 meses, em meio a uma inflação galopante, Figueiredo substitui Mario Henrique Simonsen (ex-ministro da Fazenda de Geisel) por Delfim Netto no Ministério do Planejamento. Delfim estava de volta ao comando da economia, onde ficaria até o fim do governo Figueiredo.

Enfim, nenhum paralelo com uma eventual indicação de Alckmin para a Agricultura, a não ser o fato de que o ex-governador não é do ramo. Para quem gosta ou acredita em coincidências, este episódio do governo Figueiredo nos lembra que o Ministério da Agricultura já serviu como guarida provisória para um político que aspirava a voos maiores.

Post Scriptum

Escrevi um Post Scriptum ao meu post anterior, sobre o artigo de Joel Pinheiro. Mas como se trata de um assunto delicado, que envolve a reputação de alguém, resolvi publicá-lo também em um post separado.


Escrevo este Post Scriptum depois de ouvir que este texto seria irônico. Se assim o for, peço publicamente desculpas a Joel Pinheiro e parabenizo-o por expor, de maneira brilhante, o absurdo a que pode levar a cultura do politicamente correto.

Qualquer texto irônico deve pressupor que o leitor conheça as convicções do autor, de modo que o texto seja reconhecido como o oposto de suas convicções. E, para que funcione, o texto precisa ser, ele todo, irônico. Não faz sentido colocar premissas em que o autor acredita e depois desmoraliza-las com as suas consequências. Obviamente, o tal “comitê de notáveis” é uma ideia de tal modo absurda, que deveria soar o alarme da ironia, assim como a forma como o autor se refere à Folha. Ocorre que esse texto veio logo em seguida a um manifesto de jornalistas que pedem justamente isso, que a Folha funcionasse como uma espécie de “comitê de notáveis”, barrando artigos não alinhados. E o manifesto dos jornalistas não foi irônico. Assim, para alguém que não acompanha de perto a produção de Joel Pinheiro, a hipérbole do “comitê de notáveis” se perdeu no raciocínio construído de maneira bastante alinhada com a agenda hoje dominante.

Quando um texto irônico precisa ser acompanhado de um “just kidding”, é porque o autor, por algum motivo, deu margem a que se fizesse outra interpretação. Claro que, ao escrever, o autor confia na inteligência do leitor. Mas o leitor precisa estar municiado de informações para interpretar corretamente o texto. E, neste caso, se o texto for realmente irônico, eu não estava.

Por fim, mesmo na hipótese do texto irônico, nada do que escrevi no post se perde, a não ser as críticas ao autor. Pelo contrário: se o texto for irônico, o autor se junta às críticas colocadas no post.

Até as últimas consequências

O economista Joel Pinheiro da Fonseca escreveu ontem, na Folha de São Paulo, artigo, para dizer o mínimo, polêmico. O seu inteiro teor vai a seguir. Volto a seguir.

Vou começar concordando com o articulista: a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Como todo direito, está limitado pelo direito alheio. Assim, não é permitido usar a liberdade de expressão para caluniar ou difamar alguém, por exemplo. Faço algumas considerações sobre os limites da liberdade de expressão no artigo Redes Sociais e Poder Político.

Se Joel Pinheiro está correto em sua premissa inicial, o restante de seu artigo escorrega a toda velocidade em direção ao abismo. Vejamos.

Em sociedades democráticas, o problema do respeito pelo direito alheio já foi resolvido há tempos: há um sistema judicial que serve para julgar o balanço entre os direitos dos indivíduos, segundo uma regra escrita, chamada lei. Assim, por exemplo, se alguém se sente atingido por algo que alguém falou ou publicou, tem à disposição a justiça para resolver o assunto.

Mas não é a este tipo de crime a que Joel Pinheiro se refere. O articulista aponta crimes contra a saúde pública, de racismo, contra a comunidade LGBT, de machismo, de fanatismo religioso e de desigualdade social.

Bem, alguns desses crimes apontados são tipificados pelo código penal brasileiro. Por exemplo, racismo. Ou preconceito contra pessoas de orientação homossexual, recentemente equiparado ao racismo pelo STF. Há crimes contra a saúde pública também, como quando, por exemplo, um médico atua sem as devidas licenças. Crimes de machismo, fanatismo religioso ou de desigualdade social ainda não foram tipificados, para desespero daqueles que querem um mundo melhor.

Mas o problema não é exatamente a questão da tipificação penal. Fosse assim, o articulista gastaria o seu verbo pedindo modificação no código penal. Mas não é disso que se trata. A justiça de um regime democrático não é suficiente para fazer justiça. É preciso ir além.

Neste ponto, reproduzo o parágrafo que é chave para entender a ideia do articulista: “É uma visão ingênua —embora nada inocente— acreditar num debate público idealizado, em que o que importa são argumentos. Na realidade, opiniões refletem os conflitos de poder da sociedade, mal disfarçados por construtos teóricos”.

Fica claro que Joel Pinheiro quer criminalizar a opinião, nada menos. A opinião seria apenas um instrumento de poder, e o debate de ideias apenas uma forma de disfarçar o exercício do poder por parte de grupos dominantes. Não haveria um legítimo debate de ideias entre iguais, mas somente manipulação, visando à manutenção do status quo.

Joel Pinheiro exemplifica o que quer dizer sem dar nome aos bois (o que não deixa de ser um sinal de covardia), ao fazer referência ao artigo de Antônio Risério sobre o racismo de negros contra outras raças. Segundo o articulista, “Quando um branco questiona consensos estabelecidos da pauta antirracista, isso não é liberdade de expressão, é racismo”, pois “Alguns buscam a igualdade e o bem comum; outros, manter seus interesses e privilégios”. Assim, fica o mundo dividido entre “bons” e “maus”, e não há como haver debate de ideias legítimo entre esses dois grupos.

Já escrevi sobre esse artigo de Antônio Risério por ocasião do manifesto dos jornalistas da Folha, que também tinha como objetivo interditar a livre circulação de ideias. Comentei, na ocasião, que a tese do racismo estrutural é uma interpretação possível da história, longe de ser uma verdade esculpida nas tábuas dos 10 mandamentos. Trata-se de um “consenso estabelecido da pauta antirracista” apenas entre aqueles que concordam com a tese. Mas Joel Pinheiro explícita aquilo que está somente sugerido no manifesto dos jornalistas: quem não concorda com a tese está interessado apenas em “manter seus interesses e privilégios”.

Neste ponto, devemos ser gratos a Joel Pinheiro. Confesso que é o primeiro artigo absolutamente claro sobre a natureza do movimento politicamente correto. Por trás da capa da virtude de recorte vitoriano, que aponta o seu dedo imaculado para todos os podres do mundo, existe uma vocação autoritária, explicitada na interdição ao debate de ideias. Consensos são fabricados deixando de fora aqueles que não concordam. Assim fica fácil.

Todos os regimes autoritários, sem exceção, buscam “o Bem”. Para isso, calam a voz dos dissidentes, que sabotam a marcha para “um mundo melhor possível”. O bravo articulista, sem receio de seguir na estrada que abriu, chega às últimas consequências do seu raciocínio: seria preciso escolher um “comitê de notáveis”, para “julgar previamente artigos, podcasts ou vídeos que possam ter conteúdo problemático”. Há que se reconhecer a coragem de Joel Pinheiro em levar às últimas consequências a sua tese. Desconfio que seus pares, apesar de poderem concordar totalmente com ele, lamentarão tamanho grau de transparência, que desnuda, como nunca antes, a verdadeira natureza dos monopolistas do bem.

Como nota cômica, fico imaginando esse “comitê de notáveis” (pagos pelo Estado, por suposto, ainda que o articulista não tenha entrado nesse nível de detalhe) tendo que avaliar milhares de artigos escritos diariamente. Haja leitura dinâmica!

Confesso que a ideia do “comitê de notáveis” me seduz, principalmente quando leio artigos como este. Estivesse eu em um comitê deste tipo, daria bola preta para Joel Pinheiro.


Escrevo este Post Scriptum depois de ouvir que este texto seria irônico. Se assim o for, peço publicamente desculpas a Joel Pinheiro e parabenizo-o por expor, de maneira brilhante, o absurdo a que pode levar a cultura do politicamente correto.

Qualquer texto irônico deve pressupor que o leitor conheça as convicções do autor, de modo que o texto seja reconhecido como o oposto de suas convicções. E, para que funcione, o texto precisa ser, ele todo, irônico. Não faz sentido colocar premissas em que o autor acredita e depois desmoraliza-las com as suas consequências. Obviamente, o tal “comitê de notáveis” é uma ideia de tal modo absurda, que deveria soar o alarme da ironia, assim como a forma como o autor se refere à Folha. Ocorre que esse texto veio logo em seguida a um manifesto de jornalistas que pedem justamente isso, que a Folha funcionasse como uma espécie de “comitê de notáveis”, barrando artigos não alinhados. E o manifesto dos jornalistas não foi irônico. Assim, para alguém que não acompanha de perto a produção de Joel Pinheiro, a hipérbole do “comitê de notáveis” se perdeu no raciocínio construído de maneira bastante alinhada com a agenda hoje dominante.

Quando um texto irônico precisa ser acompanhado de um “just kidding”, é porque o autor, por algum motivo, deu margem a que se fizesse outra interpretação. Claro que, ao escrever, o autor confia na inteligência do leitor. Mas o leitor precisa estar municiado de informações para interpretar corretamente o texto. E, neste caso, se o texto for realmente irônico, eu não estava.

Por fim, mesmo na hipótese do texto irônico, nada do que escrevi no post se perde, a não ser as críticas ao autor. Pelo contrário: se o texto for irônico, o autor se junta às críticas colocadas no post.

A fome no “celeiro do mundo”

Editorial do Estadão repercute levantamento feito pelo Ipea, que mostrou um avanço da ”insegurança alimentar” no Brasil entre os anos de 2013 e 2018. O editorialista aponta a contradição entre o Brasil ser o “celeiro do mundo” e, mesmo assim, não conseguir alimentar o seu próprio povo.

Bem, não há contradição alguma. O epíteto “celeiro do mundo” vem do fato de sermos grandes produtores e exportadores de commodities, tais como soja, milho e café. Mas até que esses alimentos cheguem à mesa de alguém, é necessário um longo processo industrial e logístico. E, para pagar por isso, é preciso que a população tenha renda suficiente. Caso contrário, os alimentos aqui produzidos não chegarão magicamente à mesa da população. Por outro lado, o comércio global está justamente aí para que países que não plantam possam alimentar a sua população. Portanto, produzir alimentos não é condição necessária e nem suficiente para que a população de um país tenha o que comer.

Mas este não é o principal ponto do editorial. O editorialista aponta a “precarização das políticas sociais” como principal causa para o quadro. É no mínimo curioso apontar o desmonte de políticas sociais em um período em que o número de pessoas beneficiadas pelo Bolsa Família só fez crescer. O editorial cita alguns programas específicos para endereçar o problema alimentar, e que teriam sido “desmontados” ao longo desse tempo. Não tenho acesso a esses dados, mas parece pouco crível que a insegurança alimentar de largas fatias da população tenha como causa o suposto fim de programas de distribuição de alimentos. A ser assim, o máximo que podemos aspirar como país é transformar o Brasil em um grande bandejão, em que filas de famélicos se servem da caridade do Estado. É essa a proposta?

Na verdade, estamos diante do que chamamos em econometria de “variável oculta”. Desde 2013, o número de pessoas em insegurança alimentar aumentou e, ao mesmo tempo, houve diminuição de recursos para políticas sociais. Há uma correlação entre essas duas variáveis, levando à ilusão de ótica de que há causalidade. No entanto, o que há é uma variável oculta que causa esses dois fenômenos: a estagnação da economia brasileira. Desde 2013, o fim do superciclo das commodities aliado à herança de erros de condução de política econômica e a uma máquina estatal que cresce organicamente sem limites, levaram ao quadro atual: crescimento econômico medíocre. Tempere essa receita com uma miríade de políticas concentradoras de renda, em que os famélicos subsidiam aqueles que podem ter três refeições por dia, e temos o prato pronto da “insegurança alimentar”.

Para fazer política social, é preciso que sobre dinheiro. E, para sobrar dinheiro, é necessário que a economia cresça e que o orçamento público não seja sequestrado por grupos de interesse. Aliás, quando essas duas coisas acontecerem, como que por milagre, as políticas sociais serão dispensáveis.

A volta dos que não foram

Passeando por alguns posts antigos, redescobri esta pérola. Faltando pouco menos de um ano para as eleições de 2018, o então pré-candidato do PSDB à presidência, Geraldo Alckmin, coloca para fora todas as suas convicções sobre o capitalismo, em um evento patrocinado por uma ala do partido chamada “Esquerda Pra Valer”.

A estratégia era, segundo a reportagem, tentar herdar os votos de Lula, caso o então pré-candidato do PT e já condenado em 1a instância fosse impedido de concorrer.

Como se viu, a estratégia não deu lá muito certo. Mesmo tendo um latifúndio de tempo de TV e o apoio de 279 partidos, Alckmin mal ultrapassou 5% dos votos, a menor votação do PSDB desde a redemocratização. Enquanto isso, um candidato que prometia privatizar tudo quase papou a eleição no 1o turno. Sua estratégia não era herdar os votos de Lula. Era herdar os votos das viúvas do PSDB, abandonadas por um partido que insistia em ser o lado B do PT.

Hoje, o responsável pela tal “Esquerda Pra Valer” foi expulso do partido, enquanto Alckmin se auto expulsou. O PSDB, sob o comando de João Doria, quer ocupar um espaço mais à direita no espectro político. É o popular “muito pouco, muito tarde”. O PSDB perdeu o trem da história, e agora virou um coadjuvante no cenário da disputa presidencial.