O indiano Raghuram Rajan, ex-presidente do BC indiano e ex-economista-chefe do FMI, dá uma entrevista muito boa hoje no Valor. Destaquei o trecho abaixo porque representa uma boa parte do otimismo (ou seria melhor dizer “fio de esperança”) que nos resta: a esperança de que os oligarcas deponham Putin para preservarem as suas fortunas, alvos das sanções ocidentais.
Rajan sopra um ar gélido sobre a chama da esperança, ao dizer que Putin, assim como qualquer líder autocrata, legitima a própria existência dos oligarcas. Ou seja, ao derrubar Putin, esses oligarcas estariam dinamitando a própria estrutura que os sustenta. A entrada de outro dirigente, autocrata ou não, significaria começar o jogo do zero, o que torna o futuro imprevisível para esses oligarcas. Assim, entre perder uma parte de sua fortuna ou a sua legitimidade, a escolha é óbvia.
Mas Rajan deixa ainda uma fresta aberta na porta da esperança: os movimentos de massa, que poderiam forçar a troca do regime. Na medida em que mais soldados russos morrem em uma campanha que não faz sentido, seria cada vez mais provável uma insurreição da população, o que presumivelmente levaria à queda de Putin.
Lamento ter que eu mesmo soprar um ar gélido sobre essa outra chama de esperança de Rajan e de muita gente. Há pouco tempo, escrevi a resenha de um livro que descreve o regime de terror de Stálin, Sussurros, do historiador britânico Orlando Figes. Um dos capítulos narra a Grande Guerra Patriótica, nome pelo qual ficou conhecida a 2a Guerra na União Soviética. Neste capítulo, Figes descreve como os soldados russos tiveram contato com a chamada “civilização ocidental” na medida em que suas tropas foram avançando pela Alemanha, e como esse contato fez “cair a ficha” das mentiras contadas pelo regime a respeito de seu próprio bem-estar e da produtividade de seus campos. Em certo momento, houve a esperança de que esse seria um catalisador para a mudança do regime, pois os soldados voltavam falando sobre tudo o que viram e reclamando do governo de maneira aberta.
No entanto, como sabemos, Stálin continuou a governar o país com mão de ferro até a sua morte, em 1953. E uma revisão do stalinismo somente ocorreu em 1956, quando Kruschev se sentiu suficientemente seguro para implantar o seu próprio regime. Ou seja, somente 11 anos depois do “desmascaramento” das mentiras do regime. Ocorre que um regime de força dispõe de instrumentos de terror para lidar com esse tipo de pressão. Agora mesmo, Putin está prendendo ativistas, censurando redes sociais e contando a sua própria história nos telejornais. Para quem tem curiosidade sobre como uma única pessoa pode tornar refém um país inteiro durante anos, sugiro a série documental da Netflix, Como se Tornar um Tirano.
Portanto, quem espera que Putin caia para resolver o problema da guerra na Ucrânia, talvez seja melhor puxar um banquinho e esperar sentado.