Menos narrativa, mais jornalismo

Meu amigo Carlos Alberto Di Franco escreve artigo no Estadão criticando seus colegas jornalistas por criarem narrativas anti-governo ao invés de se aterem aos fatos. Para tanto, cita uma série de dados econômicos supostamente objetivos, levantados pelo também jornalista José Fucs, para corroborar a sua tese, a de que não estamos caminhando para o abismo.

Parafraseando a piada, perco o amigo mas não perco a crítica. O que vai nesse artigo não passa de narrativa bolsonarista. Escrevi acima “supostamente objetivos” para qualificar os dados apresentados no artigo porque não existe isso de “dados objetivos”. Existem os dados e sua interpretação dentro de um contexto. Infelizmente, da forma como foram apresentados, não passam de narrativa. Vejamos.

Crescimento: os dados de crescimento de 2021 são apresentados como prova de que o país está indo de vento e popa, calando a boca dos críticos. Nada mais fora do contexto. Há várias formas de se interpretar esse número, e analisá-lo a seco da forma como foi feito é a única que lhe empresta algum mérito. O número é baixo comparado com o que se esperava no início do segundo semestre do ano passado, é baixo se comparado com o crescimento de outros emergentes e é baixo se analisarmos o conjunto dos anos 2020-2021. O artigo continua, afirmando que o crescimento vai “surpreender” esse ano. Bem, se crescer 1% já será uma surpresa positiva, ainda que seja um número ridiculamente baixo. Os números mostram que esse governo não conseguiu tirar o país do baixo crescimento econômico. Os números são catastróficos? Não, apenas medíocres.

Inflação: a queda da inflação programada para esse ano é destacada para mostrar que a tese dos catastrofistas de plantão não se sustenta. Sim, verdade, ainda que os 5,6% citados já estejam ultrapassados pelos choques produzidos pela guerra na Ucrânia. Mas, como eu disse, há formas e formas de mostrar os números. Por exemplo, eu poderia dizer que já faz 6 meses que a inflação está rodando acima de 10% ao mês, ao passo que, no governo Dilma, a inflação rodou acima de 10% somente durante quatro meses. Objetivo? Sim. Quer dizer alguma coisa? Não. O fato é que as pessoas estão sentindo a carestia no bolso, e não há narrativa que dê jeito nisso.

Contas Públicas: talvez seja este o item em que mais brilha a narrativa bolsonarista. Afinal, produzimos superávit primário em 2021 contra todas as expectativas! Como se esse número não tivesse sido alcançado na base de um congelamento de salários insustentável no tempo e uma inflação bem acima das expectativas, que inflou as receitas no ano. O número em si é positivo, mas falta muito contexto para entendê-lo. Curiosamente, este é o único item para o qual não se arrisca uma previsão para este ano. Sem falar no bombardeamento do teto de gastos.

Em uma coisa o meu amigo Di Franco tem razão: não é nenhuma catástrofe, nada comparável aos piores anos do governo Dilma Rousseff. Mas também não se trata de nada de que se possa ter orgulho. Minha sugestão é, em uma próxima vez, se quiser defender este governo de maneira objetiva, destacar as realizações microeconômicas, com a aprovação de diversos marcos regulatórios que irão, ao longo do tempo, aumentar a produtividade do país. Se for para citar números macroeconômicos fora do contexto, Lula tem números muito melhores para apresentar.

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