Entrevista do pré-candidato do PSDB, João Doria, ao Valor Econômico de hoje. Destaco dois trechos.
No primeiro, ao ser perguntado sobre qual seria o “diferencial” de uma candidato da chamada “terceira via”, Doria se sai com uma sopa insossa de “país liberal com preocupação social”, incluindo os temperos “educação e saúde de qualidade” que não podem faltar em todo prato de promessas políticas amorfas.
Já havia criticado aqui a entrevista de Simone Tebet, que trazia o mesmo coquetel de chuchu, e havia afirmado que a bandeira da terceira via tinha que ser a da pacificação nacional. O PT já tem a bandeira da “justiça social”, ao passo que Bolsonaro explora bem a bandeira dos “valores conservadores”. São bandeiras simples, fáceis de entender, e que mobilizam. Ficar falando que vai entregar “crescimento com distribuição de renda” não leva nenhum candidato a lugar algum. E se tem algo que uma parte do eleitorado anseia neste momento é um pouco de paz social, uma redução do clima beligerante que tomou conta do país. Não sei se essa parte do eleitorado é suficiente para dar a vitória a um candidato de terceira via, mas é a única chance de torná-lo competitivo. Doria, ao bater na tecla do “crescimento com justiça social” está tentando roubar a bandeira de Lula. Obviamente, não vai conseguir.
O segundo trecho está, de alguma forma, ligado ao primeiro. Depois de Doria tecer um rosário de críticas a Bolsonaro, o repórter lhe dá uma chance de fazer o mesmo com Lula.
Doria, ao invés de agarrar essa chance para mostrar que é verdadeiramente um candidato de terceira via, a joga pela janela, ao dizer que “respeita” Lula e “não respeita Bolsonaro”. A resposta óbvia para quem está disputando um lugar ao sol seria “sim, e continuamos sendo críticos de Lula e do PT. Não acreditamos que o PT tenha um projeto de país moderno, ainda mais liderado por um condenado da justiça”. Pronto, resposta simples e que o coloca simetricamente entre os dois polos. Afinal, terceira via não pode ser linha auxiliar de nenhum dos dois polos, senão o eleitor vota no polo, por óbvio. No caso, além de defender uma bandeira que pouco se diferencia daquela que já tem o PT como dono, Doria coloca Lula acima de Bolsonaro. Assim, será visto com desconfiança por quem prefere Bolsonaro e não ganhará um voto sequer de quem vai votar em Lula.
Um esclarecimento final: aqui não vai nenhum julgamento do que é certo ou errado, se Lula é superior a Bolsonaro ou vice-versa sob qualquer critério. Trata-se apenas de uma análise de estratégia eleitoral, tirada, obviamente, somente da minha cabeça. Posso estar equivocado, claro, mas acredito que a polarização presente é muito função dessa incompetência dos políticos da “terceira via” de fazer a leitura correta do cenário eleitoral. Coisa, aliás, que já vêm fazendo desde 2018, quando se “surpreenderam” com a vitória de Bolsonaro.