A direita já tem dono

Quem me acompanha já leu isso aqui: o PSDB precisa se colocar à direita de Lula. O conselho do neo-tucano Rodrigo Maia é só o óbvio ululante.

Maia afirma que a aproximação de FHC e outros próceres tucanos com Lula confundiu a cabeça do eleitor. Acho que ele está errado. Na verdade, essa aproximação somente confirmou o que os eleitores do PSDB já desconfiavam: o partido é linha auxiliar do PT.

Quando Doria tomou de assalto o partido, foi para colocá-lo firmemente à direita de Lula. Suas campanhas de 2016 e 2018 foram, antes de tudo, anti-PT. Esse, aliás, é um dos motivos pelos quais Doria sofre restrições dentro do partido.

Mas, como diz o outro, “muito pouco, muito tarde”. Doria e Maia têm a percepção correta, mas como Maia diz, é muito difícil colocar-se à direita do PT quando Bolsonaro já está lá. Esse movimento deveria ter ocorrido lá em 2005, no mensalão. Hoje, a bandeira anti-PT encontra-se firmemente nas mãos de Bolsonaro. E, se já é difícil convencer o eleitor de que se é tão anti-petista quanto Bolsonaro, imagine prestando a cortesia de visitar Lula.

O esforço pela irrelevância

Não sou especialista em marketing eleitoral, mas a impressão que eu tenho é que, se há uma bandeira que deveria ser empunhada por um candidato da terceira via é a bandeira da pacificação nacional. Acho que uma parte da população brasileira (não sei se o suficiente para ganhar a eleição, mas deve ser relevante) gostaria de deixar 1964 definitivamente para trás e olhar para frente.

Simone Tebet, em sua entrevista de hoje no Estadão, ao ser perguntada sobre o que seu grupo tem a oferecer ao eleitorado, escolhe preferencialmente a bandeira que já pertence a Lula: acabar com a fome, miséria, desigualdade social.

Se é para fazer isso, melhor votar no original. (Não que o original vá cumprir a promessa, é apenas uma referência à percepção do eleitorado). SImone refere-se à pacificação de forma apenas secundária, quando deveria ser a principal bandeira, aquela a ser martelada dia e noite.

Lula, que está longe de ser ingênuo, já sacou essa estratégia. Em tuíte de ontem, ele se coloca como “o pacificador”.

Claro, é uma lorota, assim como a de resolver o problema dos pobres. Mas estamos falando de percepções. E não tenha dúvida de que Lula vai querer se colocar como o adulto na sala, o que, convenhamos, não será difícil, considerando as diatribes diárias de Bolsonaro. A escolha de Alckmin como vice não tem nada a ver com programa econômico, mas com essa imagem de “governo de pacificação”.

Para piorar o que já estava ruim, ao ser perguntada se vai se opor ao programa econômico do PT, Tebet adota a saída Glória “Não Tenho Como Opinar” Pires.

Em que planeta a senadora morava nos anos em que o PT governou o Brasil? Em que ilha distante e sem internet estava quando Lula afirmou que vai acabar com o teto de gastos e a reforma trabalhista? Deixando a bandeira da pacificação nas mãos de Lula e abrindo mão da crítica mais óbvia ao PT, prevejo que a nossa “candidata da terceira via” tenha dificuldade de ultrapassar o número de votos de Marina Silva nas últimas eleições.

O print é eterno

Lula tuitou hoje, afirmando que o debate com Alckmin era civilizado, sobre programa de governo.

O problema para Lula é que o print é eterno. Abaixo vão vários exemplos do debate “civilizado” entre Lula e Alckmin, focados exclusivamente em “programas de governo”, e relembrados nas respostas ao tuíte do ex-presidiário.

A construção da desigualdade brasileira

Jason está de volta. Um grupo de empresas, liderado pelo presidente da Associação Brasileira dos Lojistas de Shoppings, vai sugerir uma PEC para reintroduzir a CPMF como compensação para a desoneração da folha de pagamento.

Já escrevi várias vezes sobre esse assunto, mas nunca é demais repetir: o mecanismo proposto, além de pernicioso para o financiamento de empresas e indivíduos, é um instrumento de concentração de renda. Vejamos porque.

Grande parte da carga tributária sobre a folha de pagamento refere-se à contribuição previdenciária. Ou seja, é a parte da empresa paga para o INSS. Portanto, esse imposto servirá para financiar a aposentadoria dos empregados.

Ao substituir esse imposto pela CPMF, o que se está fazendo é cobrando de todo mundo o funding que financiará a aposentadoria dos trabalhadores que têm carteira assinada. Esse grupo forma a elite dos trabalhadores brasileiros. Pode ser um empacotador no supermercado ou um porteiro terceirizado: se tem carteira assinada, significa que trabalha para uma empresa de certo porte, que pode formalizar a sua mão de obra e, portanto, está muito melhor do que a imensa maioria dos brasileiros, que sobrevive na base do subemprego, na hipótese de ter algum emprego.

Assim, a CPMF vai onerar todo mundo, tendo emprego ou não, para subsidiar a aposentadoria da parte superior da força de trabalho, aquela que é registrada. Os defensores da proposta defendem que a desoneração permanente poderia aumentar o número de trabalhadores registrados. No entanto, mesmo nessa benigna hipótese, em que o subsídio não serve para engordar a linha do lucro do balanço das empresas, o seu custo continua recaindo principalmente sobre os mais pobres. A CPMF parece um imposto mágico porque tem uma alíquota muito pequena. A sua “mágica” consiste justamente na sua enorme base de incidência. E não é possível ter uma base grande de incidência sem onerar a grande massa de pobres do país.

Essa proposta é o retrato da elite brasileira: construímos com banda e fanfarra um estado de bem-estar social exemplar, com benefícios previdenciários que permitiam a aposentadoria a pessoas do topo da pirâmide com 50 anos de idade e, do outro lado, cobramos silenciosamente um imposto dos mais pobres para financiar a festa. Não se tem uma desigualdade de renda como a brasileira sem muito esforço e dedicação.

Confundindo simpatia com análise

Se há um pecado mortal em qualquer análise política, é o de não saber distinguir estratégia política de preferência pessoal. Uma coisa é achar isso ou aquilo dos candidatos, outra bem diferente é entender o que vai funcionar ou não para atingir determinado objetivo. Miriam Leitão cai nesse vício, ao determinar que qualquer candidatura de terceira via deveria reconhecer que Lula é superior a Bolsonaro no quesito “respeito à democracia”.

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Nem vou aqui entrar no mérito sobre a superioridade de um candidato ou outro sob qualquer aspecto. Tenho minha opinião pessoal, mas isso pouco importa para a análise. Meu ponto é apenas lógico: se o candidato é de “terceira via”, por definição deve considerar ambos os opostos como inadequadas SOB QUALQUER ASPECTO. Ao reconhecer alguma superioridade de um sobre o outro, já mostrou uma preferência que o transforma, automaticamente, em linha auxiliar de um dos polos. E, se é para votar na linha auxiliar, o eleitor ou vai escolher o polo principal ou o polo opositor, a depender de sua simpatia. FHC, ao tirar uma foto com Lula, fez mais pela campanha de Lula e de Bolsonaro do que qualquer aliado desses dois faria.

Miriam Leitão faz uma oposição atávica a Bolsonaro, o que é compreensível, dada a sua história pessoal. Isso é uma coisa. Outra coisa é dizer que qualquer candidato da terceira via deveria reconhecer a superioridade de Lula. Isso é uma rematada bobagem para quem realmente quer se colocar como alternativa. E vou além: se a estratégia do candidato é tirar Bolsonaro do segundo turno, deveria assumir uma postura anti-petista, pois este é o atributo mais importante em uma eleição polarizada. Ser anti-bolsonarista fará com que o candidato dispute votos com Lula, que é o anti-Bolsonaro da disputa. Atacar Bolsonaro esperando tirar Bolsonaro da disputa é fazer o jogo de Lula. Talvez seja esse o objetivo in pectore de Miriam Leitão.

O jogo dos apoios políticos

Fechada a janela do swing partidário, em que políticos trocam de parceiros de maneira consensual, os analistas da suruba política brasileira começam a fazer a análise do resultado. Uma reportagem e a coluna de Bruno Carazza, ambos no Valor, reconhecem a vitória de Bolsonaro nesse processo.

A reportagem não deixa de mostrar uma certa perplexidade, ao constatar que a suposta “perspectiva de poder”, dada pela liderança de Lula em todas as pesquisas, não foi suficiente para atrair políticos para o PT ou suas siglas subordinadas. Carazza, por sua vez, atribui o fracasso do PT nessa fase a um certo clima de “já ganhou” no partido, ao passo que Ciro Nogueira, o capitão do time de Bolsonaro, trabalhou com afinco para engordar a sua sigla e as legendas aliadas.

As eleições de 1989 e de 2018 mostraram que é possível ganhar um pleito presidencial sem o apoio de grandes federações partidárias. Em 2018, inclusive, Alckmin teve pífios 5% dos votos contando com o apoio de meio Congresso e um latifúndio de tempo de TV. Mas 2018, assim como 1989, foi um ano atípico. Com o sistema político sob os escombros da Lava-Jato, pouco importava o apoio de políticos. Agora, com a volta de uma certa “normalidade”, provavelmente teremos uma eleição padrão, com duas candidaturas opostas se digladiando e, eventualmente, uma terceira candidatura desafiante. E, nesse jogo padrão, o apoio político é importante para atingir a capilaridade necessária em uma campanha nacional.

Voltando à perplexidade da reportagem do Valor, é de se notar como o Centrão, liderado por Ciro e Valdemar, mantém-se firme ao lado de Bolsonaro, a ponto de atrair quadros para as eleições regionais. Claro que, em um eventual governo Lula, os dois não teriam restrição a mudar de barco. Mas o fato de manterem-se no barco bolsonarista para as eleições significa duas coisas: 1) Bolsonaro não é aquele candidato tóxico que se quer varrer para debaixo do tapete. Pelo contrário, seu apoio ainda vale alguma coisa; e 2) O Centrão tende a ter muito mais poder em um eventual segundo governo Bolsonaro do que em um terceiro governo Lula. A experiência mostra que Lula e o PT são hegemônicos, e os principais nacos do poder ficam sempre com o PT. Mensalão e petrolão foram a maneira encontrada pelo PT para ter uma base sem dividir o poder.

A falta de demanda pela terceira via

Dada a largada para a análise de pesquisas eleitorais nessa página. Se você é daqueles que não acreditam em pesquisas eleitorais, não perca o seu e o meu tempo, simplesmente ignore. Aqui, como fiz em 2018, procuro entender as grandes tendências e chamar a atenção dos leitores para coisas que me chamaram a atenção.

O gráfico abaixo mostra todas as pesquisas publicadas neste ano, por ordem cronológica. Cada instituto tem sua metodologia de amostragem, então é natural que gerem resultados diferentes. Mas é possível derivar um certo padrão.

Lula lidera em todas as pesquisas, com intenções de voto entre 40% e 45%. Bolsonaro, igualmente em todas as pesquisas, segue em 2o lugar, com intenções de voto entre 25% e 30%. A menor diferença está na pesquisa da Paraná (40 x 30), enquanto todas as outras mostram distâncias maiores.

Mas é para o grupo “Outros” que eu gostaria de chamar a atenção. Em todas as pesquisas, este grupo perde de Bolsonaro. Ou seja, todos os outros candidatos não conseguem somar a intenção de voto em Bolsonaro. Fiz questão de plotar a intenção de voto estimulada, para não ter a desculpa de que o pesquisado não lembrou de algum candidato em que poderia votar. Estão todos listados, então a pessoa escolheu Lula ou Bolsonaro tendo como opção um terceiro nome na lista.

Houve um certo desalento essa semana com a chamada “terceira via”, depois da desistência fake de Dória e da desistência “no momento” de Moro. A grande premissa da terceira via é a união em torno de um único nome que pudesse desbancar um dos dois candidatos que estão na ponta, que hoje seria Bolsonaro. Ocorre que, mesmo na remotíssima possibilidade de que essa unificação ocorresse e que todos os que dizem votar em algum candidato que não Lula/Bolsonaro votassem nesse candidato único, o que as pesquisas dizem HOJE é que este candidato único não tiraria o lugar de Bolsonaro.

Para que houvesse alguma chance de a terceira via decolar, precisaríamos estar vendo, neste momento, uma maior dispersão de intenção de votos entre os candidatos, de modo que um eventual nome único não precisasse carrear 100% dos votos dos candidatos que desistissem para ocupar a 2a vaga no segundo turno, pois isso não vai acontecer.

Eliane Catanhêde termina sua coluna de hoje no Estadão com a seguinte frase: “Há uma desesperada demanda pela terceira via no eleitorado, mas as lideranças políticas são incapazaes de oferecer o produto”. Bem, não sei onde a colunista está vendo essa “demanda desesperada por uma terceira via”. O que eu estou vendo, olhando as pesquisas dos mais diversos institutos, é que o eleitor escolhe Lula ou Bolsonaro, MESMO TENDO OUTRAS OPÇÕES NO CARDÁPIO. Ou seja, a tal demanda parece ser mais um desejo do que uma realidade.

Claro, tudo sempre pode mudar, treino é treino, campanha é campanha, e o imponderável futebol clube sempre pode dar as caras. Mas o retrato de hoje do mercado eleitoral é demanda e oferta se encontrando em um ponto insuficiente para romper a polarização entre Lula e Bolsonaro.

A moeda única do Mercosul

Fernando Haddad e um outro economista ligado ao PT nos brindaram com um artigo na Folha de hoje defendendo o estabelecimento de uma moeda única da América do Sul. Pode parecer o Euro, mas, depois que se lê o artigo, é mais parecido com os SDRs (Special Drawing Rights), uma espécie de “moeda” do FMI, lastreada nas moedas dos seus países-membros mais ricos. O SDR serve como uma espécie de “unidade de conta” para facilitar transações do FMI. Os EUA, Zona do Euro, China, Japão e Reino Unido depositam uma quantia de suas próprias moedas para que o FMI faça as suas políticas. Por exemplo, recentemente o FMI fechou um novo pacote de ajuda para a Argentina no valor de 31,4 bilhões de SDRs, o que equivale a mais ou menos US$ 44 bilhões.

E para que serviria essa moeda sul-americana? Segundo os autores, “um projeto de integração que fortaleça a América do Sul, […] é capaz de conformar um bloco econômico com maior relevância na economia global e conferir maior liberdade ao desejo democrático, à definição do destino econômico dos participantes do bloco e à ampliação da soberania monetária”. Trocando em miúdos esse palavrório: uma moeda única faria a mágica de nos elevar à condição de superpotências econômicas, a ponto de termos liberdade de fazermos o que bem entendermos com nosso destino (“soberania monetária”).

Para entender este ponto, vale listar os diversos exemplos listados pelos autores, e que demonstram como países com moedas fracas são vulneráveis e como uma moeda forte permite ter margem de manobra:

• Os EUA e a Europa se valeram do poder de suas moedas para impor severas sanções contra a Rússia;

• Em 1979, os EUA elevaram os juros para “reafirmar o poder do dólar”, quebrando todos os países que tinham dívidas em dólar (na verdade, o Fed elevou as taxas de juros para combater a inflação);

• Em 2008, a força do dólar teria permitido ao Fed sustentar os preços no mercado financeiro;

• Durante os anos 90, sucessivas crises globais levaram diversos países latino-americanos a recorrer ao FMI, muitas vezes abrindo mão da soberania sobre suas políticas;

• Vários países recorreram à dolarização de suas economias, renunciando à sua soberania monetária.

A moeda única da América do Sul serviria, portanto, para fortalecer as economias da região, levando-as à “soberania monetária”.

Temos aqui o típico caso do rabo abanando o cachorro. Vou aqui copiar o parágrafo do artigo que é chave para entender o problema dessa ideia:

“A utilização do poder da moeda em âmbito internacional renova o debate sobre sua relação com a soberania e a capacidade de autodeterminação dos povos, em especial para países com moedas consideradas não conversíveis. Por não serem aceitas como meio de pagamento e reserva de valor no mercado internacional, seus gestores estão mais sujeitos às limitações impostas pela volatilidade do mercado financeiro internacional”.

Estou lendo neste momento o livro de Gustavo Franco, “A Moeda e a Lei”. Trata-se de um verdadeiro tratado sobre a moeda brasileira, sob o ponto de vista das diversas legislações que se sucederam ao longo da história. Fica claro, ao longo do livro, os graves problemas de governança da moeda nacional, e que acabaram por levar às várias reformas monetárias ao longo da história e à hiperinflação. A moeda brasileira sempre foi tratada como linha auxiliar dos grandes programas de fomento governamental, submetendo o orçamento público aos interesses privados de políticos e de setores econômicos, sem qualquer tipo de limitação. A moeda brasileira nunca foi respeitada pelos nossos representantes.

Voltando ao parágrafo destacado acima, o problema não é que os países da região tenham um déficit de soberania porque suas moedas sejam fracas. É justamente o oposto: as moedas são fracas porque os países da região abrem mão de sua soberania em favor de grupos privados. Ao não levar a sério as finanças públicas, esses países sabotam a própria moeda.

É interessante como não há, ao longo de todo o artigo, uma mísera menção à disciplina fiscal. O Euro só funciona porque a Alemanha, fanática pela disciplina fiscal, ancora a zona do Euro. Há regras duras que devem ser obedecidas por todos os seus membros, o tratado de Maastricht. Em sua pior crise, em 2011, vários países da zona do Euro ficaram ameaçados de sair da moeda única. A Grécia, o país em pior situação fiscal, teve que fazer um ajuste draconiano, cortando aposentadorias e outras despesas públicas para se enquadrar. Era isso ou sair. Os gregos, sob a liderança de um político de esquerda, escolheram a disciplina à hiperinflação que certamente se seguiria se escolhessem voltar ao dracma. Uma moeda estável tem seus custos, e não são pequenos.

A ideia de que uma moeda única seria capaz de “oferecer aos países as vantagens […] de uma moeda com maior liquidez, válida para relações com economias que, juntas, representam maior peso no mercado global” é o mesmo que acreditar que dois bêbados juntos fazem uma pessoa sóbria.

Claro que precisaríamos de uma espécie de “Câmara Sul-Americana de Compensação”, como chamam os autores do artigo ao esquema em que os países superavitários ajudariam os países deficitários. O duro é encontrar países superavitários na região. Oi Chile, já vai embora, fica mais um pouco, vamos conversar…

Enfim, a ideia por trás do SUR (o nome dado à essa moeda sul-americana) é uma espécie de pensamento mágico, em que a união monetária teria o condão de integrar a região e torná-la mais forte diante do mundo. Como brincou meu amigo Cleveland Prates, que me enviou esse artigo, resta saber se a sede do Banco Central da América do Sul ficaria em Buenos Aires ou Caracas.

O desafio da inclusão do autista

Hoje é o Dia Internacional de Conscientização do Autismo, e o Estadão publica uma reportagem sobre inclusão de crianças autistas em escolas regulares.

Tenho um filho autista. Hoje o Álvaro tem 27 anos de idade. Portanto, seus dias escolares já ficaram para trás. Mas tivemos a nossa própria aventura de inclusão.

Depois de diagnosticado com TEA (Transtorno do Espectro Autista) o primeiro que fizemos foi procurar uma escola especializada. Encontramos uma que era dedicada a alunos com os mais diversos transtornos mentais. Não precisamos de mais do que uma semana para entender que aquilo não levaria o Álvaro a lugar algum. Se ele tinha alguma chance, era frequentando uma escola normal, onde os outros alunos o puxariam para cima.

Começamos a procurar, mas na década de 90 esse assunto de inclusão estava engatinhando no Brasil. Encontramos uma escola em que a diretora tinha como filosofia a inclusão. Ela entendia que a inclusão era uma via de duas mãos: ajudava o incluído e também os alunos normais na aceitação do diferente. O Álvaro cursou o ensino fundamental por mais de 10 anos, pois obviamente não conseguia acompanhar o conteúdo. Teve que sair quando o seu tamanho já não era compatível com o dos seus colegas.

Difícil dizer se a inclusão ajudou ou não o Álvaro, pois não temos o contrafactual. Ele continua não tendo condições de ter uma vida autônoma, mas não sei o que seria se continuasse em uma escola especializada, sem o convívio dos colegas normais. De qualquer modo, se o convívio dos seus colegas com ele já serviu para ajudá-los, valeu a pena.

Hoje, a inclusão é obrigatória por lei, nenhuma escola pode negar a matrícula de uma criança com TEA. Isso é bom e é ruim. Explico.

Na reportagem do Estadão, um promotor compara a limitação do número de alunos de inclusão por sala de aula (reivindicação das escolas particulares) com uma eventual limitação de alunos negros.

Trata-se de uma comparação estapafúrdia, a não ser que o promotor considere que alunos negros têm profundas dificuldades de aprendizagem. Espero que não seja isso. A comparação não cabe porque não se trata de preconceito, mas de dificuldade técnica. Como pai de um autista, entendo perfeitamente que a inclusão pode trazer não pequenos transtornos para o andamento normal de uma sala de aula, a depender do comprometimento do aluno. É preciso ter uma estrutura preparada, e a inclusão de vários alunos em uma única sala pode efetivamente inviabilizar o aprendizado de todos. A inclusão, que é um direito de justiça, passa a ser gerador de injustiça para as outras crianças e para a escola. O exagero passa a ser contraproducente para a própria causa do autismo.

No Dia Internacional de Conscientização do Autismo, espero sinceramente que o bom senso e a abertura para o diferente temperem a justiça seca. Não é por imposição de uma lei que se conseguirá que a causa do autismo seja acolhida, mas com diálogo e respeito mútuo. A lei é condição necessária, mas está longe de ser suficiente.

Copa do Mundo é camisa

Colocar o Qatar como cabeça de chave não faz o menor sentido. Poderemos ter um grupo com Qatar, EUA, Sérvia e Arábia Saudita e outro com Brasil, Alemanha, Polônia e Gana. ”Grupos da morte” são legais para dar alguma pimenta na fase de grupos de um campeonato com seleções em excesso. Mas a contrapartida é termos grupos que não fariam falta de maneira alguma.

Copa do Mundo é camisa. Os atuais campeões do mundo, com a adição de Holanda e, talvez, Bélgica, deveriam ser sempre os cabeças de chave, para guardar os confrontos que importam para a fase do mata-mata. Essa história de usar o tal “ranking da FIFA” como critério não passa de um burocratismo que não conversa com o torcedor. Esse burocratismo, aliado à ambição comercial que inchou a Copa do Mundo, vai aos poucos matando o interesse pelo torneio.