Vamos festejar a democracia brasileira!

01/01/2023.

Depois de uma campanha verdadeiramente sangrenta, o que incluiu a depredação da sede do STF por uma turba enfurecida com o resultado das eleições, hoje Luís Inácio Lula da Silva receberá a faixa presidencial pela terceira vez.

A faixa será transmitida pela presidenta do STF, ministra Rosa Weber, dado que o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, recusou-se a reconhecer os resultados e a transmitir o cargo. Nada como uma mulher para anunciar os novos tempos!

Essa posse lembra outra, há quase 40 anos. Em 15/03/1985, Tancredo Neves, pelas mãos de seu vice José Sarney, tomava posse como o primeiro presidente após o regime ditatorial, anunciando o alvorecer do renascimento democrático no país. Da mesma forma, Lula assume como o primeiro presidente após um hiato democrático que achávamos que estava no passado e, esperamos, não se repita mais no Brasil.

Lula representa a democracia neste momento, assim como Tancredo representou em 1985. Tudo bem que o PT de Lula não tenha votado em Tancredo. A orientação do partido foi de não comparecimento à sessão que elegeria o futuro presidente. Três deputados foram contra a orientação do partido, e se desligaram antes de serem expulsos. Mas esse é um detalhe irrelevante, o PT sempre foi um partido muito disposto ao diálogo democrático.

Tancredo faleceu, Sarney assumiu, e a primeira questão política a ser enfrentada foi a elaboração de uma nova Constituição para o novo tempo. Constituinte reunida, muita discussão na Casa da Democracia, em 05/10/1988 um esfuziante Ulysses Guimarães anunciava a Constituição Cidadã. Todos os democratas estavam muito contentes. O fato de o PT ter sido o ÚNICO partido que votou contra o texto final da Constituição é irrelevante, o PT sempre foi um partido muito disposto ao diálogo democrático.

Constituição nova na rua, vem as eleições de 1989. Lula perde por um pouquinho, continua na oposição, luta pelo impeachment, tem sucesso ao depor um presidente democraticamente eleito, com todos os deputados do PT exercendo o direito democrático concedido pela Constituição. Aliás, o PT não deixou de exercer esse mesmo direito contra FHC, pedindo seu impeachment algumas dezenas de vezes. Tudo bem que esse mesmo PT, 14 anos depois, chamaria de golpistas os deputados que ousaram exercer esse mesmo direito democrático. Mas isso é irrelevante, o PT sempre reconheceu em seus adversários o seu mesmo pendor democrático.

Após 3 tentativas, o PT finalmente chega ao cargo máximo da República em 2002. Seu relacionamento com o Congresso foi exemplar, exercendo republicanamente a parceria com os parlamentares para governar o país. O Mensalão, e depois o Petrolão, usados como instrumentos para compra de votos, são meros detalhes irrelevantes, que não são capazes de manchar a reputação do PT como exemplo de diálogo democrático.

Enfim, hoje é um dia de festa. É a festa da reafirmação da democracia. O povo soube afastar o risco autoritário. Vamos festejar a democracia brasileira!

Sobra boa vontade, falta matemática

Há muito venho falando que os jornalistas precisariam de uma formação melhor em matemática, até para que possam defender seus pontos com mais propriedade e credibilidade. A falha dessa formação acaba por desmoralizar a própria agenda defendida, às vezes até injustamente.

O caso de hoje é a campanha na imprensa pela volta da obrigatoriedade do uso de máscaras, principalmente nas escolas.

Não vou aqui entrar no mérito da questão, mesmo porque não sou infectologista. Meu ponto é somente relativo ao exemplo usado pelo jornalista para ilustrar a preocupação da presidente da APEOESP, a deputada estadual petista professora Bebel.

Segundo o site do sindicato dos professores da rede estadual de ensino de SP, 182 casos de Covid foram registrados em 16 dias.

Considerando que a rede estadual de SP conta com 3,5 milhões de alunos, fora professores e funcionários, temos uma média de 3 casos/milhão/dia. Perto dos 125 casos/milhão/dia registrados no estado de SP nos últimos 7 dias, segundo dados do ministério da Saúde, essa incidência nas escolas estaduais paulistas é um zero estatístico.

Claro, sempre se poderá dizer que o site da APEOESP não registra todos os dados da doença. Ok, digamos que seja verdade. Então por que raios esses dados foram citados na reportagem??? Eu digo porque: as pessoas, em grande parte, incluindo o jornalista, não fazem essa conta. Elas olham o número absoluto, 187 casos em 11 dias somente nas escolas, e realmente acreditam que se trata de algo assustador. Um jornalista minimamente formado em matemática descartaria usar esse número na reportagem, por depor contra a tese da matéria.

Com reportagens dessa qualidade, o uso obrigatório de máscaras continuará sendo um desejo distante.

Eletrobras ou não Eletrobras, eis a questão

As pessoas físicas poderão comprar ações da Eletrobras com o seu FGTS. Vale a pena?

O primeiro raciocínio é que qualquer coisa maior que TR + 3% é melhor que o FGTS. E qualquer investimento rende mais que TR + 3%. Portanto, valeria a pena comprar ações da Eletrobras com o FGTS.

No entanto, ainda está fresca na memória de muitos a catastrófica capitalização da Petrobras em 2010. Na ocasião, os detentores de saldo no FGTS também puderam participar. E ninguém que tenha participado guarda boas lembranças desse investimento.

Voltando um pouco no tempo, no ano 2000 o governo também abriu a possibilidade de comprar ações da Petrobras com o FGTS. Naquela época, o valor de mercado da empresa era por volta de R$ 50 bilhões. Dez anos depois, por ocasião da megacapitalização do PT, a empresa valia R$ 400 bilhões. O capital havia se multiplicado por 8, refletindo a descoberta do pré-sal, além de políticas macroeconômicas que levaram o país e a empresa ao grau de investimento. Olhando pelo retrovisor, muitos projetaram para o futuro o mesmo que havia acontecido no passado. Além disso, o risco era baixo, pois “qualquer coisa rende mais que o FGTS no longo prazo”.

O que se viu nos anos seguintes foi um circo de horrores, que levou o valor de mercado da Petrobras a encolher até R$ 85 bilhões no início de 2016, véspera do impeachment. Ou seja, para quem entrou em 2000, o investimento rendeu em linha com o FGTS. Já quem entrou em 2010 viu evaporar 80% do seu investimento em pouco mais de 5 anos. Nem criptomoeda perde tanto em suas maiores crises.

Voltemos à questão da Eletrobras. A diferença, neste caso, é que a Eletrobras vai ser privatizada, ao passo que a Petrobras continuou sob o controle do Estado. Espera-se que a gestão privada não arruine a empresa como foi o caso da Petro.

Mas tem um detalhe importante nessa história. O setor elétrico é um dos mais regulados da economia. As empresas dependem do cumprimento de contratos de longo prazo com o governo. Ainda está fresca na memória os prejuízos causados às empresas do setor pela MP 579, de 2013, em que o governo Dilma arbitrou preços fora da realidade para a renovação de concessões, com o objetivo de reduzir as tarifas de energia. Ok, na época somente a Eletrobras topou os termos do governo, levando a empresa a prejuízos bilionários. Com uma Eletrobras privatizada, o governo teria que pensar em outros truques.

E é aí que mora o perigo. O governo do PT sempre se mostrou muito criativo na hora de tungar investidores. Qual seria o coelho que um novo governo do PT tiraria da cartola para “baixar os preços das tarifas de energia”? O deputado do PT Jean Paul Prates, cotado para ser o ministro das Minas e Energia de um eventual governo do PT, já afirmou que essa privatização da Eletrobras seria revertida em um governo Lula. Claro, trata-se de mais uma afirmação incendiária que não vai acontecer, assim como tantas outras saídas da boca do próprio candidato.

Esse é o problema da desconfiança. Se os investidores, inclusive os detentores do FGTS, tivessem absoluta certeza de que não seriam vítimas de manobras ”espertas” do governo de plantão, estariam dispostos a pagar muito mais pelas ações da Eletrobras, e o governo arrecadaria muito mais com a venda. No entanto, como cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça, os investidores descontam no preço o risco de novas intervenções.

Em plantas de fábricas, é comum encontrarmos uma placa com os dizeres “estamos trabalhando há X dias sem acidentes”. Precisamos de décadas sem “acidentes de percurso” para que nossos ativos deixem de ser descontados pelo chamado “risco Brasil”, que é o risco de políticas econômicas que destroem valor. Infelizmente, o governo do PT zerou a contagem da placa, enquanto o governo Bolsonaro, com suas constantes investidas contra a diretoria da Petrobras, está se esforçando por zerar novamente.

Estratégia Carosella

Bolsonaro voltou a reclamar de seus sócios na Petrobras.

Gostaria de sugerir ao presidente a estratégia Carosella, que admitiu ter desvalorizado propositalmente um de seus restaurantes para comprá-lo a preço de banana dos seus sócios.

Da mesma forma, se o governo forçar os preços dos combustíveis para baixo, chegará um momento em que a Petrobras estará tão desvalorizada, que o governo poderá recompra-la de seus sócios com um belo desconto. Assim, poderá se ver livre deles e fazer da empresa o que bem entender.

O PT teve essa oportunidade mas não aproveitou. Vamos ver se Bolsonaro deixará escapar essa chance novamente.

Debate ideológico

Esse debate sobre o direito ao porte de armas me faz lembrar o debate sobre a maioridade penal.

No Brasil, sempre que um ”de menor” comete um crime bárbaro, a direita sai pedindo redução da maioridade penal, enquanto a esquerda defende o status quo, lembrando que a violência tem causas mais profundas, não será punindo o infrator que se evitará o crime e acusando histeria do outro lado.

No caso das armas, os papéis se invertem. Sempre que há um massacre nos EUA, a esquerda sai pedindo controle de armas, enquanto a direita defende o status quo, lembrando que a violência tem causas mais profundas, que não será controlando armas que se evitará o crime e acusando histeria do outro lado.

Nesses debates, os aspectos técnicos perdem relevância, de longe, para os aspectos políticos e ideológicos.

Estou certo de que os comentários a este post corroborarão a tese.

O que nos diz a pesquisa Datafolha

A pesquisa Datafolha publicada hoje está dando o que falar. Não é à toa: Lula aparece com 48% das intenções de voto, indicando vitória já no 1o turno, 21 pontos à frente de Bolsonaro. É a maior pontuação de Lula desde o início do ano, e a maior diferença desde fevereiro, quando uma pesquisa da Genial/Quaest apontou diferença de 22 pontos.

Mas vamos analisar um pouco mais. O gráfico abaixo mostra o acompanhamento de todas as pesquisas publicadas desde o início do ano (total de 44 pesquisas até o momento). Cada ponto representa uma pesquisa, e a linha continua é a média das pesquisas feitas nos últimos 15 dias. A ideia é pegar a tendência de curto prazo.

Podemos observar que o número do Datafolha não muda a tendência para Lula de maneira relevante, que já vinha oscilando entre 40 e 45 pontos desde o início do ano, e continua lá. Seria necessário que outras pesquisas confirmassem o Datafolha para mostrar uma tendência de crescimento.

Também para Bolsonaro, que vem oscilando entre 30 e 35 pontos desde a desistência de Moro, o Datafolha não mudou de maneira relevante a tendência. Assim como para Lula, seria preciso que outras pesquisas confirmassem a tendência.

Até o momento, a única mudança relevante no quadro eleitoral foi a desistência de Moro, que fez com que Bolsonaro saltasse da faixa de 25-30 para 30-35 pontos, enquanto “Outros” (já sem Moro) recuou de 20 para 15 pontos. E é sob este prisma que gostaria de analisar essa pesquisa do Datafolha.

A última pesquisa Datafolha foi feita no dia 22/03, antes, portanto, da desistência de Moro. Até o momento, como vimos, todas as pesquisas mostraram uma migração de votos de Moro para Bolsonaro. Estranhamente, não foi o que aconteceu no Datafolha, em que “Outros” emagreceu de 21 para 13 pontos, mas esses pontos migraram para Lula, que subiu de 43 para 48 pontos. Não faz muito sentido, e vai contra todas as outras pesquisas do último mês.

Também ainda não consegui a abertura da pesquisa para ver onde Lula cresceu, assim que conseguir complemento essa análise.

De qualquer forma, valem duas observações:

1) É preciso acompanhar as pesquisas de outros institutos para ver se o Datafolha é um outlier ou uma mudança de tendência e

2) Pesquisa em maio ainda é recall, estamos longe da campanha eleitoral propriamente dita. Obviamente, significa que, se a eleição fosse hoje, Lula estaria eleito. Mas a eleição não é hoje, é daqui a 5 meses. E 5 meses são uma eternidade.

O que pensa Simone Tebet na economia

Quem é Simone Tebet? O que pensa? Onde vive? Como se alimenta?

Cada um escolhe o seu candidato a presidente de acordo com uma escala de valores própria. No meu caso particular, o que o candidato pensa sobre assuntos econômicos tem uma grande importância. Daí a pergunta: o que Simone Tebet pensa sobre economia?

Tebet ontem declarou que é “liberal na economia, mas contra a privatização da Petrobras”.

A senadora também votou contra a privatização da Eletrobras. Fico cá imaginando o que mais vem depois desse “mas” após a auto-declaração liberal de Tebet.

O Ranking dos Políticos nos fornece uma forma sistemática de avaliação dos parlamentares. Usando critérios liberais, o ranking pontua os parlamentares de acordo com suas votações no Congresso. Temos, então, um retrato fiel dos pendores de cada deputado para além do mero discurso.

A senadora Simone Tebet situa-se na 308a posição entre 581 parlamentares avaliados. Ou seja, ligeiramente abaixo da mediana. Bem em linha com o seu “sou liberal, mas”. Para quem gostaria de ver um liberal-raiz na presidência, trata-se de uma decepção.

Mas vamos explorar um pouco mais o ranking. Aécio Neves, por exemplo, que era o preferido da Faria Lima para destronar Dilma em 2014, tem nota pior que Tebet. Claro, contra Dilma e Marina, Aécio parecia um Milton Friedman. Nesse contexto, apesar de longe do ideal, Tebet pode ser muito melhor que várias alternativas. Paulinho da Força, amigão de Alckmin, está em 567o lugar, enquanto Cid Gomes, que pode ser considerado uma proxy do seu irmão Ciro, está em 449o lugar.

Outro ponto a considerar é a sua pontuação. Como vimos, Tebet se situa abaixo da mediana, mas certamente está acima da média. Não calculei a média, mas é fácil de entender. A nota máxima desse ranking é 8,16 (do senador do Podemos, Eduardo Girão), enquanto a mínima é 1,60 (da deputada do PSOL, Vivi Reis). A mediana (o parlamentar que divide a amostra exatamente ao meio) é Fernando Coelho Filho, deputado federal do União Brasil, que está em 290o lugar, com 6,22 pontos. Portanto, metade dos parlamentares têm nota igual ou acima de 6,22 e metade têm nota igual ou abaixo de 6,22. Como a diferença entre a maior nota e a mediana é de 8,16 – 6,22 = 1,94 pontos, ao passo que a diferença entre a mediana e a menor nota é muito maior, de 6,22 – 1,60 = 4,62 pontos, podemos concluir que a nota dos deputados abaixo da mediana puxa a média muito para baixo.

Do ponto de vista de sucesso nas votações o que importa é a mediana, pois cada cabeça é um voto, e pouco importa a “intensidade” do liberalismo de cada parlamentar. Mas do ponto de vista da avaliação de cada parlamentar em particular, a média é mais significativa, justamente porque compõe a crença “média” da população brasileira. No caso, Simone Tebet está acima da média dos parlamentares brasileiros em termos de “ideias liberais”. Uma outra forma de constatar isso é verificar que faltariam apenas 0,94 pontos para que Tebet se situasse entre os 100 parlamentares mais “liberais” do Congresso, ao passo que ela teria que perder 2,69 pontos para ficar entre os 100 parlamentares menos “liberais”. Ou seja, com uma boa orientação (ao que parece, Afonso Celso Pastore pode estar em sua campanha), a senadora pode falar o que a Faria Lima quer ouvir.

Portanto, e para concluir, do ponto de vista de ideias econômicas, Tebet não é ideal para mim, mas não compromete. E, considerando que o voto da Faria Lima é irrelevante para eleger qualquer um, o fato de a senadora estar ali próxima da mediana e somente um pouco acima da média certamente a fará mais palatável para o brasileiro médio no aspecto de ideias para a economia.

A questão das mensalidades nas universidades públicas

O debate sobre a cobrança de mensalidades em universidades públicas voltou à pauta, com o início da tramitação da PEC 206/2019.

Os defensores da “universidade pública, de qualidade e gratuita” já se manifestaram. Nesse debate, não poderia faltar a opinião de Anitta. Ansioso para ouvir Felipe Neto.

Chistes à parte, esse é um falso debate. O pobre já paga universidade no Brasil. Segundo o censo da educação superior de 2020, dos 8,6 milhões de alunos matriculados no ensino superior em 2019, cerca de 76% pagavam mensalidade em faculdades privadas. Esse número era de 74% em 2009. A grande maioria, obviamente, pobres.

Então, essa defesa apaixonada pela ”educação superior gratuita” é apenas uma defesa dos peixinhos de um aquário muito pequeno em relação ao mar aberto da educação superior no Brasil. Claro que gostaríamos todos de prover “educação pública de qualidade e gratuita” para todos. Seria possível?

O orçamento de 2022 para o custeio das universidades federais é de R$ 5 bilhões. Isso é só custeio (água, luz, limpeza), não inclui salários dos professores. O orçamento obrigatório, segundo consulta que fiz no Painel do Orçamento Federal, totaliza R$ 30 bilhões de valores empenhados em 2022. Então, são R$ 35 bilhões para manter 1,33 milhões de alunos, o que resulta em um custo mensal de aproximadamente R$ 2.200 por aluno. Para incluir os 6,52 milhões de alunos das universidades privadas no mesmo esquema, precisaríamos de um orçamento adicional de cerca de R$ 170 bilhões, ou o equivalente a 4 anos de bolsa-família.

Então, a exemplo dos sindicatos, que defendem com unhas e dentes a CLT e ignoram a imensa massa de trabalhadores não registrados, os defensores da universidade pública gratuita ignoram a imensa massa que precisa ralar para pagar universidade privada. Alguém dirá que é melhor uma minoria com esse privilégio (sim, esse é o nome) do que ninguém. Aliás, é sempre interessante ver a esquerda defender privilégios.

Faculdades como o Insper resolveram o problema de outra forma: existe um programa de bolsas que são pagas após o aluno estar formado. É a mesma ideia do FIES. A diferença é que a bolsa do Insper baseia-se em uma hipótese crível de empregabilidade do aluno após formado. Já no caso do FIES, a grande inadimplência do programa se deu por conta de uma hipótese irreal de empregabilidade dos alunos formados nesses caça-níqueis que se auto-denominam faculdades.

A grande distorção das universidades federais está justamente nessa questão da empregabilidade. É óbvio que um egresso de uma universidade pública tem empregabilidade muito maior do que o seu par da universidade privada, quando não menos pelo montante investido em cada aluno. Essa empregabilidade deveria servir como lastro de um programa de financiamento estilo FIES para esses alunos, que financiaria as universidades públicas e seria pago por estes alunos ao longo de sua vida laboral. Mas esta é uma solução muito neoliberal para o nosso país, preferimos continuar subsidiando uma minoria de estudantes com o dinheiro arrecadado dos desdentados.

Sintonizando a realidade

O que um grupo de militares brasileiros e o prêmio Nobel de economia Paul Krugman têm em comum? Ambos acalentam a sua própria teoria da conspiração, em que “elites financeiras” manipulam os cordões do mundo para atingir seus próprios inconfessáveis objetivos.

Ontem, ficamos sabendo que os militares de um tal Instituo Villas Boas produziu um documento em que acusa as “elites financeiras globais” de trabalhar por um troço chamado “globalismo”, que seria algo muito ruim mesmo.

Hoje, Paul Krugman acusa a “elite financeira digital” de apoiar, oh pecado dos pecados, o Partido Republicano.

Já tive oportunidade de escrever sobre teorias da conspiração. No seu cerne, sempre existe um “grande manipulador”, que não quer e não lhe permite saber “a verdade”. Fechados em seu próprio mundo, os crentes da teoria rechaçam qualquer evidência em contrário à teoria como mais uma manifestação do grande manipulador. Um documentário bem didático sobre o assunto é Behind The Curve, sobre os terraplanistas, disponível na Netflix.

Por algum estranho motivo, os adeptos da teoria consideram-se mais inteligentes e perspicazes do que a média, pois conseguiram escapar da “manipulação”. Ou mais honestos, porque aderem à verdade por mais dura que seja, enquanto outros preferem a mentira certamente por motivos escusos.

George Soros e Elon Musk, cada um para um grupo de crentes, são os representantes máximos dessa “elite financeira manipuladora”. Isso não é nem sequer original. Os Sete Sábios do Sião, livro da virada do século XIX para o XX, descreve como a “elite financeira judaica” manipula as cordas do mundo. E os bolcheviques e todos os seus sucessores à esquerda no século seguinte atribuem os males do mundo a uma “elite financeira”. Aliás, até hoje, para uma boa parcela da população brasileira, os “banqueiros” são os verdadeiros culpados pelas mazelas do país. Essas são verdades que dispensam demonstração de causa e efeito, como em toda boa teoria da conspiração.

Vejam, não estou negando que haja projetos para implementar determinadas agendas, e que estes projetos sejam patrocinados por quem tem dinheiro para isso. A questão é reduzir a humanidade a uma massa manipulável, como massinha de modelar, e colocar-se acima dessa mesma humanidade como aquele que “descobriu” um manipulador por trás de tudo o que acontece.

Na verdade, somos todos, de uma forma ou de outra, manipulados. As ideias são como ondas de rádio, que estão no ar sem que as percebamos. Nossa mente, assim como um aparelho de rádio, sintoniza algumas dessas ideias, enquanto outras lhe são estranhas. Essa sintonia se dá em função de nossa formação e experiências pessoais. O verdadeiro diálogo se dá entre pessoas que admitem que o outro não é um tapado manipulado, apenas sintoniza a realidade de maneira diferente.

Claro que Lula sabe disso

Lula afirma que o teto de gastos foi estabelecido para satisfazer “banqueiros gananciosos”, que queriam, vejam só, que o dinheiro que emprestaram para o governo fosse pago.

Como sempre, são várias as questões envolvidas nessa, digamos, fala do “candidato-que-não-vai-fazer-o-que-diz-que-vai-fazer”.

A primeira é técnica: conforme estatística do Tesouro Nacional, os “banqueiros” detém somente 29,47% da dívida pública. Tirando os 4,63% detidos pelo próprio governo, restam 65,90% nas mãos de pessoas físicas ou empresas, através de fundos de pensão e fundos de investimento.

Ou seja, não são somente os “banqueiros” que estão preocupados com que o governo pague a sua dívida. É a poupança das famílias que está em jogo. Claro que Lula sabe disso.

Em segundo lugar, essa dívida existe porque governos irresponsáveis do passado, entre os quais os governos do PT merecem o ponto mais alto do pódio, torraram dinheiro como se não houvesse amanhã. Reformas que poderiam mitigar a situação, como a da Previdência e a Administrativa, sempre foram impiedosamente bombardeadas pelo PT. Os “banqueiros” financiaram a festa petista. Claro que Lula sabe disso.

Lula afirma que “um governo sério não precisa de teto de gastos”. De fato, não precisa mesmo. Por isso, um teto para os gastos é essencial para que um novo governo do PT não signifique uma catástrofe econômica para o Brasil. Lula pode afirmar que, em seu governo, o país produzia superávits primários. Verdade. Só não vai lembrar que a semente do desastre do governo Dilma, com um descontrole total das finanças públicas e a maior recessão da história do Brasil, foi plantada em seu governo. Dilma apenas colheu o que ela e Lula plantaram no segundo governo Lula. Claro que Lula sabe disso.

Lula sabe que os banqueiros são seus parceiros, que a dívida pública não surgiu do nada e é o lastro da poupança das famílias, que Dilma não foi um desastre nascido de geração espontânea. Lula sabe de tudo isso, mas discursa como se não soubesse, com o objetivo de animar o seu próprio público. O resultado é esse discurso que transpira hipocrisia, mas que é saudado pelas esquerdas como uma esperança de redenção.

Como tudo o que Lula diz, seu governo será melhor se ele fizer o justo oposto. Claro que Lula sabe disso.