Não há atalhos

Fareed Zakaria é um analista bastante lúcido, alinhado aos democratas. Vale a pena ouvi-lo quando fala de política. Mas não é a primeira vez que, quando fala de economia, Zakaria se mostra bem limitado.

Na coluna de hoje, Zakaria se pergunta candidamente por que Biden não reduz a inflação eliminando as tarifas de importação e as regras de imigração estabelecidas por Trump.

É um pouco como uma criança que pensa poder segurar as ondas na praia.

Vamos por partes. Em primeiro lugar, inflação não é o mesmo que aumento de preços. O aumento dos preços é o sintoma, a inflação é a doença. Digamos que as tarifas de Trump fossem eliminadas do dia para a noite. Segundo o artigo, a estimativa é de que, se isso acontecesse, a “inflação” cairia 1,6%. Errado. Os preços cairiam 1,6%. Seria apenas uma queda isolada, sem efeito sobre o processo inflacionário. Se nada mais fosse feito, os preços continuariam a subir na mesma intensidade, só que começando de um patamar mais baixo. É o mesmo que achar que congelamento de preços resolve o problema da inflação.

Milton Friedman dizia que a inflação é um fenômeno eminentemente monetário. Ou seja, excesso de dinheiro na economia. Esse excesso, se não for retirado, continuará impulsionando os preços para cima, com ou sem tarifas. É isto o que o Federal Reserve está fazendo no momento, retirando dinheiro da economia americana. Estamos saindo de um período em que todos os governos do mundo, e em particular o americano, encharcaram as suas economias com dinheiro, via pagamento de auxílios dos mais diversos tipos. Além disso, os bancos centrais dos países desenvolvidos compraram toneladas de títulos no mercado, colocando mais gasolina na fogueira. Portanto, sem endereçar este ponto, todo o resto é apenas paliativo.

A proposta de abrir o mercado de trabalho para imigrantes é outra medida que ataca as consequências, não as causas.

Se o processo inflacionário não for debelado, a redução do custo da mão de obra se torna lucro das empresas, não preços menores. Aliás, não deixa de ser curioso que alguém alinhado aos democratas esteja defendendo medidas com o objetivo de reduzir os salários. Deixa os democratas saberem disso.

Uma evidência de que a inflação não tem nada a ver com tarifas e mercado de trabalho apertado é fato de se tratar de um fenômeno global. Trump foi presidente dos Estados Unidos, não do mundo. Suas medidas certamente não influenciaram a inflação, por exemplo, da Alemanha, que está em seu maior nível dos últimos 40 anos. Aliás, quando Trump elevou as tarifas, lá pelos idos de 2017-2018, a inflação não subiu. Por que cairia agora?

Aqui no Brasil também estamos flertando com medidas que não atacam o problema, como redução de impostos e suspensão de reajustes contratuais de energia elétrica. São medidas que reduzirão os preços, não a inflação. Esta somente será controlada com juros mais altos e política fiscal austera. Não há atalhos.

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