Uma versão edulcorada da história

Luiz Sérgio Henriques, organizador das obras de Gramsci no Brasil, trás, novamente, o paralelo entre a aliança anglo-soviética contra Hitler na 2a Guerra e uma suposta aliança entre “forças democráticas” para derrotar o extremismo de direita no Brasil, representado por Bolsonaro.

Segundo essa versão edulcorada da história, Stálin teria articulado uma “clarividente política de alianças” contra um inimigo comum, ainda que, admite o articulista, os “ventos da democracia” não tenham soprado para dentro do sistema soviético, o que seria quase que uma contradição em termos.

Bem, haveria contradição se a versão edulcorada da história fosse a real. Uma pena que não seja. A real é a seguinte: Stálin celebrou um pacto de não-agressão com Hitler, e ambos retalharam a Polônia entre si. O plano de Hitler, desde sempre, era atacar ao leste, onde estava o “espaço vital” para o povo alemão e onde se encontravam os malditos “judeus bolcheviques”. Mas, antes disso, precisava celebrar um armistício com a Grã-Bretanha, de modo a poder concentrar suas forças no ataque à União Soviética. Tendo encontrado pela frente um sujeito bem mais teimoso e clarividente que Chamberlain, Hitler não conseguiu seu intento.

Levado pela sua megalomania, Hitler decidiu, então, abrir a 2a frente de batalha ao leste, atacando a União Soviética em junho de 1941. Foi somente então que Stálin, jogando a sua melhor chance de sobreviver, aceitou fazer aliança com Churchill. Nada a ver, portanto, com uma suposta “aliança de forças democráticas para derrotar a extrema-direita”. Quem leu a auto-biografia de Churchill sabe que o primeiro-ministro britânico não confiava nada em Stálin, e tinha consciência de que era a União Soviética o inimigo de longo prazo. É dele a expressão “Cortina de Ferro”, que denominava a área de influência dos soviéticos na Europa.

Alguém poderá dizer que, mesmo em sua versão hard, a história ainda se aplica. Não seria preciso reconhecer no PT uma força democrática para estabelecer uma aliança, dado que o inimigo comum, agora, é Bolsonaro. Tratemos da direita anti-democrática agora, diria Churchill, e depois vejamos o que fazer com a esquerda anti-democrática. Até poderia ser, se assim fosse. A correlação de forças é completamente outra. Será que Churchill faria uma aliança com Stálin se soubesse que este teria meios para conquistar a Europa Ocidental uma vez tendo sido Hitler derrotado? Na política brasileira não há compartilhamento de poder quando o PT ocupa o espaço. Essa história de “aliança democrática” só existe enquanto existe um inimigo comum. Depois, quem tem mais armas subjuga o antigo aliado.

O ser humano está sempre em busca de padrões, de modo a tornar a realidade mais inteligível. Fazer paralelos históricos é um desses mecanismos de busca de padrões. É tentador, nesse sentido, identificar Bolsonaro com uma versão aguada de Hitler, Lula com uma versão adocicada de Stálin e Alckmin (e o resto do “centro democrático”) com uma versão idealizada de Churchill. O problema, como disse Karl Marx, é que a história repete-se como farsa.

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