Lula é diferente de Boric e Petro

O Brazil Journal, um blog dedicado a finanças e economia, publicou um artigo analisando a escolha dos ministros da fazenda pelos recém-eleitos presidentes do Chile e da Colômbia, Gabriel Boric e Gustavo Petro. Boric nomeou Mario Maciel, ex-presidente do BC e um dos formuladores da regra de superávit primário estrutural em vigor no Chile. Petro acaba de nomear José Antônio Ocampo, PhD por Yale e que, apesar de ter ideias desenvolvimentistas, aparentemente preocupa-se também com o equilíbrio fiscal.

O artigo então continua, perguntando qual é a de Lula? Será que seguiria o exemplo de suas contrapartes de esquerda no Chile e na Colômbia e também nomearia um nome mais alinhado ao mainstream econômico ou apostaria todas as fichas em algo mais radical, a lá 1o mandato de Dilma Rousseff? A sinalização até o momento, estressa o artigo, é na direção da 2a opção. Todas as manifestações de Lula, até o momento, são no sentido de demonizar o capital e todas as reformas que procuraram equilibrar as contas públicas ou aumentar a produtividade da economia. Segundo o artigo, “la garantia soy yo” é a única sinalização de Lula até o momento para o mundo empresarial e financeiro.

Creio que, antes de comparar Lula com Boric ou Petro, é necessário entender a diferença da situação entre o potencial próximo presidente brasileiro e as suas contrapartes do Chile e da Colômbia, além da óbvia constatação de que os três são de esquerda.

O artigo constata que um movimento óbvio de Boric e Petro é o aumento da carga tributária nos seus países para financiar programas sociais. No Chile, o governo já apresentou uma proposta de aumento de impostos no valor de 4,1% do PIB, enquanto na Colômbia, o recém-nomeado ministro da fazenda escreveu recentemente artigo defendendo um aumento da carga tributária de 3% do PIB. O mesmo poderia fazer o próximo presidente brasileiro?

Segundo a OCDE, a carga tributária de Chile e Colômbia é de, respectivamente, 19,3% e 18,7% do PIB. No Brasil, segundo o mesmo levantamente, a carga tributária é de 31,6%, a maior da América Latina e comparável a países como Nova Zelândia e Reino Unido, e apenas 2 pontos percentuais a menos do que a média da OCDE. Se aumentasse a carga tributária em 3 pontos percentuais, o Brasil alcançaria países como Canadá e Portugal. A decisão de aumentar a carga tributária no Chile e na Colômbia é relativamente fácil. No Brasil, nem tanto.

Mas a coisa não para por aí. Segundo o FMI (previsões para 2022), o Chile tem uma dívida bruta de 38% do PIB e seu déficit nominal (despesas do governo + juros da dívida) é de 1,5% do PIB. A situação da Colômbia é um pouco pior: dívida bruta de 60% e déficit nominal de 4,5% do PIB. Enquanto isso, a dívida bruta do Brasil é de 92% do PIB com déficit nominal de 7,5% do PIB. Ou seja, o Brasil precisaria estar subindo a carga tributária em 3 pontos percentuais só para igualar o déficit da Colômbia ou em 6 pontos percentuais só para igualar o déficit do Chile. Em resumo: saímos atrás no grid de largada para aumentar gastos sociais e o nosso carro é ben mais pesado. Não à toa, Chile e Colômbia são investment grade e, portanto, gozam do privilégio de poderem, pelo menos por enquanto, pagar taxas de juros mais baixas do que o Brasil sobre suas dívidas.

Mas a situação de Lula é diferente de suas contrapartes do Chile e da Colômbia ainda sob um outro aspecto: enquanto Boric e Petro são novidades, Lula é velho conhecido do mercado brasileiro. Boric é o primeiro presidente de extrema esquerda em um país que alternou governos de centro-esquerda e de centro-direita desde que Pinochet deixou o poder. Petro é o primeiro presidente de esquerda na Colômbia. Ambos precisam pisar em ovos para ganhar a confiança dos mercados neste primeiro momento. Lula não. Lula conta com um histórico de grande sucesso na administração da economia (vamos, por ora, esquecer o desastre Dilma).

Lula se aproveita dessa memória para ampliar a ambiguidade sobre a sua futura agenda como presidente. Enquanto diz “la garantia soy yo”, não perde oportunidade de deixar clara a sua visão tacanha sobre o processo econômico. Em minha série sobre a economia brasileira na era PT, mostro como o desastre Dilma foi gestado no segundo mandato de Lula. Estava tudo lá, mas o desastre somente se consumou quando o dinheiro acabou.

Portanto, ao contrário de Boric e Petro, Lula, durante a campanha e se eleito, conta com um voto de confiança do mercado. Não precisará, portanto, ganhar uma confiança que falta a Boric e Petro. E isto poderá se traduzir em iniciativas pouco ortodoxas já no início de seu governo, quando então os participantes do mercado começarão, aos poucos, a desfazerem a imagem que têm de Lula do 1o mandato. O pior é que, como vimos, não há margem de manobra. Qualquer iniciativa diferente de um grande e profundo programa de reformas estruturais está fadado a aprofundar muito rapidamente o buraco em que estamos.

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