Existem coisas com as quais convivemos a vida toda, e não nos perguntamos porque aquilo é daquele jeito. O Círculo Militar é uma dessas coisas. Faz parte da paisagem do paulistano, e a sua presença é tão natural na paisagem como o Obelisco, a alguns metros dali.
Essa naturalidade, no entanto, encobre realidades jurídicas e econômicas incontornáveis. Por exemplo: qualquer imóvel é de alguém. Para ser de alguém, foi necessária a cessão a algum título, seja por meio de doação, comodato ou venda. Não vou aqui entrar na seara jurídica, não é minha praia. Vou apenas fazer a análise econômica.
A área em que hoje se encontra o Círculo Militar foi cedida em 1957 pela municipalidade à associação que mantém o clube. Escapa-me a que título foi essa concessão, mas temos aqui uma clara forma de privilégio. Naquela localização, um terreno de 31 mil metros quadrados poderia ser vendido para uma incorporadora por R$ 1 bilhão. Este é o valor embolsado pela associação. O juíz do caso arbitrou em R$ 1 milhão por mês o prejuízo da prefeitura, considerando aluguel do terreno e IPTU (nem IPTU o clube paga!). Essa seria a despesa adicional dos associados, caso quisessem continuar a usufruir do benefício de ter um clube em área nobre da cidade.
A continuidade da cessão do terreno a título gratuito, em tese, dá direito a outras associações particulares que reivindiquem nacos de terrenos municipais. Aliás, o MTST poderia organizar um acampamento dentro do parque do Ibiraquera, alegando isonomia com o Círculo Militar. Errados não estariam.
Este caso não poderia ser mais representativo do Brasil. Uma nobreza se apropria de bens públicos para uso particular e acha aquilo a coisa mais natural do mundo. Claro que estamos todos preocupados com a pobreza e a concentração de renda no país. Desde que não se mexa no nosso queijo.