Na quinta-feira aconteceu a leitura da Carta em Defesa do Estado Democrático de Direito no Largo de São Francisco. A inspiração, como sabemos, foi a leitura da Carta aos Brasileiros, evento ocorrido há 45 anos.
Procurei nos arquivos da época a repercussão do evento. Chamou-me a atenção o fato de ter havido uma passeata pelas ruas do centro de São Paulo “permitida” pela polícia.
Eram tempos em que, de fato, se arriscava algo ao se posicionar contra o governo de plantão. Na mesma edição do jornal, por exemplo, ficamos sabendo que a polícia havia prendido cerca de 20 pessoas na UnB naquele dia. Fico imaginando a tensão daqueles estudantes, sendo observados de longe por carros “chapa branca”, como menciona a reportagem.
Em comparação, o evento de ontem reflete o Brasil de duas gerações adiante. Ninguém ali presente corria o risco de sair dali preso. O ato não requereu a coragem de 45 anos atrás. Talvez por isso, as reportagens que li foram unânimes em destacar a diversidade religiosa, de gênero e de raça como parte relevante dos discursos. A defesa da democracia em 1977 era questão de sobrevivência física. A de 2022 pode se dar ao luxo de defender pautas identitárias, sinal de que já ultrapassamos o básico na pirâmide de Maslow da democracia.
Mas a fundamental diferença entre as duas manifestações é o adversário: em 1977 havia uma ditadura que tinha, de fato, atropelado qualquer coisa semelhante a um Estado Democrático de Direito. Em 2022, temos um presidente com um discurso mambembe sobre não aceitação dos resultados eleitorais, um espantalho perfeito para engolir novamente o sapo barbudo.
A defesa do Estado Democrático de Direito não se dá no espaço etéreo das ideias, mas em uma realidade política concreta, em que está em jogo o poder político. Em 1977, essa defesa visava canalizar a pressão da cidadania pela entrega do poder por parte dos militares. Em 2022, essa defesa, por mais apartidária que se queira ver, envolve a entrega do poder político a uma das partes. É esta contradição insanável que enfraquece o movimento.