Ciro propõe, na prática, o tabelamento das taxas de juros, ao defender que qualquer dívida seria quitada com o pagamento do dobro do valor da dívida. Alguns exemplos de taxas máximas de juros, a depender do prazo do financiamento (taxas prefixadas):
Prazo Taxa máxima
12 meses. 12,7% ao mês
24 meses. 6,95% ao mês
36 meses. 4,57% ao mês
60 meses. 2,7% ao mês
10 anos. 17,1% ao ano
20 anos. 8,25% ao ano
30 anos. 5,45% ao ano
A primeira coisa que notamos é que, com a Selic a 13,75%, fica difícil imaginar algum banco concedendo crédito imobiliário de 20 ou 30 anos cobrando taxas de juros abaixo de dois dígitos anuais. O resultado de uma lei desse tipo seria o fim do financiamento imobiliário de longo prazo.
Para empréstimos de curto prazo, podemos achar que 12,7% ao mês já é uma taxa suficiente para satisfazer a ganância dos bancos. Aliás, Ciro chama a lei por ele proposta com o fofo nome de “lei anti-ganância”. Pode ser. O único problema é que quem decide o quanto vai cobrar pelo dinheiro é o banco. Como em todo tabelamento de preços, se o fornecedor avaliar que vai ter prejuízo ao vender o produto naquele preço, o produto some da prateleira. Pode espernear à vontade, dizer que os bancos já lucram muito etc, etc etc. No final do dia, ninguém tem o poder de obrigar alguém a vender um produto. A saída pode ser usar os bancos públicos, com os efeitos já conhecidos.
E o pior não é que Ciro esteja prometendo o que sabe que não vai conseguir entregar. Ele está prometendo o que realmente acredita que pode fazer. Isso é o que é mais assustador.
“Sem provas, Michele diz que governos de esquerda vão ‘perseguir os cristãos’ no País”.
É muito curioso o uso da expressão “sem provas” nesse contexto. “Provas” se exigem de coisas que aconteceram no passado. Por exemplo, quando Bolsonaro afirma que “houve fraude nas eleições de 2018”, é mais do que legítimo exigir provas da afirmação.
Mesmo em relação a planos futuros frustrados, as provas referem-se aos preparativos antecedentes. Por exemplo, um plano para soltar o líder do PCC foi frustrado, e os envolvidos, presos. O plano não foi executado, mas foram encontradas provas concretas de sua execução.
Exige-se de Michele “provas” de que há um plano concreto de “perseguição de cristãos”. Como se esse tipo de coisa contasse com um “plano de execução”. A “prova”, no discurso político, é de outra natureza. Trata-se de dedução lógica: se o governo da Nicarágua está fechando igrejas e prendendo religiosos, e se Lula simpatiza com o regime de Daniel Ortega, então, deduz-se que, se as condições se repetirem aqui, um governo do PT faria a mesma coisa. Pouco importa se se trata de um possibilidade mais do que remota, pois o Brasil não é a Nicarágua. O que importa é que a “prova” existe para fins de discurso político.
O jornalista, que deve ser colaborador da agência Lupa, exige do discurso político as mesmas regras da justiça penal. Não, meu caro jornalista, não é assim que funciona. A verossimilhança já serve como “prova” do discurso político. Michele não está mentindo, como quer fazer supor a expressão “sem provas”. Michele está apenas dizendo o que acha que vai acontecer. E isso é perfeitamente legítimo. Lula e o PT é que precisam explicar a sua proximidade com o governo nicaraguense.
Em entrevista à imprensa internacional, Lula voltou a atacar a regra do teto de gastos. Diz o candidato do PT que a regra parece “coisa para garantir interesse do sistema financeiro”.
Lula tem razão. O teto de gastos só está aí para garantir que a dívida pública seja solvente ao longo do tempo, o que só interessa aos financiadores da dívida, o sistema financeiro. Mas Lula deveria pensar melhor antes de cuspir na mão que lhe ajuda. Melhor ter um sistema financeiro que cobre o que lhe é devido do que não ter ninguém disposto a financiar as atividades do governo.
Mas o que me chamou a atenção foi o trecho seguinte, que dá uma pista do que Lula tem em mente. Segundo o candidato do PT, o governo responsável não gasta mais do que tem, “a não ser para construir novos ativos que possam fazer o país crescer”.
Isso a que Lula se refere está longe de ser uma novidade. Trata-se da “Regra de Ouro”, a mais antiga regra fiscal do país, nascida na Constituição de 88, e que diz exatamente isso: o governo só pode se endividar para fazer investimentos. Segundo Lula, portanto, bastaria a regra de ouro para resolver o problema fiscal do país, restando ociosas todas as outras regras.
Bem, seria assim se fosse assim. Se a regra de ouro fosse suficiente, não teríamos que ter criado outras regras, como a do superávit primário ou do teto de gastos. Ocorre que, a exemplo dos seus sucedâneos, a regra de ouro foi desmoralizada ao longo do tempo. Primeiro, porque muitos itens foram sendo considerados como investimentos mesmo não sendo. Depois, receitas meramente contábeis, como o lucro do BC com a variação cambial das reservas, foram consideradas na conta. Por fim, mais recentemente, através da aprovação de “créditos extraordinários” no Congresso, uma espécie de “waiver” para burlar a regra. Ou seja, cumprir a regra de ouro a rigor, hoje, demandaria um esforço fiscal ainda maior do que cumprir o teto de gastos. Acho que Lula não foi informado sobre isso.
Isso sem considerar o “estilo PT” de governar. Os grandiosos investimentos realizados através de um BNDES turbinado resultaram na maior recessão da história brasileira. É para esse tipo de “investimento” que Lula quer licença para gastar?
Não Ciro. Os brasileiros não estão endividados por causa dos juros altos. Os brasileiros estão endividados porque gastam acima da sua renda. Os juros são somente o preço cobrado pela possibilidade de gastar acima da renda.
Os juros são altos? Sim, sem dúvida. No Brasil, os juros são altos porque políticos como Ciro Gomes abusam do populismo, o que acaba cobrando o seu preço ao longo do tempo, na forma de taxas de juros que compensem o risco de se investir em um país regido pela irresponsabilidade.
Os brasileiros precisam pensar muitas vezes antes de gastar acima de sua renda. O preço do dinheiro é alto, e piora a situação muito rapidamente. E para aqueles que ganham pouco e não conseguem viver com sua renda, um conselho: fazer dívidas vai somente piorar a situação.
Já contei essa história, mas vou contar novamente, porque tem muita gente nova por aqui.
Na época das eleições de 2014, eu tinha um colega de trabalho que era originário do interior da Bahia. Durante a campanha, ele foi visitar a família, e voltou contando que viu um carro de som percorrendo as ruas da pequena cidade, com o locutor informando a população que Aécio Neves, se eleito, iria acabar com o Bolsa Família. Não precisa de zapzap pra espalhar feiquenius.
Ainda naquela campanha, um filmete que ficou famoso mostrava a comida sumindo da mesa de uma família pobre, caso a proposta de autonomia do Banco Central, defendida por Marina Silva, fosse aprovada.
Isso se chama discurso político. No mundo ideal de Pedro Doria, no entanto, não há espaço para o discurso político. Na democracia de Pedro Doria, os candidatos devem passar pelo escrutínio das agências verificadoras de fatos, que definirão o que pode e o que não pode ser dito. É a democracia da censura do bem.
Pedro Doria, no entanto, também faz um discurso político. Sua afirmação de que Bolsonaro tem “uma máquina publicitária exclusivamente baseada na mentira” não passaria pelo filtro de uma agência verificadora de fatos. Aliás, a menção ao grupo de Zap dos empresários bolsonaristas é bem significativa: precisamos tomar cuidado com o que escrevemos até em grupos fechados. Essa é a democracia segundo Pedro Doria.
Os candidatos “democratas” (Lula, Ciro e Tebet) precisam, segundo Pedro Doria, reagir à desinformação. Como se fossem paladinos da verdade e do bem, e não políticos que lançam mão, o tempo inteiro, de narrativas que não passariam pelo crivo de agências verificadoras. Acho Bolsonaro um pulha (pra escrever um adjetivo aceitável nesse espaço família). Mas de quem tenho realmente medo é desses paladinos do bem, que querem construir uma democracia antisséptica, onde a política não tem vez.
Bolsonaro não resiste a uma casca de banana. Quando vê uma, corre em sua direção para escorregar. Foi o que aconteceu ontem. Cedeu às provocações de um crítico, saiu do carro onde estava e tentou tomar o celular de sua mão. Se o presidente continuasse em seu caminho, o evento estaria restrito ao público do, até ontem obscuro mas agora globalmente famoso, YouTuber Wilker Leão. Agora, temos a cena de um político truculento avançando para tomar o celular de um cidadão. Parabéns, presidente.
Mas essa não é a parte mais suculenta dessa história. Wilker Leão não é petista. Pelo contrário. É um YouTuber de direita, apoiador de Bolsonaro. Na verdade, apoiador da imagem que Bolsonaro construiu para si mesmo, mas que ele mesmo não segue. O destruidor do sistema, aquele que iria colocar a política brasileira em seu devido lugar, tornou-se a “tchutchuca do Centrão”. Wilker Leão é daqueles seguidores que não entendem o xadrez 4D jogado pelo presidente, uma estratégia que permitirá destruir o sistema alçando seus principais artífices aos mais altos postos do poder.
Mas o mais interessante veio na declaração que o YouTuber tricolor deu ao Estadão: esta seria a única forma de debater com o presidente, usando a sua própria forma de comunicação. Nada menos que brilhante. Bolsonaro se notabilizou pela sua espontaneidade, pela sua forma simples de falar, que beira muitas vezes à grosseria e que, muitas vezes, fere a sensibilidade dos espíritos mais sensíveis. O YouTuber, que bebe na fonte do presidente, usou do mesmo linguajar. Bolsonaro perdeu a esportiva, quando, na verdade, deveria ter parabenizado aluno tão aplicado.
O evento vai tirar votos do presidente? Pouco provável. Wilker Leão e seus seguidores mais radicais continuarão a votar na “tchuchuca do Centrão” contra o PT. Mas o episódio é útil para entender a natureza da fauna que orbita Bolsonaro.
Na primeira campanha vitoriosa de Lula ao Palácio do Planalto, uma das promessas mais reluzentes era a de que cada brasileiro iria poder usufruir de três refeições por dia. Ao assumir, uma das primeiras medidas do presidente do povo foi instituir o programa “Fome Zero”, logo substituído, por sua inoperância, pelo “Bolsa Família”, e o resto é historia. Viramos a página da fome no Brasil.
Só que não.
20 anos se passaram, 20% da população brasileira recebe o Auxílio Brasil (sucedâneo do Bolsa Família), e a fome continua sendo tema de campanha eleitoral. Fernando Gabeira, hoje, propõe algumas medidas adicionais aos auxílios, como “estoques reguladores”, “fomento à agricultura familiar” e “programas de solidariedade envolvendo os mais ricos”. Putz, como não havíamos pensado nisso antes? Acho que uma turma do ensino médio, se instada a pensar sobre como resolver o problema da fome no Brasil, se sairia com ideias mais criativas.
Acostumamo-nos a pensar na fome como um problema de renda. E, sem dúvida, o é. O melhor programa de combate à fome é o aumento da renda per capita da população. Em países mais ricos, menos pessoas passam fome, e vice-versa. No entanto, na ausência do crescimento econômico, optamos pela redistribuição da renda: cobramos impostos dos mais ricos para entregar aos mais pobres. Se fosse isso, poderia funcionar. Mas, no Brasil, não é assim que funciona. Nosso imposto sobre a renda é ridiculamente baixo, os mais ricos têm esquemas muito azeitados para pagar menos impostos, e acaba sobrando para os mais pobres, que pagam mais impostos, seja diretamente, via taxação dos bens, seja indiretamente, via taxação das empresas, que repassam os impostos para os preços dos produtos. Isso, quando o governo simplesmente não tira renda da população via inflação. Então, o governo tira silenciosamente de um bolso e devolve com pompa e circunstância para o outro. O resultado é este que aí está: fome.
Mas não é só isso. Lembrei de um artigo publicado pelo Luciano Huck em 05 de junho último, em que ele conta sobre sua visita a uma casa muito pobre da periferia do Rio, onde vivia uma menina que sonhava em ser bailarina mas não tinha dinheiro sequer para a ônibus que a levaria ao Teatro Municipal, onde poderia praticar sua arte. Chamou a atenção do cronista da pobreza brasileira a cozinha do casebre: totalmente reformada, com eletrodomésticos reluzindo de novos. Aquilo havia sido feito com o dinheiro do auxílio emergencial durante a pandemia. Mas, veja só: o dinheiro acabou, e agora a geladeira estava vazia.
A história acima nos dá uma pista de um fenômeno explicado pela psicologia econômica, e que eu chamo de Teoria do Gás em meu livro. O fenômeno é o seguinte: nossos gastos sempre vão crescer na proporção da nossa renda, até forçar as paredes do nosso orçamento. Isso sempre acontece, independentemente do tamanho da nossa renda. Por isso, via de regra, as pessoas estão sempre apertadas de dinheiro, mesmo ganhando bem.
Como isso se aplica ao Bolsa Família? No início do programa, aquela renda adicional foi muito bem-vinda, um verdadeiro alívio. Com o passar do tempo, no entanto, o auxílio foi sendo comido por um aumento do padrão de vida familiar. Quando a economia capotou e a inflação aumentou, aquela renda passou a não ser mais suficiente para manter o padrão de vida conquistado anteriormente. O aumento da fome é resultado da volta ao estado natural de uma economia de baixa renda per capita, e que tentou redistribuir renda sem realmente produzir nada. As famílias fizeram a festa enquanto durou, a exemplo da mãe que reformou a cozinha ao invés de guardar o dinheiro para comer no tempo das vacas magras.
O problema da fome é estrutural, que se resolve com aumento permanente da renda do país e de redistribuição verdadeira dessa renda. Nada disso se resolve com medidas cosméticas, como o Bolsa Família / Auxílio Brasil. No entanto, o problema da fome é também urgente, e exige medidas imediatas. Por isso, a importância desses programas. O problema é parar neles, e achar que está tudo resolvido. Não está. Basta ver que ainda estamos discutindo a fome, mesmo depois de 13 anos de governos “populares” e da continuidade (e até aumento) dos programas de renda.
No final do dia, governar é decidir para onde vão os impostos arrecadados dos cidadãos.
Haddad já avisou que vai tirar dinheiro dos paulistas para beneficiar os servidores estaduais aposentados com maior renda, que tiveram aumento de alíquota de IR na reforma da Previdência estadual.
Se você é servidor estadual de maior renda, vote Haddad.
O SUS é um gigantesco plano de saúde, em que seus beneficiários não pagam nada. Este plano é formado por hospitais próprios (públicos) e terceirizados (particulares). A notícia de que o A C Camargo vai deixar de atender pacientes do SUS é equivalente a dizer que o SUS vai descredenciar o hospital de sua rede. Fosse um plano privado, os beneficiários estariam se mobilizando para manter o credenciamento. Ou, em outras palavras, obrigar o plano de saúde a pagar o que o hospital está exigindo. Sendo o SUS público a ação é contra o Leviatã, o Estado brasileiro. Boa sorte aos beneficiários.
Saúde não tem preço, mas custa muito caro. Agora mesmo o Congresso acabou de aprovar um piso nacional para os salários de enfermeiros. Nada contra esses profissionais, certamente merecem ganhar mais do que ganham, mas este é mais um custo para o sistema, que deverá ser coberto pelas mensalidades dos planos de saúde e pelas verbas do SUS. Sim amigos, o dinheiro sempre sai de algum lugar.
O SUS nasceu como uma promessa de saúde de primeira para todos os brasileiros. No entanto, a primeira coisa que um brasileirinho faz quando começa a ganhar algum dinheiro é gastá-lo em um plano de saúde privado. 25% dos nacionais fazem isso, principalmente dentre aqueles que povoaram as redes com a hashtag #VivaoSUS durante a pandemia. O SUS é bom pra tomar vacina de graça e olhe lá.
O orçamento do Ministério da Saúde é de R$ 153 bilhões este ano, o que resulta em R$ 80 por mês por brasileiro que não tem plano de saúde. Qualquer plano de saúde privado mequetrefe custa, pelo menos, 5 vezes mais do que isso. Ou, de outro modo, para termos um plano de saúde estatal no mesmo nível do mais mambembe plano de saúde privado, precisaríamos investir R$ 600 bilhões a mais por ano, o que significaria aumentar os gastos públicos federais em 40%. Isso, considerando eficiência privada na gestão dos recursos estatais, o que está longe de ser garantido.
Acho que ninguém é “contra o SUS” como ideia abstrata. Seria lindo ter assistência médica de boa qualidade para todos. A hashtag #VivaoSUS é a expressão desse desejo e, ao mesmo tempo, uma palavra de ordem contra todos os desalmados que não querem que pobre tenha saúde de qualidade. O único problema é que se trata, no mínimo, de um auto-engano. Ou, em alguns casos, de hipocrisia mesmo.
No início da adolescência, ficava aterrorizado com a perspectiva de ter que conquistar uma mulher e constituir uma família. Achava aquilo algo muito acima da minha capacidade. Passados os anos, e tendo conquistado uma mulher e formado uma família, continuo achando a tarefa muito acima da minha capacidade.
É relativamente fácil apontar os erros dos nossos pais. Afinal, são seres humanos e, portanto, falhos. Olho para o meu próprio comportamento, e lamento os inúmeros erros que cometi ao longo dos anos na educação de meus filhos. No entanto, eles são o que são hoje também por causa desses erros. Não apesar deles, mas por causa deles.
Hoje, no entanto, é dia de ter um olhar condescendente para com os nossos pais, procurando ressaltar os seus acertos, que certamente também existem. As suas virtudes nos moldaram, assim como os seus erros. Se somos o que somos hoje, é porque nossos pais erraram e acertaram.
Meu pai hoje não está mais aqui. Não posso mais externar minha gratidão por tudo o que ele fez por nós, por mim. Tudo, incluindo seus erros. Porque um pai, um verdadeiro pai, erra tentando acertar. E, com o tempo, mesmo esses erros se transformam em acertos, porque o amor é maior.