Pedro Doria continua muito preocupado com a nossa democracia. Segundo o articulista, estamos ameaçados pelas fake news, que distorcem a vontade do eleitor. E as empresas de tecnologia não estariam fazendo nada a respeito, pois “não teriam qualquer compromisso com os valores democráticos”.
É curioso. Em redes bolsonaristas, a reclamação é a inversa: o Facebook estaria a serviço dos globalistas, perseguindo as “páginas de direita”.
Não é possível que as duas coisas estejam acontecendo ao mesmo tempo. Ocorre que cada um enxerga a realidade de seu particular ponto de vista, e é capaz de jurar que aquela é a verdadeira realidade. Mas, no caso, gostaria de estabelecer uma diferença fundamental entre os dois pontos de vista, independentemente de quem esteja certo sobre o que o Facebook esteja realmente fazendo. A diferença está naquilo em que cada parte DESEJARIA que o Facebook estivesse fazendo.
Pedro Doria representa uma linha que defende que o Facebook e outras redes sociais precisariam trabalhar como censores. Há algum tempo, escrevi um artigo refletindo sobre como esse problema é delicado (Redes sociais e a busca do censor ideal). Os bolsonaristas, por outro lado, querem campo livre para propagar suas “fake news”, o que, por suposto, significa campo livre para o adversário também propagar suas próprias “fake news”.
O TSE já se colocou como árbitro dessa questão espinhosa, que vem sendo objeto de análise desta página há algum tempo. Para Pedro Doria, isso não é o suficiente. As redes também precisariam atuar. Em meu artigo, reproduzo uma fala de Angela Merckel, que chama a atenção para o perigo de termos empresas privadas arbitrando o conteúdo de discursos privados. Alinho-me à ex-chanceler alemã neste ponto: o que menos precisamos é o Zucka com o poder de dizer o que podemos ou não dizer. Não para Pedro Doria. Em sua democracia, é super-natural que tenhamos um censor privado.
“Censura” é daquelas palavras proibidas, que um verdadeiro democrata não deveria nunca pronunciar, a não ser acompanhada da expressão “nunca mais”. Pedro Doria é esperto, e não usa a palavra maldita em seus textos. Mas o que propõe tem rabo de censura, focinho de censura e cheiro de censura. O seu conceito de democracia é peculiar.