As pesquisas eleitorais e, potencialmente, as urnas eletrônicas, padecem de um mal comum: não estariam de acordo com o “senso comum”, com “aquilo que observamos nas ruas e nas redes sociais”. No caso das pesquisas, isso é uma verdade hoje. No caso das urnas, será uma verdade caso Bolsonaro perca a eleição.
Para pacificar essa questão, sugiro substituir o método de eleição a cargos majoritários. Ao invés de uma votação em um único dia decisivo, seria estabelecido um “período eleitoral”. Durante esse período, os candidatos procurariam juntar o maior número de pessoas em comícios, motos em motociatas e viewers simultâneos em lives. Poderia ser estudada a inclusão de views posteriores das lives.
Claro, mesmo esse método científico não estaria livre de contestações. O número de pessoas em comícios e motos em motociatas são alvo de intenso debate nas redes. Mas nada que um bom método de controle não resolva: catracas eletrônicas seriam instaladas nos limites de uma área delimitada, e “cartões manifestação” seriam distribuídos a todos os interessados. Ao passar o cartão pela catraca, um voto seria contado. O método tem a vantagem de evitar dupla contagem, pois o cartão seria pessoal e intransferível.
Esse método, porém, teria a desvantagem de ser acusado de manipulação. Como garantir que as catracas eletrônicas não estariam a serviço do cramunhão, contando votos duplos, e até triplos, nas manifestações esquerdosas? A solução poderia ser a adoção de uma espécie de tinta de uma cor chamativa (rosa-choque, por exemplo), de difícil remoção, a ser aplicada na mão do manifestante. Teríamos, então, um controle físico, além do eletrônico.
Apesar de suas dificuldades técnicas, creio que a ideia de substituir as eleições pela adesão a manifestações é muito mais democrática e acima de quaisquer suspeitas. Com certeza, o Brasil estará liderando um movimento global no sentido de reestabelecer a verdade no tocante à vontade popular. Seremos, quem diria, os pioneiros da pacificação eleitoral.
Os problemas trabalhistas brasileiros se resumem à formalização dos profissionais de aplicativos. Pelo menos, é o que se deduz de várias reportagens nos últimos tempos. Hoje, por exemplo, se discute o que os candidatos propõem para a catchiguria. Os partidos mais à esquerda se destacam, encontrando um nicho para a sua peroração de luta de classes. Mas, de maneira geral, todos os candidatos prometem fazer “alguma coisa” em relação ao assunto.
A chamada “economia gig” não existia até alguns anos atrás. O que mais se aproximava eram as cooperativas de taxistas, organizadas em torno de alguma central telefônica que centralizava os chamados. Os taxistas, na época, também não contavam com “proteção social”, mas ninguém parecia ligar muito para isso. Havia também empresas que empregavam motoboys, e que tinham como clientes outras empresas, pois o seu serviço era muito caro para as pessoas físicas. E havia também alguns (poucos) restaurantes que podiam se dar ao luxo de ter entregadores. Não sei se esses entregadores e os motoboys tinham garantidos todos os “direitos sociais”, mas ninguém se importava muito com isso na época.
Até que chegou o Uber, quebrando o monopólio dos taxistas em todas as cidades do mundo, ao permitir que qualquer motorista pudesse “dar carona” em seu próprio carro. Os aplicativos de entrega vieram em seguida, organizando e fazendo crescer exponencialmente o fragmentado mercado das empresas de motoboys. Nascia, assim, a “economia gig”, facilitando a vida de milhões de pessoas e criando empregos onde antes estes não existiam.
Segundo o IPEA, são 1,5 milhões de trabalhadores na “economia gig”, sendo cerca de 1 milhão de motoristas e 500 mil motociclistas e ciclistas. Trata-se de um número grande, mas vamos colocá-lo em contexto. Segundo o IBGE, hoje temos 35 milhões de trabalhadores com carteira assinada, 25 milhões de trabalhadores por conta própria, 38 milhões de trabalhadores informais e 10 milhões de desempregados. Portanto, da força de trabalho brasileira, 73 milhões, ou 2/3, não contam com nenhuma “proteção social”. Estão incluídos nessas 73 milhões de almas os 1,5 milhão da economia gig. Alguém, então, poderia muito justamente perguntar: por que tanto barulho em torno desses 1,5 milhão? E os restantes 71,5 milhões, que estão aí (sempre estiveram) sem nenhuma “proteção social”?
Vou arriscar uma explicação sociológica. Creio que são dois motivos inter-relacionados. O primeiro é que a classe média está em contato com esses trabalhadores cotidianamente. Temos uma espécie de “dor na consciência” ao ver como somos “privilegiados” em relação a eles. Os outros 71,5 milhões não sabemos quem são, mas esses nos atendem todo dia. E nos doemos por eles. Só isso explica, por exemplo, que José Pastore, em entrevista hoje, classifique de “desumana” a situação dos trabalhadores de aplicativos. Como se fosse “humana” a situação dos outros 71,5 milhões de trabalhadores informais no país.
O segundo motivo, que é o outro lado da moeda da “desumanidade”, são as empresas por trás da economia gig. No caso dos outros 71,5 milhões de informais não há start ups badaladas que valem bilhões na bolsa. O raciocínio implícito é que essas empresas teriam condições de prover “direitos sociais” a esses trabalhadores. Afinal, são bilionárias.
É uma tese a ser testada. Se uma legislação obrigar essas empresas a “formalizarem” os seus “empregados”, uma de duas coisas (ou uma combinação de ambas) precisará acontecer: 1) os aplicativos terão que reduzir a sua margem de lucro e/ou 2) os consumidores precisarão pagar mais caro pelo serviço. Se os aplicativos avaliarem que não vale a pena o risco do negócio com uma margem de lucro reduzida ou não conseguirem repassar o custo para o consumidor final, o negócio desaparecerá. Então, os trabalhadores de aplicativos, que hoje fazem parte dos 73 milhões que não têm “direitos sociais”, passarão a fazer parte dos 10 milhões de desempregados que, além de não terem ”direitos sociais”, também não têm renda.
Todos nós gostaríamos de viver em um mundo nobre, belo e justo, onde todos os trabalhadores recebessem uma renda suficiente para as suas necessidades básicas e contassem com toda a proteção do “estado de bem-estar social”. No Brasil, no entanto, por algum motivo, 73 milhões de trabalhadores não têm acesso aos chamados “direitos sociais”. Os 1,5 milhão de trabalhadores de aplicativo são uma gota d’água nesse oceano. Chamam a atenção porque fazem parte do nosso dia-a-dia e são dependentes de “multinacionais poderosas”.
Na verdade, esses trabalhadores são apenas o sintoma de uma doença muito mais profunda, uma doença que impede que um contingente gigantesco de trabalhadores não tenha acesso a um mínimo de “proteção social”. Brigar pelos “direitos dos trabalhadores de aplicativos” é um bom modo de anestesiar a consciência sem resolver o problema de fundo. Trata-se de um espantalho útil para manter as coisas do jeito que estão.
São raros, raríssimos mesmo, os empresários que se reúnem com políticos e pedem coisas como Reforma Adminstrativa ou Reforma Tributária. A agenda, via de regra, versa sobre “incentivos à indústria”, ou “incentivos à atividade econômica”.
Lula entende bem essa agenda. Foi no seu governo que se iniciou a maior operação de injeção de recursos públicos (via BNDES) para o “estímulo ao investimento”, alcunhada de PAC – Plano de Aceleração do Crescimento. Foi debaixo do guarda-chuva do PAC que se abrigaram obras como as refinarias inacabadas da Petrobras, o metrô de Caracas e o Itaquerão. Claro, houve obras meritórias também, mas era tanto dinheiro (quase meio trilhao de reais em dinheiro de 10 anos atrás), que era não mais que óbvio que sobraria dinheiro para todo mundo, inclusive para empresas que não precisavam, mas aproveitaram a boquinha para diminuir seu custo de capital.
Essa política do BNDES foi esteroide em corpo de tísico, deu uma bombada inicial na economia para depois voltar ao normal. Quer dizer, abaixo do normal, pois como o dinheiro acabou, o desmame custou caro para vários setores da economia. Por isso essa espécie de nostalgia, quase um banzo, por parte dos empresários brasileiros. Lula promete retomar a mesma política. Afinal, “investimento não é gasto”. Só faltou parafrasear a sua protegida com um “investimento é vida”.
Se alguém quer entender a definição de “crony capitalism”, ou “capitalismo de laços”, basta ler a notinha acima. Vale mais do que uma aula sobre o assunto.
PS: na minha série sobre a economia brasileira na era PT, dedico um episódio ao crescimento econômico turbinado pelo BNDES. Link nos comentários.
Alguns podem achar estranho a existência de uma monarquia em pleno século XXI. Afinal, estamos na era da meritocracia, e não deixa de ser esquisito que uma pessoa tenha poder e riqueza pelo simples fato de a cegonha ter visitado a casa certa.
Mas, se pensarmos bem, essa é a regra, não a exceção. Todos nós temos um conjunto de dons (habilidades e riqueza) que vem do nosso DNA. Não é mérito nosso termos nascido no palácio de Buckingham, em uma casa de classe média nos Estados Unidos ou em uma favela brasileira. Nem tampouco é mérito nosso ter nascido com muita facilidade para matemática ou para jogar futebol.
Por outro lado, assim como na parábola dos talentos, é mérito nosso o que fazemos com esses dons inatos. Uma pessoa pode ter nascido em berço de ouro, herdar um império empresarial e fortuna suficiente para várias gerações. Se não agir de forma a preservar esse dote inicial, é questão de tempo para perder tudo. É conhecido o ditado “Pai rico, filho nobre, neto pobre”. A prova de que esse ditado é verdadeiro é observar as mudanças, ao longo das gerações, na lista dos homens mais ricos do mundo.
É nesse ponto que reside o mérito da falecida rainha Elizabeth II. A realeza britânica sobrevive em pleno século XXI porque a rainha soube, a exemplo de seus antecessores, manter a “empresa” funcionando. E o que vende a empresa “realeza britânica”? Seu “produto” é institucionalidade.
Institucionalidade é um termo difícil de definir, mas talvez possamos dizer que se trata de “perenidade de regras”. Em um mundo louco, em eterna vertigem de um vórtex de acontecimentos e regimes frágeis, a realeza britânica aparece como o mastro inabalável que sustenta a bandeira da perenidade. As pessoas têm nostalgia ancestral de um tempo em que “éramos felizes”, e a realeza simboliza esse tempo. Só isso explica porque o povo de um país periférico sai às ruas para saudar entusiasticamente a rainha, como descreve a reportagem do Estadão, a respeito da visita de Elizabeth II ao Brasil em 1968.
Elizabeth II exerceu com maestria o papel de CEO dessa “empresa da institucionalidade”, dosando a pompa do cargo com a proximidade do povo. Transformou a realeza em um fenômeno pop, em um difícil equilíbrio de adaptação e preservação. Tinha exata noção do que representava o seu cargo e, por isso, sobreviveu por 70 anos à frente da empresa, entregando-a com a mesma força, senão mais, do que a recebeu.
Eu sou daqueles que tende a desdenhar o papel da monarquia inglesa no mundo atual. Mas confesso que as reações à morte da rainha me surpreenderam e me levaram a essas reflexões. Os seres humanos precisamos de símbolos. E aquela senhora simpática foi um símbolo poderoso de um mundo que não existe mais, de um mundo perene, estável, inabalável. E todos nós, no fundo, sonhamos com um mundo assim.
Guetos são lugares onde certas categorias de pessoas são isoladas do mundo “bom, belo e justo” porque possuem um defeito insanável. Hoje não existem mais guetos físicos, mas existem guetos culturais.
A forma de colocar uma parcela da população em um gueto é estigmatizá-la através do uso de expressões que causam repulsa. O uso da palavra “ultraconservador”, assim como “extrema-direita”, atende a esse objetivo. Não basta que os padres sejam conservadores. É preciso que sejam “ultraconservadores”, uma categoria desprezível, do mal mesmo. O suficiente para colocar esses padres e seus seguidores em uma espécie de gueto cultural, onde ficam as pessoas que não podem ter voz na sociedade.
Mas, fiquemos tranquilos. A reportagem nos informa que “a ala predominante da Igreja Católica” reagiu “aos acenos a atos antidemocráticos”, redigindo uma carta com 10 motivos para não votar em Bolsonaro. O curioso é que os fariseus da imprensa rasgam as vestes quando pastores ou “padres ultraconservadores” fazem campanha para Bolsonaro, mas acham absolutamente natural quando uma parcela da Igreja Católica (que nem sei se é tão dominante assim) faz campanha para Lula travestida em “defesa da democracia”.
A língua é o principal instrumento usado para naturalizar realidades. O uso do termo “ultraconservador” não é acidental.
Barroso suspendeu liminarmente, em uma decisão monocrática, uma lei aprovada pelas duas casas do Congresso e sancionada pelo presidente da República. E, aparentemente, sua justificativa não se baseia em qualquer dispositivo constitucional, mas na possibilidade de “fechamento de vagas de enfermeiros”.
Obviamente não sou fã dessa lei. Creio que é o mercado que melhor decide sobre quanto um enfermeiro, ou qualquer profissional, deve ganhar. No caso, trata-se de um mercado competitivo, fragmentado, em que nenhum player empresarial domina a ponto de ter poder de barganha sobre os salários. Qualquer intervenção externa tende a afetar esse equilíbrio, levando, no caso, a demissões e/ou aumento de custos para os usuários.
Mas não é este o ponto aqui. Barroso atua, novamente, com base em suas “boas intenções”, ao invés de se ater ao texto da Lei Maior. Com base nesse entendimento, o salário mínimo deveria também ser revogado. O salário mínimo é um dos principais, senão o principal, motivo para o alto desemprego estrutural brasileiro e o grande grau de informalidade do mercado de trabalho. Assim como qualquer piso salarial artificial, o salário mínimo impede a contratação de uma mão de obra que não tem qualificação suficiente para produzir o tanto que custa. Não há lei que mude essa realidade, infelizmente.
Os políticos brasileiros são demagogos e não entendem as leis da economia. Por isso, produzem leis que, ao fim e ao cabo, prejudicam a população brasileira no longo prazo. Mas um STF voluntarioso não é a solução para este problema. Porque se hoje o ministro Barroso está “empurrando a história” para o lado com o qual eu concordo, amanhã poderá ser o contrário, como no caso do aborto, por exemplo. O ponto é que o Judiciário não pode substituir o Legislativo, seja a que título for.
PS.: podemos estar somente presenciando um jogo de cena, em que Legislativo e Executivo jogam para a torcida e o Judiciário assume o ônus de ser o “bad cop” da história, uma vez que não precisa de votos. Seria menos mal, mas não deixaria de ser um traço de brasilidade de nossas instituições.
Os movimentos pró-democracia estão preocupados com o 7 de setembro. A tal ponto que abriram diálogo com os militares, para garantir que os arroubos autoritários não passem de ameaça.
Estou mais tranquilo agora. Os guardiões da nossa democracia não dormem, estão ”em vigília”. Eu realmente temia que o povo das manifestações do 7 de setembro, insuflado por Bolsonaro, Carla Zambelli e Carluxo, pegasse em armas e, com o apoio das nossas Forças Armadas, tomasse de assalto o Congresso e o Supremo, instaurando uma ditadura sangrenta e violenta.
Mais tranquilo ainda fiquei, sabendo que movimentos sociais pacíficos, como o MTST, estão prontos a cerrar fileiras ao lado dos verdadeiros democratas. No dia 10, o MTST e outros movimentos sociais e sindicatos democratas estarão nas ruas defendendo a nossa democracia. Segundo a reportagem, “também” estarão apoiando a candidatura Lula. Mas isso é algo secundário. O que importa, de fato, é saber que a sociedade civil, representada pelo MTST, continua firmemente ao lado da democracia contra os arroubos autoritários do bolsonarismo.
Na vida tudo passa. Esse grave momento de ameaça às nossas instituições ficará para trás, graças à vigília dos democratas. Então, quando voltarmos à nossa normalidade democrática, o governo poderá voltar a comprar votos no Congresso, saquear nossas estatais e apoiar movimentos sociais que, democraticamente, queimam pneus na Marginal Tietê e invadem propriedades privadas. Seremos, novamente, uma democracia plena, orgulho dos brasileiros.
Reportagem sobre a cada vez mais onipresente Shein, que já ultrapassou a Amazon em número de downloads nos EUA. A matéria começa com a descrição de um verdadeiro “assalto” a uma loja da Shein no Texas, que me lembrou a liquidação anual da Magazine Luiza (ainda existe isso?)
Mas, claro, grande parte da matéria se dedica às “polêmicas” que cercam a loja chinesa: “remuneração justa”, “preservação do meio-ambiente”, “incentivo ao consumismo que degrada o planeta”.
No entanto, apesar de tudo isso, a Shein é um fenômeno. E é um fenômeno justamente junto àquela geração que, nos convenceram, está mais preocupada com o meio-ambiente, a geração Greta, aquela que vai mudar o mundo.
Esta aparente contradição, no entanto, pode ser facilmente explicada. O ponto é que a clivagem a respeito da pauta ambiental não é de idade, mas de renda. Somente as classes A e B, que já têm as suas necessidades de consumo mais ou menos resolvidas e podem gastar um pouco mais em “consumo consciente”, podem se dar ao luxo de se preocuparem com o meio-ambiente. Da classe C para baixo, que se preocupa em sobreviver, consumo consciente significa gastar o mínimo possível para morar, comer e se vestir. Qualquer que seja a idade. Para esse público, empresas como a Shein são uma benção.
Claro que os executivos da Shein são espertos. Ao longo da reportagem, são citados comunicados da empresa que fazem chegar ao grande público a preocupação da Shein com eventuais “desvios de conduta”. Como se fosse possível vender os produtos que vende pelo preço que vende sem atuar na fronteira do aceitável, ambiental e socialmente falando. Mas colocar-se como uma empresa “preocupada” não custa nada, a não ser alguns comunicados, que servem para deixar seus clientes com a consciência tranquila.
O incrível sucesso da Shein é prova cabal de que a preocupação com a sustentabilidade passa longe da maioria das pessoas, que simplesmente buscam os melhores produtos pelos menores preços. Achar que as empresas ou os governos podem liderar uma cruzada pela sustentabilidade sem considerar o consumidor na equação é auto-iludir-se.
Os chilenos vão hoje às urnas para referendar, ou não, a nova Constituição do país. Segundo as últimas pesquisas de opinião, o texto deve ser rejeitado.
Interessante como a manchete expõe a decisão dos chilenos. Não se trata de “aprovar uma nova Constituição”, mas de “revogar a Constituição de Pinochet”. Não acompanho a política chilena, mas não tenho dúvida de que este foi um dos principais, senão o principal, argumento para o “sim”. “Essa Constituição pode não ser perfeita, certamente tem muitos defeitos, mas é melhor do que a que nos legou a ditadura”.
Esse tipo de escolha tem muita semelhança com o voto no “menos pior”. “Não gosto do fulano, mas sicrano é muito pior para o país”. O curioso é que Boric ganhou a eleição com votos desse tipo, mas quando se trata da Constituição que ele apoia, é provável que o povo vote diferente. Talvez porque Boric pode ser trocado daqui a 4 anos (não há reeleição no Chile), ao passo que fazer uma nova Constituição demanda muito mais energia. Assim, a esquerda chilena confundiu a eleição de Boric com uma carta branca para viajar na maionese na elaboração da Constituição. O resultado é que os chilenos centristas que votaram em Boric, segundo as pesquisas, ainda preferem a “Constituição de Pinochet” a essa estrovenga que saiu das cabecinhas utópicas da esquerda.
A ideia de uma constituinte foi a resposta de um presidente fraco diante da queda vertiginosa de sua popularidade e da violência que tomou conta do país. Obviamente, a mudança paulatina de artigos, através de votações normais no Congresso, é a forma mais efetiva a segura de se mudar uma Constituição. Muitos têm a ilusão de que uma constituinte no Brasil resolveria os nossos problemas. A experiência chilena deveria servir como um choque de realidade.
As agências de checagem já checaram: o autor do atentado nasceu no Brasil. Portanto, segundo as leis nacionais, é brasileiro.
Mas a Gutercheck também fez a sua checagem, buscando o sentido político das informações, e não a sua checagem literal e burra. Segundo a Gutercheck, o uso da palavra “brasileiro” para descrever o rapaz é inadequado e está prenhe de segundas intenções.
Imagine, por um momento, que o rapaz fosse negro. A manchete jamais seria “negro tenta matar a vice-presidente da Argentina”, apesar de a informação estar correta, segundo as agências de fact checking. O uso da palavra “negro”, ao chamar a atenção para uma característica secundária do criminoso, teria, obviamente, uma conotação política negativa.
Voltemos ao uso da palavra “brasileiro” para designar um cidadão que tem zero laços com o Brasil, a não ser a sua certidão de nascimento. É óbvia a conotação política do uso de uma característica secundária do criminoso: uma suposta violência política brasileira já estaria se espraiando por outros países da América Latina, em uma espécie de Internacional Fascista. ”Achar munição” na casa do brasileiro orna com o perfil. Só falta encontrarem posters de Hitler no quarto do rapaz.
Lembro das manifestações “pacíficas” lideradas pela esquerda, mas que acabavam em quebra-quebra. Os black-blocs, responsáveis pela violência, não tinham relação com os manifestantes. As reportagens os chamavam de “black blocs”, não de manifestantes. Hoje, pelo contrário, todos os brasileiros que não gostam da esquerda e, eventualmente, têm munição em casa, são potenciais assassinos, capazes da mais extrema violência política. Essa é a narrativa.