Segundo o deputado Rogério Correia (PT-MG), coordenador do grupo técnico do Trabalho na equipe de transição, ninguém quer a volta do imposto sindical. O que as centrais querem é uma “deliberação democrática da categoria em relação à contribuição”.
Por trás desse palavrório, esconde-se a intenção de voltar sim com o imposto sindical, só que por vias tortas. A tal “deliberação democrática da categoria” consistirá em uma assembleia dominada pelos sindicalistas, reunida em local incerto e não sabido, em horário impossível para o trabalhador que precisa bater ponto no emprego, e que decidirá, “democraticamente”, que o imposto será devido por todos os trabalhadores daquela catchiguria.
Assim, não será necessário aprovar um imposto sindical por meio de lei, basta que a lei torne obrigatório o imposto para todos os trabalhadores de uma categoria cujo sindicato tenha realizado uma ”assembleia democrática”.
– Pessoal, reunimos esse time com as mentes mais brilhantes do planeta para tirar do papel o projeto do primeiro foguete brasileiro. Mas não só isso: temos aqui diversidade de visões de mundo, de modo que cada um vai aportar a sua opinião para construirmos o melhor foguete de todos os tempos!
Persikovsniski, o cientista russo, levanta a mão.
– Chefe!
– Pois não Persikovsniski, fale.
– Longe de mim posar como dono da verdade, respeito a opinião de todos, mas acho que os cálculos balísticos estão incorretos.
– Por que?
– Os cálculos foram feitos desconsiderando a curvatura da Terra. E, como sabemos, a Terra é redonda.
Barbosman, o cientista alemão responsável pelo cálculo balistico, interrompe seu colega e fala de maneira exaltada.
– Como assim, “sabemos”? Esse é um consenso ultrapassado na ciência balística!
Haddadson procura conter os ânimos.
– Calma, estamos aqui em uma equipe com diversidade de opiniões justamente para enriquecer a discussão. E se refizéssemos os cálculos considerando uma forma oval para o planeta?
Barbosman e Persikovsniski balançam a cabeça e dizem quase ao mesmo tempo: – Mas a Terra é plana (redonda), os cálculos ficarão errados!
– Certo ou errado são conceitos que não cabem em uma equipe com diversidade de opiniões. Devemos aprender a respeitar a opinião de todos. Acredito que a forma oval é a que mais se aproxima do consenso da equipe, concordam?
Os outros membros da equipe, que não entendem de balística, abanam a cabeça em concordância. Haddadson sorri, satisfeito por ter alcançado um consenso.
– Chefe!
– Sim, Persikovsniski, fale.
– Tem outra coisa: foi usada uma gravidade de 5 m/s2 para os cálculos, quando sabemos que o número correto é de 10 m/s2.
Agora foi a vez do cientista japonês Pokemon se exaltar.
– Como assim, “sabemos”? Einstein provou que tudo é relativo, não tem essa de se tornar refém de um número!
Haddadson teve que exercer sua capacidade de coordenação de novo.
– Parece-me que temos aqui uma divergência apenas na superfície. Ambos concordam que a gravidade existe, estamos divergindo apenas em relação a um número. E se usássemos 7,5 m/s2?
Pokémon e Persikovsniski falaram ao mesmo tempo: – Mas esse número está errado!
Haddadson, já demonstrando alguma irritação: – Senhores, desse jeito não conseguiremos avançar. A equipe com diversidade de opiniões serve justamente para que tenhamos o melhor de todos. Vamos colaborar, por favor. Usaremos 7,5 m/s2 e ponto final.
– Chefe!
Era Persikovsniski novamente, levantando a mão de maneira tímida. Haddadson não esconde o enfado.
– Fala, Persikovsniski.
– Desculpe-me interromper de novo, mas estou preocupado com o material usado na construção do foguete. Entendo a preocupação ambiental com o lixo espacial, mas penso que usar papelão reutilizável talvez não seja uma boa ideia.
O cientista chinês Xi Le Me Me Lo, autor da ideia do papelão, contrapõe com calma.
– Meu caro colega, estamos presos a esquemas ocidentais de uso de materiais, os mesmos esquemas que vem destruindo o planeta. Devemos acreditar em soluções alternativas.
Haddadson entra em campo para exercer a sua principal habilidade, atingir consensos.
– E se reforçássemos o papelão com fitas de metal?
Persikovsniski: – Não é o suficiente!
Xi Le etc: – O metal vai poluir o nosso espaço!
Haddadson não vê outra maneira de encerrar a discussão a não ser levar a questão ao voto. A maioria votou pela solução do chefe. Haddadson conclui a reunião, satisfeito:
– Senhores, estou orgulhoso do resultado alcançado. Tenho certeza que essa equipe diversa chegou ao melhor projeto possível!
Em poucos meses o foguete ficou pronto. Todo o povo brasileiro embarcou, e não vê a hora da decolagem. A contagem regressiva começou…
Em regimes fechados, os passos do líder são seguidos de perto em busca de sinais sobre o seu sucessor. Era assim na ditadura militar brasileira, era assim nas ditaduras comunistas do passado e é assim nas ditaduras atuais, como Cuba e Coreia do Norte (vide acima).
A escolha do ministro da Fazenda do governo Lula me faz lembrar essa dinâmica. Em 2014 e 2018, Aécio e Bolsonaro indicaram seus ministros (Armínio Fraga e Paulo Guedes, respectivamente) já durante a campanha, em uma sinalização de que tipo de política econômica se poderia esperar durante os seus mandatos.
Lula, com a sua política “la garantia soy yo”, preferiu não indicar ninguém até o momento. O resultado é uma ”leitura de sinais”, a la Kim Jong Un, por parte dos mercados. Ainda durante a campanha, Mantega escreveu um artigo em nome de Lula, fazendo crescer as especulações em torno de seu nome. Gabriel Galípolo foi outro nome que circulou em função de sua proximidade com o presidente eleito. Haddad foi enviado por Lula a um almoço da Febraban, aumentando suas chances de ser “o escolhido”. E assim vai.
Alguém pode argumentar que esse é o estilo de Lula, e que o ministro da Fazenda será indicado a seu tempo. Ok. Mas essa sensação de estar vivendo em um regime fechado não é nada agradável.
Lembro de uma reportagem, bem no início da pandemia, que descrevia a visita de um oficial de saúde chinês à Itália. O oficial escarnecia das medidas tomadas pelo governo italiano, afirmando que aquele nível de restrição ao movimento das pessoas estava muito longe de ser o suficiente. Era um momento em que assistíamos, estupefatos, um vídeo mostrando cidades inteiras fechadas e a construção de um gigantesco hospital de campanha em poucos dias, e nos perguntávamos, no Ocidente, se seria possível alcançar a eficiência chinesa para combater a doença vivendo sob regras democráticas.
Olhando friamente os números, o sucesso da China é incontestável. Com meros 3,6 óbitos por 100 mil habitantes, e mesmo considerando alguma manipulação dos números, a China fica a anos-luz dos principais países da Europa Ocidental e Américas (entre 2.500 e 3.000 óbitos por 100 mil) e da Europa Oriental (acima de 5.000 óbitos por 100 mil). O seu sucesso contrasta, inclusive, com o de países asiáticos, como Japão (400 óbitos por 100 mil) e Coreia do Sul (600 óbitos por 100 mil).
O problema é que o governo chinês está em uma sinuca de bico. Sem imunidade de rebanho e recusando-se a usar as vacinas desenvolvidas no Ocidente, que têm eficácia e tempo de proteção maiores, os chineses se tornaram presa fácil das variantes mais transmissíveis do vírus. Assim, não há outra estratégia possível, no momento, do que a continuidade das restrições draconianas ao movimento. Na hipótese de algum abrandamento, é perfeitamente possível que a China alcance, em alguns meses, os números, por exemplo, do Japão, o que significaria 5,5 milhões de óbitos.
O massacre da praça da Paz Celestial, em 1989, demonstrou como o governo chinês lida com protestos. Desse modo, não parece provável que protestos esparsos sejam capazes de fazer o governo chinês mudar de rumo. Aliás, pelo contrário, esses protestos fazem diminuir a probabilidade de que Xi volte atrás. Se antes, um abrandamento das medidas significaria reconhecer um erro de condução da estratégia anti Covid, agora soma-se a impressão de que o presidente chinês cede a protestos populares. Seria abrir uma caixa de Pandora no país. Isso sem contar os prováveis 5,5 milhões de óbitos.
Xi Jinping tornou-se refém de sua própria política anti Covid.
A PEC do PT prevê gastos acima do teto de R$ 200 bilhões por ano, todos os anos.
Segundo o deputado do partido Carlos Zarattini, a PEC cumpre o papel de dar “previsibilidade” ao mercado, pois seria o mesmo gasto todos os anos. É a mesma previsibilidade que temos quando sabemos que um carro vai andar a uma velocidade constante de 200 km/h na via Dutra. A previsibilidade do desastre.
Em evento ontem, Alckmin, supostamente o adulto na sala, voltou a defender a “responsabilidade fiscal” em tese. Na prática, porém, a sinalização é de que buscam uma maneira para gastar mais enquanto esperam iludir os mercados com fórmulas de “controle de dívida”. Vejamos.
Alckmin afirma que o teto de gastos “esmaga investimentos” ao não permitir que as despesas subam, mesmo que as receitas tenham se elevado. Não sei se é ignorância ou má fé, mas Alckmin convenientemente se esquece da razão estrutural que levou ao debacle fiscal do governo Dilma. Vamos refrescar sua memória.
Até 2014, o regime fiscal no Brasil era o da produção de superávits primários. Funcionava bem. Afinal, para manter a dívida sob controle, o importante mesmo é produzir superávits primários. Controlar gastos é apenas uma forma de atingir esse objetivo. Se fosse garantido que as receitas cresceriam, digamos, 5% ao ano além da inflação, os gastos poderiam crescer nesse mesmo ritmo sem que o superávit primário diminuísse. Aliás, foi exatamente isso o que aconteceu entre 2003 e 2012: despesas e receitas cresciam a uma taxa de 5% ao ano acima da inflação, e os governos Lula e Dilma I colocaram em prática a proposta de Alckmin: permitir que as despesas crescessem no mesmo ritmo, a fim de não “esmagar investimentos”.
Ocorre que, como sabemos, despesas são para sempre, mas nada garante que as receitas o sejam. A partir de 2012, o ritmo de crescimento das receitas começou a cair, e passou a diminuir, em termos reais, a partir de 2014. As despesas, no entanto, continuaram a crescer, pois o orçamento no Brasil é extremamente rígido: uma vez a despesa estando lá, não há condições políticas de tirá-la de lá. Vide, por exemplo, o auxílio de R$ 600, que era para ser uma exceção durante a pandemia, e tornou-se regra.
Então, aconteceu o inevitável: com receitas caindo e despesas rígidas, o superávit se transformou em déficit fiscal, não sem antes ter sido camuflado com as chamadas “pedaladas fiscais”. A solução foi a adoção do teto de gastos: com os gastos crescendo somente com a inflação, era questão de tempo para voltarmos a ter o que importa: superávit primário.
O que Alckmin propõe é, na prática, a volta ao regime anterior: se o aumento das receitas permitir, poderíamos ter aumento das despesas. O desastre, obviamente, será o mesmo, dado que as despesas não diminuirão quando as receitas caírem. E é questão de tempo para que caiam.
Um mecanismo qualquer de “controle de dívida” não muda essa realidade. Assim como o teto de gastos, uma regra de limite de dívida iria igualmente “esmagar investimentos”, o que certamente contribuiria para o seu fracasso, assim como foi com a regra do teto. Não há solução quando o que se quer, na verdade, é gastar sem limites.
A regra do teto tem duas grandes vantagens: é anti-cíclica e é simples de entender. A grande desvantagem é que impõe uma disciplina que a sociedade brasileira não está preparada para suportar. As regras alternativas em discussão, que permitiriam “aumentar as despesas quando as receitas aumentam”, são pró-cíclicas e de uma complexidade bizantina, na medida para serem manipuladas pelos políticos. É um “me engana que eu gosto”, feito sob medida para posar de fiscalista, ao mesmo tempo em que se continua a gastar como se não houvesse amanhã.
Na atual situação das contas públicas nacionais, qualquer regra séria deverá impor uma disciplina insuportável para a sociedade. Desconfie de regras fiscais indolores. Assim como os regimes alimentares que não exigem esforço para emagrecer, essas regras são apenas uma forma de empurrar o problema com a barriga.
Assim como hoje, há 4 anos Gilberto Kassab ganhava o status de “homem forte” do governo de São Paulo. Foi alvejado por uma operação da PF antes de levantar voo, pediu licença do cargo que nem chegou a exercer e sumiu. Foi emergir somente este ano, levando o seu PSD a apoiar Tarcísio em São Paulo e a ficar neutro no plano nacional.
Tarcísio, assim como Doria, foi comer na mão de Kassab para formar uma base no legislativo. Que diferença para o discurso anti-política de 2018, em que os bolsonaristas enchiam a boca para cantar em verso e prosa as virtudes da Nova Política. Qualquer ponderação em contrário (e fiz várias ao longo de 2019) era recebida com a foto das malas de dinheiro no apartamento de Gedel Vieira Lima, sugerindo que negociação política era sinônimo de corrupção. Bolsonaro, o campeão da honestidade e pureza, jamais iria capitular para o sistema político, pois o povo nas ruas iria sustentá-lo.
Que diferença quatro anos fazem. Bolsonaro uniu-se a Ciro Nogueira (!) e Valdemar da Costa Neto (!!!) e Tarcísio, a mais preciosa joia do bolsonarismo, uniu-se a Kassab, em um reconhecimento implícito (nunca explícito!) de que a tal Nova Política era uma grande bobagem.
Não existe velha política e Nova Política. Existe política e corrupção. A política é a nobre arte da negociação para alcançar o bem comum. A corrupção é a transformação dessa negociação em negociata. Assumir que toda negociação é, em princípio, uma negociata, levou à patética Nova Política, um beco sem saída.
A tática é velha conhecida: esconder-se atrás de uma ação meritória para fazer passar um trem da alegria. A manchete quer nos fazer crer que os políticos são uns desalmados e não estão colaborando com o novo governo para acabar com a fome no país.
A verdadeira história é a seguinte: o orçamento enviado ao Congresso pelo atual governo prevê R$ 105 bilhões para o Auxílio Brasil de R$ 400. Para acomodar a manutenção dos R$ 600 e mais um bônus de R$ 150 por criança (promessa do candidato do PT), o montante necessário seria de R$ 175 bilhões. Faltariam, portanto, R$ 70 bilhões em 2023. Se fosse este o tamanho do perdão para furar o teto de gastos, não estaríamos discutindo isso aqui.
Ocorre que o PT encaminhou (quer dizer, vai encaminhar) um projeto que libera o total de R$ 175 bilhões de cumprir o teto. E não só para 2023, mas para sempre. Aí, algo que seria usado apenas para pagar um Bolsa Família plus size, torna-se um cheque em branco para o PT no valor de R$ 105 bilhões anuais para gastar no que melhor lhe aprouver.
Então, essa historinha de ”estão dificultando o pagamento do Bolsa Família” é conversa pra boi dormir. O que estão procurando é uma licença adicional para gastar, sendo o Bolsa Família apenas uma desculpa conveniente.
Ontem fiz algo que nunca tinha feito em copas: fui a um bar para assistir a um jogo do Brasil. Fiz isso porque meu genro americano veio ao Brasil justamente para sentir o “clima da Copa” no país do futebol. Nada melhor, então, do que assistir ao jogo na rua.
Às vezes nos acostumamos com certas realidades e achamos que isso é normal. Não é. Meu genro ficou maravilhado com a animação, com o clima, com a torcida. Depois de algumas (várias) cervejas, estava torcendo pela seleção com muito mais vontade do que muitos brasileiros. E ontem, vamos combinar, a seleção fez por merecer.
Os ranzinzas de plantão vão encontrar muitos motivos para dar de ombros para a Copa. Precisa vir o gringo para mostrar que temos uma coisa única aqui. Nenhum país é perfeito e devemos valorizar o que temos de bom. Nem que seja só o clima de festa da Copa.
Conta a história que um diplomata francês e o ditador da União Soviética, Josef Stálin, estavam em uma reunião antes do início da guerra, onde discutiam um pacto de não agressão. Depois de ter desfiado todas as vantagens do pacto para a União Soviética, o diplomata achou por bem jogar mais uma carta na mesa: o Vaticano veria com bons olhos aquele acordo, e Stálin poderia contar com a boa vontade do Papa. No que Stálin respondeu com a frase que ficaria famosa, e que serve até hoje para descrever as relações de poder: “quantas divisões tem o Papa?”
No Brasil do século XXI, alguém poderia perguntar: “quantas divisões tem o STF?” Stálin vivia em um mundo e em um contexto político em que o número de soldados e armas era a medida do poder. O STF, por outro lado, só tem ao seu lado o arranjo institucional brasileiro. E este arranjo é mais forte do que a força das armas.
Bolsonaristas passam as horas e os dias acampados em frente aos quartéis, clamando por uma “intervenção militar”, eufemismo para golpe. Os militares têm à sua disposição muitas divisões. O que os impede de “resolver” a questão? Simples: as “divisões” que importam estão nas mãos do STF. Engana-se quem acha que o golpe de 64 foi realizada pelos militares. A sociedade civil, a opinião pública e a grande maioria dos agentes políticos queria se livrar de Jango. Os militares apenas operacionalizaram o processo. Foram as instituições brasileiras que expeliram Jango, não os militares.
Hoje, qualquer movimento militar seria recebido com absoluta resistência por parte das principais instituições do país e por parte relevante da opinião pública. O dia seguinte ao movimento seria recebido por uma resistência política fenomenal e pelo não reconhecimento do novo governo por parte de nossos principais parceiros. Viraríamos um pária internacional.
Alguém já disse que a guerra é a diplomacia por outros meios. Quando as instituições falham, a força bruta (o número de divisões) passa a fazer o papel da lei. No Brasil de hoje, as instituições estão firmes e fortes. Podemos não concordar com suas decisões ou seu modus operandi. Podemos, inclusive, achar que essas instituições estão levando o Brasil para o buraco. O que não podemos fazer é ignorar que elas existem. O STF, afinal, conta sim com muitas divisões.