Governar é fazer escolhas. É muito fácil e agradável prometer tudo para todos. No entanto, os recursos são escassos e finitos, então é precisa fazer escolhas.
O primeiro ato do novo governo, antes mesmo de assumir, foi o de prorrogar a isenção dos impostos federais sobre combustíveis. Essa decisão, aparentemente definitiva, sucedeu a uma série de idas e vindas, reflexo de uma escolha difícil.
– Na segunda-feira, Haddad e Guedes deixam tudo certo para a prorrogação da isenção.
– Na terça-feira, Lula veta a prorrogação.
– Na quinta-feira, Lula acusa o governo Bolsonaro de “acabar com a desoneração”
– E, na sexta-feira, Lula ”bate o martelo” pela prorrogação da desoneração, voltando ao início.
É compreensível que o governo Lula esteja confuso com esse assunto. São várias as necessidades a serem atendidas. Vejamos.
1) A não prorrogação da desoneração afetaria a inflação logo no início do governo, algo nada bom.
2) Por outro lado, a sua prorrogação tira impostos de um governo muito necessitado de recursos para atender as necessidades dos mais necessitados.
3) A desoneração, por outro lado, permite que a Petrobras pratique preços de mercado sem aumentar a inflação, o que é bom para a geração de caixa da empresa, permitindo o investimento, por exemplo, em novas refinarias.
4) Mas, o futuro presidente da Petrobras já informou que vai rever a política de preços da Petrobras (certamente não será para aumentar os preços), de modo que a desoneração não seria mais necessária para manter os preços baixos.
5) Mas, se os preços praticados pela Petrobras forem baixos, ficará mais difícil fazer os investimentos necessários para aumentar a produção de petróleo e derivados, objetivo declarado do novo governo.
6) E, até o momento, a ministra do meio-ambiente não foi chamada a dar a sua opinião sobre subsídios aos combustíveis, energia sabidamente suja e que contribui para as mudanças climáticas.
Como se vê, trata-se de uma escolha difícil. Por isso, esse ar de improviso e amadorismo é só uma impressão. Certamente, quando o novo governo começar de fato, todos esses objetivos conflitantes serão atendidos a contento.
Último dia do ano, vamos a já tradicional lista dos 10 eventos mais marcantes do ano que ora se encerra. Notem que se trata dos eventos mais marcantes, não necessariamente os mais importantes. Por marcante, quero dizer aqueles que mais chamaram a atenção da opinião pública.
Janeiro: A Ômicron marca a última grande onda da Covid-19 no Brasil
24/02: A Rússia invade a Ucrânia
31/03: O ex-juíz Sérgio Moro desiste da candidatura à presidência
24/06: A Suprema Corte americana reestabelece a autonomia dos estados de legislarem sobre o direito ao aborto
04/09: Chilenos rejeitam, em referendo, a nova Constituição do país
08/09: Morre Elisabeth II
24/10: Xi Jinping obtém inédito terceiro mandato na China
30/10: Lula é eleito presidente
18/12: Argentina e França fazem a final mais eletrizante de todas as Copas do Mundo / Messi ganha a sua primeira Copa do Mundo
29/12: Morre Pelé
Não foi fácil chegar nessa lista, e deixei vários outros eventos de fora. E então? Vocês substituiriam alguns desses eventos por outros? Quais?
Em 25/06/2021, publiquei um post curto, com apenas duas frases: “Bolsonaro passando a faixa presidencial para Lula. Alguém consegue imaginar a cena?”
Não, era uma cena inimaginável. E não vai ocorrer. O ainda presidente Bolsonaro voou para os Estados Unidos, longe da cerimônia de posse do presidente eleito.
Os democratas do país repudiam o último ato do presidente. A passagem da faixa é uma liturgia da democracia, em que o presidente que sai reconhece a legitimidade do presidente que entra. A decisão de Bolsonaro somente confirma o que todos já desconfiavam: Bolsonaro não é um verdadeiro democrata.
Ocorre que ritos democráticos somente são plenos de sentido quando temos uma democracia plena. E a nossa democracia pode ser tudo, menos plena.
Os democratas do país encontraram em Bolsonaro o espantalho perfeito, que representa a face anti-democrata da nossa democracia. Não admitem que Bolsonaro é apenas a encarnação conveniente do profundo déficit de democracia que o Brasil vive hoje.
No mesmo dia em que meia dúzia de aloprados queimava ônibus e carros em Brasília, a não muitos metros dali, ministros do TSE confraternizavam com o presidente eleito na casa de um advogado com interesses na mais alta corte do país. Os carros e ônibus em chamas eram apenas a alegoria da verdadeira demolição da democracia que se dava no sambão do advogado. Muitos litros de tinta foram gastos demonizando os aloprados, enquanto nada se publicou sobre o convescote dos respeitáveis representantes da democracia brasileira. Os aloprados fizeram o papel do espantalho conveniente.
Nas últimas eleições, concorreu um candidato que teve os seus direitos políticos restaurados com base em mensagens hackeadas ilegalmente. O candidato havia sido condenado unanimemente por quatro juízes, e a legalidade de suas sentenças havia sido confirmada pelo mais alto tribunal penal do país, o STJ. A isso chamaram de Estado Democrático de Direito.
O partido do vencedor das eleições protagonizou os dois maiores esquemas de corrupção do país nos últimos 20 anos, os dois com o objetivo de comprar apoio no Congresso. Os nossos democratas não acham que isso seja suficiente para banir este partido da nossa cena política. Pelo contrário, este partido é tratado como um ator legítimo de nossa democracia.
Bolsonaro não vai passar a faixa para o seu sucessor. Ele não entende como esses rituais são simbolicamente importantes para a manutenção de um saudável ambiente democrático. Dele não se esperaria outra coisa. Afinal, Bolsonaro não é um verdadeiro democrata.
O que nossos verdadeiros democratas se recusam a ver, como quem vira a cara diante de um ser repugnante, é que Bolsonaro é apenas a encarnação de nosso déficit democrático. Nossos democratas acreditam que, livrando-se dele, estarão se livrando desse déficit, como quem purga um pecado. Iludem-se. Bolsonaro vai-se embora, mas quase 50% do eleitorado fica. Um eleitorado cansado de um simulacro de democracia.
A faixa não transmitida é apenas mais um tijolo que cai na grande obra de depredação da nossa democracia.
Ontem, escrevi um primeiro post sobre Pelé, ainda tomado pela emoção. Foi um texto intimista, com recordações pessoais. Hoje, dedicar-me-ei a escrever uma análise mais racional sobre o fenômeno Pelé.
O que define um craque? Certamente as suas habilidades, mas não só. Um artista de circo bem treinado conseguiria, por exemplo, fazer mais embaixadinhas do que Pelé, provavelmente com mais graça e beleza. Sim, o craque precisa ser hábil na arte, mas trata-se de requisito longe do suficiente.
Quando moleques jogam bola na rua, a primeira coisa que fazem é dividir os times. Normalmente são os dois melhores que escolhem os times e, alternadamente, selecionam os jogadores. O critério? Aqueles que, no entender de quem está escolhendo, vão ajudar a vencer a partida. Este é o critério de qualquer seleção: vencer. Um artista de circo pode ser muito habilidoso com a bola, se não conseguir colocá-la dentro da rede, de nada adianta.
Quem já teve a oportunidade de assistir a algum documentário com uma coleção de gols do Rei, certamente notará o seu foco total no objetivo do jogo: o gol. Pelé era um predador 100% focado na sua presa, a rede adversária. A maior parte dos seus gols foram feios, feitos do jeito que dava. Mas, mesmo nos gols de placa, a plasticidade do gol era uma consequência não intencional do movimento para se atingir o objetivo. Se analisarmos cada golaço de Pelé, veremos que não há nenhuma firula a mais. Todo o desenho do lance é o necessário e o suficiente para fazer o gol. Pelé era a personificação da eficácia.
Além disso, o craque é capaz de modificar a realidade à sua volta. Em sua biografia de Steven Jobs, Walter Isaacson nos conta que as pessoas que conviviam com o fundador da Apple eram unânimes em dizer que Jobs tinha uma espécie de ”campo de distorção da realidade” em torno de si. Ele não só via o mundo de maneira diferente, mas o seu campo de distorção fazia com que o mundo ficasse diferente para os que conviviam com ele. No futebol, a mesma coisa: o craque parece cercado por uma espécie de “campo de distorção”, e é capaz de mudar a realidade do jogo de acordo com a sua vontade. As assistências de Pelé no gol de Jairzinho contra a Inglaterra, e nos gols de Jairzinho e Carlos Alberto contra a Itália, na Copa de 70, são exemplo desses lances em que os adversários ficam perdidos diante de uma realidade completamente diferente da que tinham só um segundo antes. O craque é aquele muda o jogo em um lance.
O conjunto dessas características não seria suficiente, no entanto, se não servisse para atingir o objetivo de qualquer time: títulos. Messi é um dos grandes do futebol mundial de todos os tempos, não há dúvida. Mas se não vencesse uma Copa do Mundo pela e para a sua seleção, ficaria abaixo de Maradona. O gol é o resultado da eficácia do jogador. O título é o resultado da eficácia do time. O craque é aquele que conjuga as duas coisas.
Mas essas características definidoras do craque estão presentes em outros jogadores de todos os tempos. O que faz, então, Pelé estar acima de todos eles? Sim, ele tem mais gols e títulos que qualquer um. Mas não me parece, aqui, que a realeza de Pelé se baseie exclusivamente nas estatísticas. Pelé já era chamado de rei do futebol muito antes dos 1.000 gols e dos três títulos mundiais. Há algo mais.
Esse algo mais se divide em duas partes, uma racional e a outra irracional. Comecemos pela racional: gestão de carreira. Instintivamente ou não, Pelé geriu sua carreira em campo também de maneira magistral. Despediu-se dos gramados no auge, evitando transformar-se em um “ex-jogador em atividade”, lamentável figura que frequentemente vemos desfilar pelos times brasileiros. A lembrança que guardamos é a melhor possível. Sua fase posterior, no Cosmos de Nova York, pode ser comparada mais à sua carreira como ator de filme do que como jogador de futebol.
A parte irracional refere-se a algo chamado “carisma”. É difícil definir o que vem a ser carisma, mas Pelé certamente contava com essa característica. De alguma maneira, seu rosto, seu sorriso, sua postura, a forma como falava e se comunicava, sua abertura franca aos fãs, tudo isso fazia um conjunto irresistível. Há figuras humanas que nos atraem e nem sabemos o porquê. Pelé é uma delas.
Esse, na minha opinião, é o conjunto de características que fizeram de Pelé o que ele foi. Surgirá outro igual? Provavelmente não. São muitas coincidências felizes em uma só pessoa. E, mesmo que surja alguém, a competição será sempre desleal, pois estaremos comparando a realidade atual, sempre sujeita à crítica, com uma lenda do passado, já purgada de todos os seus defeitos. Pelé seguirá inigualável, enquanto o futebol for o esporte mais popular do planeta.
Meu pai era carioca, torcedor do Flamengo. Em um dia no início da década de 60, ele foi ao Maracanã assistir a um jogo contra o Santos. Foi um massacre: 7 x 1. Ele contava que, ao final da partida, o público presente no estádio levantou e aplaudiu de pé o espetáculo que acabara de assistir. Desde então, além dos jogos do Flamengo, ele também ia aos jogos do Santos no Maracanã, só para ver Pelé e companhia jogar.
Quando se casou com minha mãe, que morava em São Paulo, meu pai se mudou para cá, e elegeu o Santos como seu time de coração. Sempre que podia, nos levava para ver os jogos do time. Lembro, ainda pequeno, de assistir a um jogo do Santos com Pelé em campo. Não lembro de muita coisa, a não ser meu pai chamando a atenção para aquele jogador: “ali é o Pelé!”
Pelé, além de um gênio da bola, me traz à lembrança doces memórias de meu pai. Agora, meu pai, quem sabe, poderá pedir para bater uma bolinha com ele. Estou certo de que seria o seu desejo.
Tem um trecho da entrevista do Haddad que eu gostaria de comentar à parte, pois é o indicativo de muitas coisas. Trata-se de seu comentário a respeito da privatização da Eletrobras.
A jornalista Miriam Leitão pergunta se os “jabutis” que foram colocados no projeto de privatização da empresa seriam revistos. Haddad não responde à pergunta. Afirma apenas que “foi um erro” privatizar com os jabutis. Isso é óbvio. Claro que teria sido melhor privatizar sem os jabutis. Mas não é isso o que ele pensa. A continuação da resposta deixa claro que, para o futuro ministro da Fazenda, teria sido melhor não privatizar de forma alguma. Aliás, essa resposta vale por um tratado de como foi e de como será um novo governo do PT.
Haddad começa dizendo que a Eletrobras ”foi vendida por R$ 30 bilhões”. Está errado. Quem pagou R$ 26,6 bilhões (não R$ 30 bilhões) para o Tesouro foi a própria Eletrobras, em um processo chamado de “descotização”. Rapidamente: em 2013, a Eletrobras foi obrigada, pelo então governo Dilma, a aderir aos termos da MP 579, que determinava cotas de fornecimento de energia a preços mais baixos do que aqueles praticados no mercado livre. Foi dessa maneira que Dilma “conseguiu” reduzir os preços da energia elétrica naquele ano. O que a Eletrobras fez agora foi pagar uma outorga para a União, de modo a readquirir o direito de vender a energia de suas usinas sem estar submetida a cotas. Digamos que esse valor tenha sido o “custo PT” para que a empresa pudesse ser privatizada. Portanto, não há que se falar em “preço de venda” neste caso. A venda se deu por uma oferta adicional de ações no mercado, não acompanhada pela União, de modo que esta deixou de ser majoritária. A União não vendeu uma mísera ação, continua sendo dona do mesmo número de ações que tinha antes da privatização. Mesmo assim, recebeu R$ 26,6 bilhões da outorga paga pela empresa. Que Haddad, o futuro ministro da Fazenda, faça esse tipo de confusão é, no mínimo, preocupante.
Em segundo lugar, Haddad afirma que o governo usou esse dinheiro para “comprar votos”. De quem? Dos mais pobres? Quer dizer que, quando o governo do PT faz programa social é por boniteza, e quando outro governo faz é por safadeza?
Por fim, a cereja que vale pelo bolo todo: “dói na alma” do futuro ministro ver uma empresa construída “por muitas gerações” ser vendida. Ele diz que “sabe o trabalho” que isso deu.
Sabe o quê, Haddad? Sabe o quê???
Haddad, você certamente sabe que o governo do PT pegou a Eletrobras com um patrimônio líquido de R$ 67 bi e valor de mercado de R$ 13 bi, e devolveu, em 2015, com um patrimônio líquido de R$ 42 bi e valor de mercado de R$ 9 bi. O prejuízo acumulado da empresa construída “por muitas gerações” nos 13 anos de governo do PT foi de R$ 13 bilhões, um bilhão para cada ano desse desgoverno. Isso sim, dói na alma. Será que foi a esse “trabalho” que Haddad se referia? Esse papinho mole de “trabalho de gerações para construir a empresa” vai bem para dirigente de grêmio estudantil. Na boca do futuro ministro da Fazenda, nos faz rir. De nervoso.
Temos aí, em apenas dois parágrafos, um suco de PT: 1) desconhecimento técnico, 2) mistificação e demonização dos adversários e 3) amor platônico por estatais quebradas pelos governos do PT. Sim, esse é o “mais tucano dos petistas”. Imagine o resto.
PS: hoje a empresa tem patrimônio líquido de R$ 111 bilhões e valor de mercado de R$ 98 bilhões. Ou seja, patrimônio líquido quase 3 vezes maior e valor de mercado mais de 10 vezes maior do que tinha quando o PT deixou o governo.
Hoje, Fernando Haddad concede a sua primeira entrevista como futuro ministro da economia. A entrevistadora é Miriam Leitão, do Globo.
A entrevistadora é até dura em alguns momentos, cobrando pelos erros de condução de política econômica dos governos do PT. As respostas de Haddad se limitam ao que já sabemos: o governo Dilma errou ao não avaliar corretamente a mudança do cenário externo a partir de 2011. Tudo o que foi feito no governo Lula estava certo. Ok.
Mas, para quem gostaria de saber o que o futuro ministro pretende fazer, saiu frustrado. A manchete destaca a única fala ortodoxa de toda a entrevista, em que o futuro ministro fala em “cortar gastos” para “harmonizar as políticas fiscal e monetária”. Depois da aprovação de um pacote de gastos de R$ 150 bi além do teto, parece até piada. Mas ok.
Haddad afirmou que o déficit de R$220 bilhões, previsto no orçamento do ano que vem, não vai acontecer. Segundo ele, o governo vai apresentar medidas de cortes de desonerações e readequação de regras de benefícios (como o Auxílio Brasil) para reduzir despesas.
Com relação à sua equipe, disse que uma coisa é o que o sujeito escreve em um artigo acadêmico, outra bem diferente é implementar medidas no governo. Com isso, quis tirar o peso do curriculum de auxiliares como Galípolo e Guilherme Mello. Só faltou dizer “esqueçam o que escrevi”.
De resto, a entrevista foi uma coleção de invectivas contra o governo que sai (responsável pelo problema fiscal que enfrentamos, segundo ele) e de indefinições sobre o que será feito de concreto (até compreensível, dado que ele nem sentado na cadeira está).
Promessas de cortes de gastos é o que todo governo, sem exceção, faz em seu início. Lula, com suas falas, havia colocado esse ponto em dúvida, e Haddad tenta, nessa entrevista, passar a mensagem de que não é nada disso, vamos ser ortodoxos sim. O mercado está ressabiado e não vai comprar o discurso pelo seu valor de face a zero de jogo. Precisa ver ações concretas, até para pelo menos empatar um jogo que já começou perdendo, com a PEC da gastança. Haddad precisará fazer mais do que demonizar o governo que sai e prometer corte de gastos, se quiser “harmonizar políticas fiscal e monetária”. Vamos ver.
O IBGE publicou o tamanho da população brasileira em 2022, já resultado do Censo: somos 207,8 milhões de almas vivendo em território brasileiro. A estimativa anterior, do próprio IBGE, era de uma população de 215,5 milhões. A diferença (3,7%) pode não parecer grande, mas tem um significado muito profundo e perturbador. Vejamos.
Em 2010, a população brasileira, segundo o Censo daquele ano, era de 190,7 milhões. Para chegar na estimativa de 215,5 milhões em 2022, o IBGE considerou um crescimento da população de 1,0% ao ano. No entanto, o crescimento real foi de 0,7% ao ano, ou 30% menor do que o estimado.
Sigamos. No censo de 2000, a população brasileira era de 169,8 milhões. Portanto, nos 10 anos seguintes, a população brasileira cresceu 1,15% ao ano. Fazendo a mesma conta para o período de 1991 a 2000, temos um crescimento populacional de 1,65% ao ano no período.
Resumindo:
1991-2000: 1,65% ao ano
2000-2010: 1,15% ao ano
2010-2022: 0,7% ao ano
A partir de determinado momento, a população brasileira cessará de crescer e começará a diminuir, como já está ocorrendo no Japão e na Rússia, por exemplo. Segundo a última projeção do IBGE, com base no Censo de 2010, este momento de inflexão ocorreria em 2047, quando a população atingiria 233,2 milhões de pessoas. Com esse resultado preliminar do Censo de 2022, provavelmente essa projeção será revista para antes e para baixo.
O que isso significa? Podemos resumir o efeito dessa queda no ritmo de crescimento populacional em um conceito chamado de “relação de dependência”. A relação de dependência nada mais é do que o número de pessoas em idade de trabalhar (normalmente considerado entre 15 e 64 anos de idade) e pessoas fora da idade trabalho (menores de 15 e maiores de 64 anos). Segundo o último Censo, a relação de dependência no Brasil estava em 2,12. Ou seja, havia 2,12 vezes mais pessoas em idade de trabalho do que fora da idade de trabalho. Poderíamos dizer que cada pessoa em idade de trabalho sustentava a si mesmo e mais 0,46 pessoas fora da idade de trabalho. Quanto maior a relação de dependência, maior o potencial de crescimento do país, pois há mais gente no mercado de trabalho em relação à população total.
No gráfico abaixo, podemos observar a evolução da relação de dependência desde 1980. Os dados a partir de 2010 estão estimados pelo IBGE.
Comecemos pela linha azul, que mostra a relação de dependência considerando a idade de trabalho entre 15 e 64 anos de idade. Observe como essa relação aumenta desde 1980 até 2016, quando estabiliza em 2,16. Este aumento se deveu justamente à diminuição do ritmo de crescimento da população. Menos nascimentos significou menos pessoas na faixa de 0-14 anos e, ao mesmo tempo, não deu tempo das pessoas na faixa do meio envelhecerem. A isso os economistas chamam de “bônus demográfico”, um período em que a diminuição do crescimento da população faz com que a relação de dependência aumente, aumentando a força de trabalho em relação à população geral.
A partir de um segundo momento, no entanto, o crescimento da população mais idosa se torna maior do que o decrescimento da população mais jovem. A partir deste momento, a relação de dependência começa a cair. É o fim do bônus demográfico. Provavelmente já entramos nessa fase. Teremos certeza depois da divulgação dos dados do Censo.
Países como Japão, Coreia e China aproveitaram os seus bônus demográficos para acelerar o seu crescimento econômico. Outros países, como o Brasil, jogaram fora essa janela de oportunidade, ao adotar políticas econômicas equivocadas.
Há formas de mitigar o declínio da relação de dependência. Voltando ao gráfico, a linha laranja mostra onde estaria a nossa relação de dependência se pessoas até os 69 anos de idade continuassem no mercado de trabalho. Nesta hipótese, a relação de dependência atual seria atingida somente em 2048. Essa é a lógica de reformas da Previdência que estabelecem idade mínima para aposentadoria. Essa idade mínima deveria crescer com o crescimento da longevidade da população, para manter a relação de dependência estável.
A linha cinza mostra uma outra simulação, em que as pessoas entram no mercado de trabalho somente aos 20 anos de idade, o que é natural em uma sociedade onde a educação é valorizada. Neste caso, a relação de dependência seria bem menor hoje. Mas note que sua queda é bem mais suave ao longo do tempo, o que é um efeito desejável.
De qualquer forma, temos um desafio gigantesco pela frente, que é o decrescimento populacional e a diminuição da relação de dependência. Podemos adiar o destino, mas não mudá-lo, a não ser que houvesse um aumento da taxa de natalidade, o que parece pouco provável. Esse é um problema global, não somente brasileiro, que nossos filhos e netos terão quando ficarem mais velhos. A forma de enfrentá-lo será trabalhar e produzir por mais tempo.
A senadora Simone Tebet será a ministra do Planejamento. Estava aguardando a indicação para este posto para fazer uma análise mais abrangente do ministério de Lula na área econômica. Ao contrário do governo Bolsonaro, que tinha apenas Paulo Guedes como Posto Ipiranga da economia, Lula desmembrou o ministério da economia em quatro pastas. Este desmembramento, os nomes que foram escolhidos e a forma com que foram escolhidos nos dão algumas pistas sobre o que o novo governo pretende na área econômica.
Comecemos com o ministério da Fazenda. Vários nomes circularam no mercado, desde Henrique Meirelles (que entregou o seu curriculum ao presidente em evento de apoio à sua candidatura), passando por Pérsio Arida (que foi convidado por Alckmin para fazer parte da equipe de transição), até políticos, como Rui Costa, Wellington Dias ou Alexandre Padilha, que seriam tão pragmáticos quanto foi Antônio Palocci no primeiro mandato Lula. No final, Lula escolheu o seu mais fiel escudeiro, Fernando Haddad.
Não é a primeira vez que Haddad é escolhido por Lula. O ex-prefeito de São Paulo foi escalado para ser o candidato a presidente em 2018 no seu próprio lugar. Não é pouca coisa. Lula não o teria escolhido se não visse nele o seu sucessor. A Fazenda é o ministério que pode projetar Haddad, assim como aconteceu com FHC e poderia ter acontecido com Palocci, não tivesse caído em desgraça. Mas, fundamentalmente, Lula tem um aliado incondicional no ministério, um tarefeiro sem ambições políticas próprias. Fará o que o mestre mandar.
Ainda que a política econômica seja de Lula, não passou despercebida a equipe montada por Haddad no ministério, em que despontam Gabriel Galípolo e Guilherme Mello, dois expoentes do desenvolvimentismo. Para aqueles que poderiam esperar alguma moderação por parte do novo ministro, não são sinais encorajadores.
Passando para a Indústria e Comércio, a primeira pasta desmembrada da Economia, temos Geraldo Alckmin. Parece ser uma boa escolha, dado ter sido um governador, de modo geral, responsável. O problema, no entanto, foi o processo de nomeação. Antes de Alckmin, dois empresários foram convidados para o mesmo posto e não aceitaram, aparentemente por não concordarem com a direção geral da economia do novo governo. Além disso, teriam o BNDES debaixo de sua estrutura, mas com Mercadante como presidente. Certamente, seria só no papel. O vice-presidente sempre foi um coringa nesse ministério, e Lula resolveu usar essa carta, provavelmente receando ouvir outros “nãos”. A presença de Alckmin aqui, portanto, não significa nada.
O próximo ministério é o da Gestão, desmembrado do Planejamento. Para este novo ministério foi designada Esther Dweck, desenvolvimentista de quatro costados. Apesar de não estar em uma área diretamente ligada a políticas econômicas, sua presença na Esplanada pesa no prato dos heterodoxos, nesse suposto governo “frente ampla”.
Por fim, o Planejamento. Aqui rodaram nomes como o do ex-governador de Alagoas, Calheiros Filho, e o do “pai do Plano Real”, André Lara Resende. Calheiros seria uma espécie de pagamento pelo apoio incondicional de Renan pai a Lula, mas deve ter sido vetado por Arthur Lira durante as negociações da PEC da gastança. André Lara seria mais um heterodoxo na Esplanada, ao gosto de Lula, mas, por algum motivo, recusou o convite. A vaga sobrou para acomodar Simone Tebet, depois de ter sido preterida para os postos do ministério do Bolsa Família, que ficou com Wellington Dias, e do Meio Ambiente, que ficou com Marina Silva. Ou seja, o Planejamento serviu para a acomodação de uma aliada inconveniente.
Alguns podem ver a presença de Tebet na Esplanada como o único contraponto a políticas doidivanas (Alckmin não conta, quem vai mandar ali é o Mercadante). O problema é que Tebet não é, ela mesma, campeã de ortodoxia. No ranking dos políticos, que analisa os parlamentares de acordo com seus pendores liberais, a senadora tem pontuação mediana. Mas este não é o principal problema. A questão é que Tebet terá vida curta nesse ministério se começar a causar problemas para a, digamos, harmonia da equipe. Consta que Lula já não gostou de algumas críticas que a senadora teria feito às suas falas sobre disciplina fiscal. Imagine quando atos concretos forem realizados. Enfim, Simone Tebet é uma ministra improvisada em um ministério esvaziado, que terá pouco poder para contrabalançar a avalanche desenvolvimentista contratada.
Resumindo: das quatro pastas derivadas da Economia, duas estão nas mãos de heterodoxos convictos, uma está na mão de um coringa que vai ter o Mercadante como subordinado e uma serviu como prêmio de consolação para uma aliada, depois de o candidato heterodoxo preferido ter recusado o convite. A aposta agora é: desses quatro, quantos chegam ao final do mandato?