O meu texto de ontem sobre o VAR suscitou oposição de duas naturezas: técnica e moral. Ambos os tipos de crítica me fizeram pensar e me levaram a escrever esse segundo texto.
Comecemos pela oposição técnica, a mais simples. Essa argumentação não entra no mérito da intenção do jogador, focando apenas no erro do árbitro. Segundo essa crítica, o VAR seria útil para eliminar erros grosseiros da arbitragem, protegendo o investimento de times profissionais vítimas desses erros.
Bem, se fosse só isso, não estaríamos discutindo o VAR aqui. No início da implementação da tecnologia, até pensava assim, mas desconfiava que a busca da justiça perfeita nos levaria a mais injustiças. E é o que vem acontecendo. Não são apenas erros grosseiros que o VAR corrige. Como a regra é clara, decisões do VAR em lances em que o impedimento precisa ser calculado com fórmulas que nem a NASA deve ter, acaba prejudicando o time em que o jogador está ”impedido”. De fato, o sujeito está 0,1 mm à frente e, portante, segundo a regra, está impedido. Mas essas correções de erros “não grosseiros” acabam por criar injustiças do outro lado. Para que o VAR funcione, seria preciso criar regras específicas para o seu uso, e não usar as regras normais, usadas por juízes de carne e osso. Transferir ao VAR decisões que nem o mais capacitado dos juízes teria condições de tomar parece tremendamente injusto.
Então, para resumir este primeiro ponto: sim, o VAR é útil para eliminar erros grosseiros, desde que se limite a esses. O desafio de se definir o que vem a ser um “erro grosseiro” está posto.
O segundo tipo de oposição, o moral, é mais interessante, pois leva em consideração a intenção do jogador. Há aqui, portanto, além da defesa da justiça, um julgamento moral do bandido, quer dizer, do jogador que infringiu a regra de propósito, esperando ludibriar o juiz. Para acrescentar o insulto à injúria, usei o exemplo de Maradona, um cara amigo de Fidel Castro e que teve sérios problemas com drogas. Pensando no fato de que muitos não conseguem separar o homem do jogador, deveria ter usado o exemplo de Pelé, que usava o truque, muitas vezes com sucesso, de se agarrar com o zagueiro na área para simular um pênalti. A malandragem (ou o roubo) é a mesma, mas talvez o personagem certo criasse menos oposição.
Mas, vejamos o ponto, que, sem dúvida, é muito bom: é moralmente correto comemorar um gol roubado porque o juiz não viu a infração? Os torcedores mais fanáticos costumam dizer que “roubado é mais gostoso”, principalmente quando estão convencidos de que o adversário já foi muito beneficiado pelos juízes no passado. Afinal, ladrão que rouba ladrão…
Este é um bom ponto, porque comemorar a malandragem não parece ser muito civilizado. Não posso deixar de concordar. Sempre admirei aquele gol de Maradona como se admira o truque de um mágico, não como uma ode à malandragem. Eu estava assistindo àquele jogo, vi o lance e não achei nada anormal em um primeiro momento. Como se fosse possível um jogador de 1,65 ganhar pelo alto de um goleiro de mais de 1,80. Mas Maradona passou a impressão, à primeira vista, de que aquilo era possível. Depois, claro, no replay, a coisa ficou clara, como quando o mágico explica como fez o truque.
Maradona, com sua genialidade, construiu o roteiro do crime perfeito. Em filmes como Golpe de Mestre (Oscar de melhor filme de 1974), torcemos pelos bandidos, sem que isso signifique aval moral ao crime. Trata-se de entretenimento.
Claro que um jogo de futebol, apesar de também ser entretenimento, não é um show de mágica ou um filme de Hollywood. Existe um protocolo de honra, que deve ser obedecido. Assim, atitudes anti-desportivas, como a de Maradona, são, sem dúvida, reprováveis. Por isso, reconheço que o VAR seria importante para reparar essa injustiça.
O VAR, se existisse em 1986, teria colocado as coisas em seus devidos lugares: o gol seria anulado, Maradona, provavelmente, teria sido expulso por atitude anti-desportiva, e seríamos privados do mais belo gol de todas as copas, o segundo contra a Inglaterra. Mas a justiça teria sido feita, a mágica teria sido desfeita, o crime perfeito não teria sobrevivido à tecnologia. O mundo teria se tornado, sem dúvida, um lugar um pouco mais justo. Mais chato, mas mais justo.