Muitos anos atrás, quando eu ainda era um jovenzinho em início de carreira, lembro de um diretor da empresa onde eu trabalhava comentando sobre o absurdo que era, no Brasil, pessoas andarem de Ferrari. Aquilo seria um acinte diante da pobreza da maioria dos brasileiros.
O que me chamava a atenção era que o próprio diretor dirigia um Toyota Camry novinho, carro equivalente a alguns anos do meu salário. Para ele, no entanto, o carro que ele dirigia era “normal”, o exagero seria a Ferrari.
Todos temos um estilo de vida mais ou menos compatível com a nossa renda. O jornalista André Trigueiro, por exemplo, quase certamente dirige um carro e mora em um apartamento compatíveis com a sua renda, que deve ser muito, mas muito superior ao que os brasileiros mais pobres poderão um dia sonhar em ter.
Mas isso não impede que o jornalista, assim como muitos outros burgueses com consciência social, condenem a “Ferrari” do momento: o churrasco “folheado a ouro” que os jogadores degustaram no Qatar. Seria uma ofensa, diante de tantos brasileiros que passam fome.
Se perguntados, esses críticos certamente diriam que, se eles próprios tivessem condições financeiras de comer o tal bife dourado, não o fariam, em respeito aos mais pobres. Não percebem que eles mesmos têm condições de fazer isso, aqui e agora. O seu estilo de vida está vários degraus acima do da maioria dos brasileiros, de modo que é fácil descer a escada e abrir mão daquilo que, para a os brasileiros mais pobres, não passa de luxos inalcançáveis. Sim, eu sei que não é fácil. Nos acostumamos com um certo padrão de vida, e achamos tudo muito necessário. O andar de cima é que tem luxos, nós não.
Condenar o “churrasco de ouro” serve para massagear a consciência social de uma classe média que se incomoda com o fato de ser classe média e que não consegue abrir mão de seus pequenos luxos. Os pobres mesmos, esses em nome dos quais a classe média bem-pensante aponta o dedo, provavelmente não estão nem aí para o que os jogadores estão comendo no Qatar. Aliás, é possível, até, que achem muito justo que profissionais que ganharam a sua fortuna honestamente tenham sim esses luxos. Afinal, fariam exatamente o mesmo se pudessem.